O Brasil é um país atípico, uma cultura semi-anárquica e questionadora, onde é mais do que comum, chegando às raias do aceitável, que o cidadão não somente questione o trabalho de seus legisladores, como também não cumpra suas leis, com a complacência das autoridades em certas ocasiões.
A crença popular da existência de uma suposta indústria de multas, amplamente incentivada por candidatos irresponsáveis a cada eleição, voltadas a engordar os cofres públicos é outra evidência do ridículo comportamento infrator brasileiro.
Não fosse por casos onde a regra é de uma estupidez clara (como os famosos kits de primeiros-socorros nos automóveis), ou de fiscalização frouxa (uso irregular de imóveis ou infrações menores de trânsito), o brasileiro talvez pudesse ter um comportamento mais civilizado, como tem sido amplamente divulgado pela grande mídia no caso da “lei seca”.
Mas o problema mesmo começa quando administradores públicos, gestores de empresas de engenharia, engenheiros de obras e empreiteiros começam a aplicar essa cultura anárquica no dia-a-dia de suas empresas desafiando além das leis dos homens, também as leis da natureza, acreditando que seus advogados, armados apenas de recursos e liminares, podem lidar contra a física, a química e até a lógica.
Limites de velocidade e infrações são perdoados por legisladores e magistrados lenientes a custo de milhares de vidas por ano. O caos urbano, derivado da ocupação inadequada do solo e das áreas de mananciais, as mortes nos últimos acidentes como os desabamentos em obras de terra ou de prédios em diversas cidades, são alguns exemplos dos desastrosos resultados da arrogância e presunção dos adeptos do vale-tudo brasileiro.
Não podemos fingir que a lei da gravidade é relativa ou passível de adaptações á burocracia estatal. Não podemos assumir que dois corpos podem ocupar o mesmo espaço físico ao mesmo tempo, só porque o filhinho de algum senador gosta de brincar de piloto de corridas, depois de uma cervejada com seus amigos. Não podemos imaginar que materiais de qualidade inferior são capazes de produzir o mesmo edifício que os profissionais de marketing anunciam.
Não podemos mais fingir que a “otimização” de recursos ensinada nas escolas de administração pode ser aplicada impunemente reduzindo coeficientes de segurança, economizando em fiscalizações, acelerando processos construtivos ou “juniorizando” equipes técnicas nos canteiros, escritórios de projetos ou órgãos e autarquias públicas.
É preciso que as lideranças políticas e empresariais passem a respeitar não somente as leis da natureza, mas também as leis do homem e a capacidade da engenharia brasileira em vencer os desafios que lhe são apresentados.
Pois obras como Itaipu, ponte Rio – Niterói, CSN e até mesmo o Metrô paulistano são provas da durabilidade, da eficiência e da capacidade técnica de nossos profissionais e de que o Brasil é capaz de grandes realizações.
A alternativa é o alto custo em vidas e dinheiro público gasto em reconstruções, indenizações ou atendimento de emergência nos hospitais. A escolha certamente não poderia ser tão difícil.
*Edemar de Souza Amorim é presidente do Instituto de Engenharia
Editorial publicado na edição nº 589 da Revista Engenharia
Autor: Edemar de Souza Amorim*