É a vingança do engenheiro que virou suco. O crescimento recente do País fez explodir a procura por profissionais e valorizou novamente uma das profissões mais antigas do mundo. Em tempos de Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), já faltam engenheiros para as obras de infra-estrutura, mineração e na indústria do petróleo, sem contar o boom da construção civil residencial. O otimismo do mercado começou neste ano a se refletir em grandes vestibulares; aumentou a procura para os cursos nas universidades. Mas estima-se que o Brasil precise formar 20 mil engenheiros a mais por ano.
A engenharia perdeu suas vigas e desabou em meio à estagnação econômica brasileira dos últimos 30 anos. Engenheiros tornaram-se economistas, administradores e suco, como a emblemática história do profissional desempregado que abriu uma lanchonete na Avenida Paulista na década de 80 com o nome O Engenheiro que virou suco (mais informações na página A25).
Hoje, engenheiros contemporâneos do antigo proprietário da lanchonete, como Luiz Fernando Penalva, de 59 anos, são chamados a voltar para o mercado de trabalho. “Nunca pensei que iria para a frente da obra de novo, algo que só fiz com cinco, dez anos de formado”, conta. Penalva concluiu o curso de engenharia civil em 1974 no Instituto Mauá de Tecnologia e na difícil década de 1980 teve de se mudar para o Nordeste para conseguir trabalho.
Mais tarde, ingressou em um cargo de administrador de um condomínio de casas, em que ficou por 12 anos. Cansado, juntou dinheiro e parou de trabalhar no ano passado. O engenheiro foi resgatado do que ele chamava de “spa mental” há dois meses por uma construtora em busca de profissionais experientes. Agora, trabalha até 10 horas por dia em obras públicas.
“Chegou a nossa vez”, anima-se o vice-diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), José Roberto Cardoso. Na instituição, alunos do último ano precisam se decidir entre quatro ou cinco propostas de emprego. Os salários iniciais ficam próximos dos R$ 5 mil. No vestibular de 2008, 10.160 estudantes disputaram as 750 vagas da Poli, um aumento de 37% com relação ao ano anterior.
O resultado se repetiu no Centro Universitário da FEI, com 31% mais candidatos no exame de julho. Na Universidade de Brasília (UnB) e na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o crescimento na procura por engenharia civil foi de 80% e 50%, respectivamente. “Vi que o mercado estava ótimo e resolvi, enfim, prestar engenharia”, conta Adilson Cardoso de Santos Júnior, de 20 anos, que acabou de ser aprovado no vestibular da FEI. Ele já trabalha no setor automobilístico e percebeu que esta era a hora para se tornar engenheiro.
“Quase todos os alunos já estão em estágios ou efetivados”, diz a pró-reitora da FEI, Rivana Marino. Ela conta que tem aumentado também a busca por especialização nas áreas técnicas, como metalurgia e automobilística. O mesmo ocorre na Mauá, que recebe cada vez mais engenheiros em busca de pós-graduação.
Paulo Eduardo Converso, de 27 anos, nem se formou e já foi contratado como engenheiro assistente da Brascan Engenharia, empresa que constrói atualmente 1 milhão de metros quadrados em São Paulo e no Rio. Ele trabalha na obra de um prédio de alto padrão em Alphaville, de 27 andares. “Sinto que estou no lugar certo, na hora certa”, diz.
Outros 286 mil estudam engenharia no País, segundo números mais recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (Inep/MEC). Só cerca de 30 mil, no entanto, concluíram os estudos em 2006, último ano registrado pelo Censo da Educação Superior. Apesar do aumento de quase 40% se comparado à 2003, há consenso nas entidades de classe de que o Brasil precisaria formar hoje 50 mil engenheiros por ano.
Na Coréia do Sul, exemplo de país que tem crescido em inovação tecnológica, 80 mil concluem os cursos de engenharia todo ano. A população local é de 49 milhões de habitantes, um quarto da brasileira. Na China, são 400 mil engenheiros formados por ano; na Índia, 250 mil. Mesmo assim, faltam profissionais no mundo todo, garantem especialistas.
Economia estável
“Engenharia e desenvolvimento caminham juntos. É o engenheiro que gerencia o progresso”, resume o presidente do Instituto de Engenharia, Edemar de Souza. No início de 2007, o governo entendeu que a economia nacional já tinha indicadores macroeconômicos e sociais positivos que possibilitavam uma aceleração do crescimento. A economia estava estabilizada, havia um ambiente favorável para investimentos e uma reduzida dependência de financiamentos externos.
Foi lançado então o PAC, com investimentos em infra-estrutura de R$ 503,9 bilhões até 2010, principalmente em áreas como energia, transportes, saneamento, habitação e recursos hídricos. “Para cada US$ 1 milhão que se investe, cria-se um posto de engenheiro”, diz o vice-diretor da Poli-USP.
Ao mesmo tempo, a maior oferta de crédito pelos bancos oficiais e privados levou ao boom da construção civil, alavancado também pela recente abertura de capital das grandes construtoras. Só nos primeiros cinco meses do ano, foram 185,3 mil novas vagas no setor no Brasil, de acordo com o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCom-SP).
Hoje são 2 milhões de trabalhadores na construção civil brasileira, um recorde. Segundo o vice-presidente da entidade, Haruo Ishikawa, não faltam só engenheiros. Há necessidade de mais mestres-de-obras e todo tipo de técnico. “Engenheiro experiente virou diamante.”
Para o presidente da Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), Marcos Túlio de Melo, o País não teve visão estratégica para preparar mão de obra para o desenvolvimento econômico. Existem 495. 581 engenheiros registrados no Brasil hoje, mas nem todos trabalham na área. E já cresce o número de profissionais estrangeiros; são 6 mil atualmente. “Temos 6 engenheiros para cada mil pessoas economicamente ativas. Na Europa e Ásia, o número varia de 18 a 28.”
Autor: O Estado de S.Paulo