Projetos coordenados

Se o aquecimento do mercado da construção está causando preocupação quanto à oferta de materiais, o mesmo vale para a disponibilidade de mão-de-obra, principalmente intelectual. Com o vertiginoso aumento da demanda, alguns escritórios de projeto têm delegado a profissionais inexperientes a responsabilidade pelo desenvolvimento de projetos. Assim, há uma difusão acentuada de erros nas soluções técnicas e problemas de compatibilização. 

Em paralelo, faltam gestores qualificados, o que leva a coordenação a ser realizada, muitas vezes, por profissionais com experiência aquém da requerida. “Não existe boa gestão com projeto ruim, e o papel do gerente de projetos é mais relevante hoje do que no passado recente, afirma o engenheiro Luiz Henrique Ceotto, diretor de Design & Construction da Tishman Speyer, em seu artigo “Coordenação de Projetos – Um assunto que Necessita Maior Prioridade de Desenvolvimento”. 

A coordenação de projeto nasceu da carência no encaminhamento de demandas de obra à fase de concepção, e da necessidade de apoiar a racionalização construtiva e o melhor uso da tecnologia e dos recursos. É importante entender essa gênese para que a função da coordenação não se perca com dissociação entre incorporação e construção. Esse profissional tem que dominar a cultura construtiva da empresa, participando desde a concepção até a obra. 

A função do coordenador é, então, orientar os projetistas na verificação de projetos, questionando soluções propostas e exigindo alternativas de acordo com as demandas. No entanto, não lhe cabe compensar a deficiência técnica dos projetos contratados. “A coordenação visa levar à obra um projeto coeso, com problemas resolvidos na mesa de reunião”, ilustra Walmir Cunha, gerente de projetos da Rossi Residencial. 

Perfil profissional

Instalações em geral apresentam a maior incidência de problemas de compatibilização com outros subsistemas construtivos. A responsabilidade de evitar problemas é dos projetistas, mas a visão do coordenador é essencial para questionar soluções, alertar para problemas e exigir alternativas 

Além da experiência técnica para perceber detalhes de projetos de diversas áreas, o coordenador deve ter capacidade de liderar e gerenciar pessoas e ser planejador. Não interessa se sua formação é em engenharia ou em arquitetura. Mesmo porque, quem atua na coordenação normalmente tropeça em coisas para fazer que não foram convenientemente estudadas na faculdade, como planejamento de projeto. 

Na construção civil atual, a figura do coordenador não pode mais se atrelar exclusivamente à compatibilização. “Se considerarmos que é a função principal, o resto dos projetistas não será mais responsável por nada”, ilustra a arquiteta Cecília Levy, coordenadora de projetos e presidente da Agesc (Associação Brasileira dos Gestores e Coordenadores de Projeto). Para que essa responsabilidade seja dividida com os projetistas, o coordenador deve alinhar a inserção de novas tecnologias. 

Essa argumentação leva questionar a participação desse profissional nas decisões tecnológicas da empresa. Muitas vezes, ele acaba subordinado a uma estratégia de realização de investimentos com grande volume de obras, o que leva a soluções convencionais. Segundo Miriam Addor, arquiteta, sócia-diretora da Addor & Associados Consultoria em Projetos e Qualidade, “abandonamos o que já estava incorporado, em decorrência da demanda por prazo e custo, e voltamos às estruturas reticuladas, com alvenaria complicada”.

Apesar de a responsabilidade pela compatibilização de projetos não ser do coordenador, esse profissional deve contar com experiência de obra para perceber conflitos entre especialidades. Uma coordenação atenta evita retrabalhos e pode influenciar positivamente no desempenho global da edificação 

Com a dificuldade em influenciar as escolhas tecnológicas, não haveria grandes diferenças entre a coordenação interna e aquela realizada por terceiros. Esses apresentariam, ainda, a vantagem de conhecerem melhor o mercado. Esses dados tornam-se importantes quando constatamos que a principal reclamação dos coordenadores com relação aos projetistas incorre, justamente, no que diz respeito aos prazos. “Não há uma disciplina que mais dê trabalho. Com a demanda em alta, o principal problema é cronograma”, afirma Daniele Triboni, arquiteta, coordenadora de projetos da C.a.P.e. Arquitetura. 

Alia-se a essa questão a da qualidade dos projetos e a falta de formação dos profissionais envolvidos, que afeta o desenvolvimento da produção. Para Melhado, além da urgência para que os escritórios de projeto melhorem sua gestão interna, é essencial investir no planejamento integrado do processo de projeto. “Não estamos fazendo isso, mas desenho de cronograma”, pontua. 

Com a inserção de novas tecnologias no processo, como o BIM (Building Information Modeling), algumas tarefas podem ser automatizadas, como a compatibilização de interferências, liberando o coordenador para realizar serviços mais complexos, como controle de cronograma. Isso valoriza e exige mais do profissional, que precisa de melhor qualificação para interagir com os resultados de softwares. “Para os projetistas de estruturas, fazer cálculos não é mais importante, mas o conhecimento do comportamento estrutural” compara Melhado.

Fases da obra e funções do coordenador 

Concepção do produto: apoiar o empreendedor no levantamento e definição de dados e informações para conceituar e caracterizar o partido do produto imobiliário e suas restrições. Definir as características demandadas para os projetistas a contratar. 

Definição do produto: coordenar as atividades de consolidação do partido do produto, definindo as informações necessárias à verificação da viabilidade física e econômico-financeira, assim como à elaboração dos projetos legais. 

Identificação e solução de interfaces de projeto: coordenar a conceituação e caracterização dos elementos do projeto, com as definições necessárias aos agentes envolvidos, resultando em soluções para as interferências entre sistemas e interfaces. 

Detalhamento de projetos: definir o detalhamento dos
elementos de projeto, gerando um conjunto de documentos para caracterização das obras e serviços a serem executados, possibilitando a avaliação dos custos, métodos construtivos e prazos. 

Pós-entrega de projetos: garantir a plena compreensão e utilização das informações de projeto e a sua correta aplicação e avaliar o desempenho do projeto em execução. 

Pós-entrega da obra: coordenar a avaliação e retroalimentação do processo de projeto, envolvendo os agentes do empreendimento e gerando ações para melhoria em todos os níveis e atividades envolvidos. 

Fonte: artigo “A Gestão de Projetos de Edificações e o Escopo de Serviços para Coordenação de Projetos”. Pode ser visualizado na íntegra em http://www.revistatechne.com.br  

Decisões centralizadas

O projeto do Centro de Distribuição da Perdigão, na cidade de Embu, interior de São Paulo, tinha como pontos críticos a compatibilização e controle de interferências entre projetos civis, mecânicos, de refrigeração e disposição de estanterias, porta-paletes e a passagem de transelevadores. 

A coordenação focou a análise de projetos quanto à qualidade e custos, o controle e o gerenciamento das informações, a coordenação de reuniões periódicas com os projetistas, reuniões com o cliente para controle do escopo e de eventuais alterações, bem como o andamento dos trabalhos. O projeto básico desenvolvido pelo cliente foi remodelado a partir da cultura construtiva da Método, empresa que executa a obra. “O projeto foi reestudado e passou por nova concepção”, explica a coordenadora dos projetos, a engenheira Cíntia da Silva Vedovello. 

Ela tem autonomia para apresentar e argumentar sobre soluções tecnológicas, todas submetidas ao gerente do empreendimento da construtora e à equipe de engenharia do cliente. O coordenador faz o meio de campo entre o desenvolvimento dos projetos e a execução, levando as explicações necessárias à equipe de obra e coletando dúvidas acerca dos projetos. “Eu as equaciono com os projetistas e alimento a obra com as respostas e informações adicionais.” 

Nas reuniões que orienta, gerencia prazos de desenvolvimento dos projetos, discute as soluções adotadas, as interferências, registra a ata e identifica responsabilidades. Cíntia afirma que “as informações são disponibilizadas por meio de projetos e planilhas, facilitando o trabalho de aquisições e execução”, e propiciando aumento de produtividade. O acesso a tais informações se dá por ferramenta de colaboração online. Outros benefícios alcançados foram a minimização de interferências e incompatibilidades, melhor controle das informações e custos, gerenciamento do escopo e dos prazos de acordo com o cronograma de obra. 

Atuação global 

Na Rossi Residencial, a participação do coordenador ocorre em diversas etapas. Por exemplo, esse profissional trabalha desde a implantação do estande de vendas e das unidades-modelo decoradas. É o coordenador quem pauta as discussões com os departamentos comercial, de marketing, de incorporação, de projetos e de engenharia de produção e planejamento. O objetivo é estimular a busca de uma solução que prolongue a permanência do estande. “Isso otimiza o investimento nessas instalações e elimina os custos com sua relocação”, explica Walmir Cunha, gerente de projetos da empresa. 

Ao levar em conta as interfaces com a obra, o planejamento viabiliza que o estande permaneça por seis a nove meses após o início das obras. Embora faça parte da pauta de desenvolvimento que fica sob a tutela do coordenador, as sugestões podem ser apresentadas por qualquer membro. No caso da Rossi, que adota a coordenação externa, esse profissional não tem autonomia para a tomada de decisões. Ele levanta as necessidades e, por intermédio do gerente ou supervisor de desenvolvimento de projetos, as submete à empresa.

Autor: TECHNÉ – Bruno Loturco