A Santelisa Vale fechou um acordo com a Amyris Biotech, uma empresa de biotecnologia do Vale do Silício, e vai se tornar a primeira produtora do mundo de um novo tipo de biodiesel, produzido a partir da cana-de-açúcar. O anúncio aconteceu na manhã desta quarta-feira, em São Paulo. O acordo prevê a produção de 4 bilhões de litros do novo combustível a partir de 2011 e é a primeira grande união entre uma empresa de alta tecnologia dos Estados Unidos e um produtor de álcool e açúcar do país.
A Amyris, uma empresa que conta com investimentos da fundação Bill e Melinda Gates e de alguns dos mais importantes capitalistas do Vale do Silício, uniu-se à Crystalsev, uma trading e distribuidora de etanol brasileira controlada pela Santelisa, em uma joint venture que terá os direitos exclusivos de comercialização do biodiesel.
A nova companhia, batizada de Amyris-Crystalsev , vai começar a produção em usinas-piloto. A primeira delas fica na Califórnia e começa a produzir em outubro. No ano que vem, a produção vem para Campinas, no interior paulista, onde ficará a sede da Amyris-Crystalsev. A partir de 2010 começa a produção em escala comercial.
O novo combustível é compatível com os motores atuais e pode ser misturado ao diesel tradicional em uma proporção de até 80%, segundo John Melo, presidente da Amyris. “Fala-se muito em combustíveis da nova geração”, disse Melo a EXAME. ”O Brasil vai ser o primeiro país do mundo a produzi-lo.”
A tecnologia desenvolvida pela Amyris é baseada em microorganismos modificados geneticamente. A idéia é que eles entrem na etapa de fermentação do açúcar. Com as leveduras desenvolvidas pela Amyris, em vez de álcool, obtém-se um combustível com as mesmas características do diesel obtido a partir do petróleo.
A mesma tecnologia pode ser utilizada para a produção de gasolina de aviação e gasolina tradicional, mas a escolha foi pelo diesel, pois esse é o combustível que mais cresce no mundo, diz Melo. “Trata-se do combustível que está empurrando as economias em desenvolvimento, e que cresce de duas a três vezes mais rápido que a gasolina”, afirma Melo, que foi presidente das operação de combustíveis da BP nos Estados Unidos antes de assumir o comando da Amyris. Ele afirma que o novo combustível é economicamente viável mesmo com o barril de petróleo a 55 dólares. Ontem, o barril fechou a 119 dólares.
O anúncio tem implicações importantes para a indústria de biocombustíveis do país. A primeira delas é a transformação potencial das usinas que hoje produzem álcool e açúcar em “biorefinarias”. “Assim como acontece com o petróleo, as usinas poderão decidir qual é o melhor produto a produzir: álcool, açúcar ou diesel”, diz Rui Lacerda Ferraz, presidente da Crystalsev.
A idéia inicial é criar uma nova unidade produtiva dentro da Santelisa Vale destinada ao diesel de cana-de-açúcar. A conversão de uma usina custa entre 20 e 30 milhões de dólares. A Amyris-Crystalsev já negocia com outras usinas para atingir a meta de 4 bilhões de litros a partir de 2011.
Outro impacto importante é a sofisticação da tecnologia usada pelos produtores brasileiros. Embora o Brasil seja o líder mundial na produção de etanol, os procedimentos para a transformação da cana-de-açúcar em combustível são essencialmente os mesmos há centenas de anos.
Existe pelo menos uma dezena de empresas americanas investindo em tecnologias que vão da biotecnologia a novos maquinários para a produção de etanol com mais eficiência, a partir de qualquer tipo de material orgânico. Essas novas tecnologias buscam a obtenção do que é conhecido como etanol de celulose.
O diesel produzido pela Amyris, porém, é um terceiro tipo de combustível. Ele tem as mesmas carracterísticas do diesel tradicional, mas com menos impurezas. Embora teoricamente seja possível simplesmente substituir o diesel tradicional pelo de cana-de-açúcar, os testes foram todos feitos com misturas. A idéia é obter proporções de misturas mais altas do que as hoje possíveis com o biodiesel.
O primeiro comprador do novo combustível será justamente a frota da Santelisa Vale, diz Anselmo Rodrigues, presidente da usina. A expectativa é que o novo diesel seja consumido no próprio país, um importador de diesel tradicional.
As negociações entre a Amyris e a Santelisa Vale começaram há cerca de um ano, quando Melo e os fundadores da empresa vieram visitar a usina. A Amyris, baseada em Emeryville, na Califórnia, tem entre seus investidores os capitalistas de risco Vinod Khosla, da Khosla Ventures, e John Doerr, do fundo Kleiner Perkins Caulfield & Byers – um dos primeiros a apostar em empresas como Google e Amazon.
A empresa nasceu de pesquisas realizadas na Universidade de Berkley em busca de uma cura para a malária. Os combustíveis foram uma decorrência desse foco inicial. O valor do investimento na joint-venture não foi revelado. A Amyris detém 70% do capital da nova empresa, e os 30% restantes pertencem à Crystalsev.
Autor: Exame – Sérgio Teixeira Jr.