O fim do acordo de cooperação com a Alemanha após a conclusão da usina Angra 3 torna a França como candidata mais forte para futuras parcerias com o Brasil em tecnologia nuclear. Com 80% da matriz energética baseada em térmicas nucleares, o país já mantém relações indiretas com o governo brasileiro na construção da terceira usina nuclear de Angra, prevista para ser concluída em 2012.
Com sede na Alemanha, a Areva, empresa que comprou a KWU, tem contrato com a Eletronuclear, é de origem francesa. Em fevereiro, na Guiana, os dois governos assinaram protocolo de intenções que também incluem equipamentos e aviões para a área de Defesa. E no Itamaraty, o Planalto já tem agendado 22 de dezembro um encontro de Lula e Sarkozy em Brasília.
Segundo o diretor de comunicação e ex-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Édson Kuramoto, um novo acordo com a Alemanha pós Angra 3 deve mudar o foco para outras formas de energia – por lei, está proibida a construção de novas usinas nucleares em território alemão. A França, por outro lado, está construindo mais uma usina nuclear no país e vem exportando, pela Areva, máquinas e equipamentos para reatores na China e Finlândia. Com poucos recursos naturais, o país europeu paga um preço alto na produção de energia. “A França gasta quase 23 vezes mais que o Brasil para enriquecer a mesma quantidade de urânio. Ela utiliza o outro processo, chamado de ultracentrifugação”, diz.
Hoje, o Brasil enriquece todo o seu urânio fora do País. O minério é retirado em território brasileiro, gaseificado no Canadá, enriquecido na Holanda e reconvertido no País, para a produção das pastilhas de elemento combustível que alimentam as usinas de Angra 1 e 2. A expectativa dos especialistas é de que o Brasil atinja a auto-suficiência em 2013, aproveitando o potencial de sua reserva de urânio, sexta maior do mundo. Segundo a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), as reservas conhecidas de urânio no País chegam a 309 mil toneladas. As reservas mundiais de urânio somam cerca de 3,3 milhões de toneladas, com 28,5% deles na Austrália, principal explorador.
Potencial inexplorado
Em estudo pelo Ministério das Minas Energias, a quebra do monopólio estatal na exploração de urânio pode elevar o Brasil da sexta para a segunda posição entre os países com maiores reservas naturais do minério. Segundo Kuramoto, apenas 30% do território nacional foi explorado – a estimativa da INB é de que o País possua mais de 800 mil toneladas de urânio. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que a abertura do mercado de exploração à iniciativa privada está na pauta do governo, apesar da proposta ter sido rejeitada na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
“Como caminhamos para aumentar a participação da energia nuclear [no sistema de produção de energia], temos que agilizar o processo de urânio”, disse Lobão. Com 6,7% das reservas mundiais, o Brasil deixou de prospectar urânio há muitos anos, segundo Kuramoto. “Devido à demanda de outros setores o País hoje não tem recursos suficientes para os estudos”. Para ele, a parceria com empresas privadas do ramo de mineração, em especial a Vale, é uma solução possível.
“Com freqüência, o urânio é encontrado na exploração de outros minérios. O monopólio do governo, porém, cria barreiras às empresas privadas”, afirma Kuramoto. Impedidas de explorar as áreas que possuem urânio, as mineradoras deixam de retirar outras matérias-primas. Uma das alternativas é o fim do monopólio estatal de exploração sem acabar com a exclusividade de uso do urânio. “A Vale, por exemplo, pode retirar os minérios que lhe interessam e repassar o urânio resultante para a INB”, diz Kuramoto. O preço do minério vem subindo nos últimos quatro anos, atraindo o interesse privado. Um dos motivos, segundo o especialista da Aben, é a redução da quantidade de urânio proveniente de ogivas nucleares.
Gerenciamento pacífico
O enriquecimento de urânio para testes com bombas nucleares é assunto delicado na relação entre países. Com a proximidade da auto-suficiência nesta tecnologia, o Brasil não enfrenta restrições graças às políticas de transparência internacional no gerenciamento do minério. Signatário e cumpridor de diversos acordos de não-proliferação de armas nucleares. Na parada programada para reabastecimento da usina Angra 2, que começa amanhã, inspetores internacionais estarão presentes, como parte da política de transparência.
Autor: DCI – Bruno Deiro