Por 90 meses, na mais longa guerra disputada pelos EUA em sua história, 58 mil soldados perderam suas vidas. Ainda hoje, mais de trinta anos depois de encerrados os combates, o país ainda sente os efeitos do conflito que mudou a sociedade americana.
Nosso país perde, numa eficiência aterradora, uma guerra do Vietnã a cada doze meses, matando indistintamente seus cidadãos enquanto dirigem-se para o trabalho, férias, escolas ou num passeio de final de semana. O trânsito brasileiro, que somente em acidentes, custa 26 bilhões de reais anuais é o mais perfeito exemplo dos efeitos da irresponsabilidade e descaso da sociedade brasileira e a incompetência de suas autoridades ao tratar de forma pessoal um problema técnico.
O problema, iniciado ao entregar-se a gestão do trânsito das cidades às autoridades policiais, é agravado pela incapacidade de nossos legisladores e gestores públicos de distinguirem sua responsabilidade perante o cidadão e seu comportamento como motoristas. Produzindo uma legislação de padrão europeu, porém criando sistemas e barreira para sua aplicação digna de caricaturas hollywoodianas de autoridades africanas.
A crença brasileira na existência de uma indústria de multas, voltada unicamente para esfolar o cidadão e engordar os cofres públicos é também uma das principais barreiras culturais. Tão forte que políticos e autoridades parecem disputar uma competição de remendos legislativos e administrativos para suavizar o rigor da lei e impedir a aplicação das penalidades, num exemplo escancarado de desrespeito à lógica, ao bom senso e à inteligência.
O cidadão, assumindo a infantil posição de negar o óbvio, acreditando em sua excelência auto-creditada atrás de um volante, comporta-se como se as leis fossem criadas apenas para atrapalhá-lo em seus afazeres diários, que as multas são impostos disfarçados e que seu dever é evitá-las a qualquer custo sem cumprir a lei.
Soma-se a isto uma estrutura corrupta e ineficiente, derivada da entrega às autoridades policiais o que deveria ser da alçada administrativa (concessão de licenças de condução de veículos e registros de propriedade) e técnica (engenharia de tráfego e fiscalização veicular), e chegamos ao massacre diário que se tornou o exercício do direito de ir e vir do cidadão.
É hora de tratarmos o trânsito de forma séria e técnica, analisarem as séries históricas de acidentes e identificar as estradas, os veículos, os motoristas, as viagens, as condições meteorológicas, enfim todas as variáveis envolvidas desde um simples deslocamento para a padaria até uma viagem interestadual que terminaram de forma trágica. Encontrar os pontos comuns e, de forma séria, desenvolver, comunicar, incentivar, fiscalizar legislação adequada e rigorosa, punindo exemplarmente os motoristas infratores.
É também preciso tratar as causas físicas dos acidentes: sinalização inadequada, má conservação das pistas, manutenção deficiente dos automóveis. O estado de Minas Gerais, campeão em número de acidentes, é símbolo do nefasto efeito de estradas mal construídas, mal sinalizadas e mal conservadas. Viajar por Minas Gerais, coberto pela maior malha de rodovias federais, é muito mais arriscado do que nas movimentadíssimas estradas paulistas, privatizadas e mantidas sob um padrão internacional.
Enfim é hora de iniciarmos a verdadeira engenharia de transportes no Brasil. Substituir os delegados por engenheiros seria um bom começo.
Autor: Edemar de Souza Amorim