Por José Eduardo Cavalcanti – A semana da Engenharia

Texto de José Eduardo W. de A. Cavalcanti para a palestra proferida pelo o Engº Ivan Whately na Semana Nacional da Engenharia

Em qualquer palestra do gênero, quando abordamos acerca da carência de saneamento no Brasil abrangendo esgotos, é comum iniciarmos nossa fala dizendo que nosso país tem apenas 51% dos esgotos coletados e tratados de acordo com dados do IBGE e do SNISA – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, anteriormente denominado SNIS, órgão do Ministério das Cidades, no âmbito da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA).

Mas será que é o índice é só este mesmo cobrindo apenas metade da população?

Não seria maior?

Não seria menor?

Infelizmente, acreditamos que os índices de cobertura sejam até menores, pois os dados em que se baseiam essas informações são auto-declarados e fornecidos pelos responsáveis pelos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo dos resíduos sólidos urbanos, tais como, prefeituras, os serviços autônomos de água e esgoto, as companhias estaduais de saneamento e as concessionárias privadas de saneamento.

Com isto, decorre, muitas vezes que por não serem auditados, tais informações tendem por questões políticas a estar infladas podendo causar distorções nas suas interpretações e na divulgação como dados oficiais provocando equívocos no planejamento e execução de políticas públicas, orientação da aplicação de recursos, conhecimento e avaliação do setor saneamento, avaliação de desempenho dos serviços; aperfeiçoamento da gestão, orientação de atividades regulatórias e de fiscalização, e exercício do controle social dos estados e municípios no que tange às obras de saneamento necessárias a cargo dos órgãos públicos e das concessionárias privadas de saneamento para o cumprimento da meta de universalização, não só no que se refere a esgotos mas também água, resíduos sólidos e drenagem.

Mas, uma boa gestão por parte dos entes responsáveis, bem como auditoria dos dados enviados tenderia a minimizar o problema.

Só que a questão não termina aí!

No que se relaciona ao sistema de esgotos sanitários quando se espera que o problema já estivesse resolvido, conforme planejado, eis que se constata que muitas das estações de tratamento já implantadas naqueles municípios, (algumas até integrantes de sistemas recentemente construídos) dão performance bem abaixo do esperado em razão de deficiências operacionais e de manutenção, significando que os esgotos a ela afluentes não foram adequadamente tratados.

Esta situação tem o condão de distorcer mais ainda a interpretação dos índices do SNISA já divulgados. Este fato se dá por questões operacionais e principalmente pela falta de manutenção preditiva, preventiva e corretiva acarretando que em muitas ETEs as eficiências de remoção de carga orgânica, medidas em termos de redução de DBO, caem significativamente, sem falar nos problemas advindos com interrupção, muitas vezes por longos períodos, dos sistemas de coleta, devido a rompimento de emissários interceptores, rupturas na rede de esgotos, panes em elevatórias, demora na reparação por conta de questões burocráticas devido ao fato de muitas vezes ser necessário estabelecer um processo de licitação para contratação de obras de reparo e reposição de equipamentos .(providências agora tendendo a ser mais agilizadas por causa das privatizações)

Enquanto isso, os esgotos seguem grassando, sem tratamento, para os córregos e rios.

Aqui mesmo em São Paulo, Capital, temos vários exemplos de situações similares, como a ETE Barueri que promove o tratamento secundário da maior parte dos esgotos do município de São Paulo, capacitada a tratar uma vazão de 14,2 m3/s e 401 toneladas de DBO/dia. Esta ETE, sobrecarregada principalmente na sua fase sólida, no entanto remove somente 74% da DBO afluente lançando no Tietê uma DBO média de ordem de 101 kg /dia ou o equivalente a uma concentração de 85 mg /l, valor este medido com base em 16 anos de registros avaliados. Desta forma, a qualidade do efluente final quase nunca atinge o limite mínimo dos 60mg/l de DBO previsto na legislação.

Isto significa que 401 toneladas de carga orgânica que chegam a ETE, correspondente à contribuição de cerca de 7,4 milhões de habitantes equivalentes, ainda são lançadas no rio Tietê, após tratamento na ETE Barueri, cerca de 104 toneladas de DBO, o equivalente a uma população de 2 milhões de habitantes equivalentes. Então, na realidade, são tratadas apenas 5.4 milhões de pessoas equivalentes e não 7,4 milhões que é a capacidade da ETE. Ressalte-se que estamos falando de população equivalente que agrega os esgotos dos homo sapiens e de esgotos não-domésticos, os chamados (ENDs), aí inclusos os despejos industriais e outros.

Estes dados foram extraídos dos editais da Sabesp lançados recentemente pela Companhia visando a contratação integrada para a ampliação para o ano de 2027 das ETEs Barueri, Parque Novo Mundo, São Miguel Paulista, integrantes do Programa de Despoluição do rio Tietê- Etapa 4 do INTEGRA TIETÊ.

Registre-se que não é do feitio da Sabesp disponibilizar dados técnicos relativos as suas depuradoras, razão pela qual não é comum a divulgação de artigos técnicos referentes à operação dessas ETEs, nem mesmo os produzidos pela própria Sabesp.

Avaliações similares foram feitas em outras 3 ETEs que tratam os esgotos do município de São Paulo que depuram em conjunto 501 toneladas/dia de DBO. O montante da população equivalente, que como dissemos, abrange esgotos domésticos e também os esgotos não domésticos, é estimada em 9,3 milhões de habitantes equivalentes dos quais cerca de 7,3 milhões são efetivamente tratadas, dada a baixa performance da ETE Barueri.

Considerando-se que estas ETEs tratam preponderantemente os esgotos do município de São Paulo que agrega uma população estimada em 12.33 milhões de habitantes (IBGE 2020), conclui-se que são efetivamente tratados cerca de 57% da população equivalente, sendo que uma parcela corresponde a parte dos esgotos coletados em municípios vizinhos como Guarulhos, Osasco, Barueri, Embú das Artes e Taboão, bem como os END’s, representado principalmente por chorume dos aterros sanitários da RMSP percebe-se, pois, quão defasados estamos em tratamento de esgotos.

Ressalte-se que, de acordo com o Sistema Nacional de Informações de Saneamento – SNISA que trabalha, como dissemos, com dados auto-declarados, o município de São Paulo conta com um índice de tratamento de esgotos referido à água consumida de 73.08% (2022)!

Concluindo, percebe-se que a situação é ainda pior do que os dados oficiais revelam, significando que muitas intervenções ainda deverão ser feitas e muito dinheiro investido, até o cumprimento da meta de universalização até o presumível ano de 2033.

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José Eduardo Cavalcanti é engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia. E-mail: [email protected]

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

Este artigo é de exclusiva responsabilidade do autor.