Parceria estratégica com a China

Rubens Barbosa (6º da esq. p/ dir), ao lado do presidente do Instituto de Engenharia, José Eduardo Jardim, com membros da diretoria executiva, conselheiros e convidados do IE, em visita à sede da instituição em 27/05/24

*Por Rubens Barbosa

A ideia de colaboração na construção do corredor ferroviário para o Pacífico poderia ser um dos pontos altos das comemorações dos 50 anos de relações entre Brasil e China

No ano em que os 50 anos do restabelecimento das relações entre o Brasil e a China são comemorados, a reunião da Comissão Mista de Alto Nível Brasil-China (Cosban), na próxima semana – quando Novo PAC, neoindustrialização, transição energética e cooperação financeira estarão na agenda –, e a visita, em novembro, do presidente Xi Jinping ao Brasil serão encontros marcantes, que deveriam ser aproveitados pelo governo para definir nossas prioridades com Pequim.

No momento em que as relações entre os EUA e a China se tornam mais conflitivas, especialmente na área tecnológica e econômico-comercial, torna-se urgente a definição de uma estratégia do Brasil para enfrentar as novas realidades geopolíticas que poderão impactar os interesses do País. Nesse contexto, a questão da integração regional, as conexões com a Ásia e os investimentos para facilitar projetos nessas áreas poderiam ser prioridades estratégicas do Brasil nos entendimentos durante o corrente ano.

O transporte de produtos de exportação do Brasil deixou de refletir essa grande mudança de eixo comercial. Para alcançar a Ásia, as exportações brasileiras têm de passar pelo Canal do Panamá ou pelo sul da África, o que não é eficiente nem econômico. Torna-se cada vez mais urgente abrir corredores de exportação diretamente para os mercados asiáticos, via portos no Peru e no Chile no Pacífico, para diminuir o tempo de transporte e o frete para tornar os produtos brasileiros mais competitivos.

Não está incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) um projeto estratégico que ligaria, por via ferroviária, o Atlântico ao Pacífico, de 3.755 quilômetros de extensão (1.900 quilômetros no Brasil), passando pela metade norte do território nacional e pela Bolívia e chegando aos portos peruanos, que estão sendo ampliados com recursos chineses. O corredor ferroviário que chegaria aos portos peruanos teria um sentido estratégico fundamental para o Brasil, se pudesse ser executado. Caso viável economicamente, esse corredor não só favoreceria o intercâmbio comercial com a Ásia, mas também ampliaria as comunicações via transporte ferroviário, mais barato, com os países vizinhos e permitiria o aumento do comércio bilateral. Com recursos escassos para desenvolver os projetos já incluídos no PAC, caberia um exame objetivo de eventual cooperação entre o Brasil e a China para a construção desse corredor ferroviário.

Na parte sul do território nacional, no próximo ano, deverá ficar pronto o corredor rodoviário que ligará Santos a portos chilenos, o que beneficiará a exportação de produtos da região para a China. Pequenos trechos no Paraguai e na Argentina deverão estar finalizados até o próximo ano, permitindo a utilização dessa via, construída com recursos de cada um dos países envolvidos (Brasil, Paraguai, Argentina e Chile), sem qualquer interveniência chinesa.

No curso de visita oficial ao Brasil em janeiro passado, o ministro do Exterior da China, Wang Yi, propôs ao Brasil unir o PAC com investimentos na nova Rota da Seda aqui na América do Sul, da qual muitos outros países sul-americanos já participam. O convite apresenta questões delicadas do ponto de vista geopolítico e do relacionamento com os EUA. O tema não está suficientemente amadurecido no âmbito do governo brasileiro, mas deveria merecer a atenção do setor privado e uma análise pragmática do governo, de acordo com o interesse nacional. Há um esforço do governo para atrair investimento de empresas chinesas para projetos do PAC sem vinculação com a iniciativa chinesa. Caso haja recursos chineses para investimento na ferrovia, sem compromissos, inclusive quanto ao recebimento de trabalhadores chineses, a negociação do referido corredor ferroviário teria uma significação toda especial. Dado o interesse de Pequim e sua altíssima capacitação tecnológica no setor ferroviário, os entendimentos poderiam ser acelerados e a obra, respeitadas as regras ambientais, poderia ser iniciada sem mais delongas, com a participação financeira do Banco do Brics, de acordo com o interesse brasileiro.

Leia o artigo completo em O Estado de S. Paulo

*Rubens Barbosa é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)