Em tempos de crise climática, é fácil se deparar com expressões do tipo “potencial de captação de CO2 da Amazônia” e créditos de carbono. Mas a gente realmente sabe quanto carbono a floresta consegue absorver? A resposta ainda não é precisa, apesar de ser óbvia a importância da conservação do bioma.
Diversas pesquisas vêm tentando melhorar como medimos o carbono emitido ou capturado pela Amazônia. Com dados desatualizados, o risco é o de superestimarmos o potencial da floresta em um mundo que tem urgência de diminuir as emissões de CO2.
Um dos projetos mais ambiciosos em curso, o Amazon Face (abreviação da expressão em inglês “Free-air CO2 enrichment”, ou enriquecimento por CO2 livre), deve entrar em ação em 2024.
A ideia do projeto é verificar como a floresta se comporta sob maiores concentrações de CO2 no ar. Para isso, os pesquisadores instalaram torres formando enormes círculos —com 30 metros de diâmetro e estruturas de 35 metros de altura— em áreas de floresta no Amazonas nas quais bombearão dióxido de carbono.
As estruturas de parte das torres, que chegam à copa das árvores, já foram erguidas na floresta, mas o trabalho de pesquisa mais pesado só começará no fim do próximo ano. Basicamente, dois dos seis anéis estão completos —o que coloca o projeto, atualmente, na sua fase 2, que consiste no piloto do experimento de larga escala e longa duração.
O custo do projeto, para dez anos de experimento, está estimado em US$ 78,5 milhões (R$ 387 milhões, na cotação atual), viabilizados pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). O governo britânico, que tem cooperação com o Brasil no projeto, liberou cerca de 7,3 milhões de libras (mais de R$ 45 milhões) para o Amazon Face desde 2021.
O Amazon Face, explica David Lapola, um dos coordenadores do projeto e pesquisador da Unicamp, quer se antecipar ao futuro da floresta, prevendo uma situação em que teremos mais CO2 na atmosfera.
Segundo Lapola, os modelos disponíveis, de forma geral, mostram um aumento significativo de biomassa e de produtividade da floresta com essa “fertilização” por CO2. O problema: esses estudos foram realizados em florestas temperadas, não em realidades como a da Amazônia.
Tal crescimento nas florestas temperadas, porém, não foi contínuo. Lapola diz que, após pouco mais de meia década, o aumento de produtividade parou devido à falta de nutrientes no solo.
No caso da Amazônia, a questão já começa diferente. Segundo o coordenador do Amazon Face, o projeto foi instalado em uma região representativa de cerca de 60% da bacia amazônica, um solo pobre em fósforo, que é o “tijolo” essencial para a construção das plantas.
“A planta pode até produzir um açúcar simples [com aumento da disponibilidade de CO2], mas não consegue alocar isso para biomassa, sobretudo no tronco. Qualquer parte em que ela precise crescer, ela vai precisar de fósforo”, diz Lapola.
Entender melhor tais processes em uma floresta do porte da Amazônia é essencial quando falamos do futuro climático. “É uma das incertezas mais gritantes dos sistemas climáticos”, resume Lapola. “O que vamos fazer é deixar as projeções e modelos mais confiáveis.”
Ter mais informações sobre a capacidade de absorção de carbono da floresta é também essencial para apontar o chamado ponto de não retorno —situação na qual o bioma, em razão do desmatamento e das mudanças climáticas, entraria em um processo de savanização, deixando de ser uma floresta úmida.
Lapola destaca que a maioria das modelagens climáticas que integram o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU) ainda olham para as florestas tropicais como locais com absorção de CO2 permanente. Por isso, as contas de quanto as florestas tropicais realmente estão ajudando no clima “muito provavelmente estão superestimadas”, afirma o pesquisador.
“O Amazon Face vai mostrar que esse valor pode ser menor que isso, mas que é dinâmico. Isso altera o nosso relatório de emissões para a convenção do clima [da ONU]”, diz o cientista.
A necessidade de melhorar as medições de carbono na Amazônia também guia o trabalho de Luciana Gatti, pesquisadora do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Ela é uma das autoras de um artigo recente que mostra como diferentes métodos produzem cálculos muito distintos das emissões da Amazônia.
O estudo constatou, por exemplo, que as estimativas conhecidas como “top-down” (de cima para baixo), feitas periodicamente na Amazônia por pesquisadores do Inpe com sobrevoo de aeronaves para verificar as concentrações atmosféricas de CO2, mostram mais emissões do que a metodologia “bottom-up”, que se baseia em estimativas. O artigo aponta que a modelagem “bottom-up”, muito utilizada, pode estar subestimando as emissões.
“O ideal é integrar os dois e melhorar os processos de entendimento”, afirma Gatti.
“A Amazônia está em mudança, está sendo afetada pelo desmatamento, que está colocando uma condição climática estressante. Se ela está mudando e usamos as mesmas taxas [para comparação e cálculo de emissões] há 20 anos, estamos tratando de modo inadequado esses processos”, diz.
Essa matéria foi publicada originalmente em: Folha de S.Paulo