O governo de São Paulo estuda a construção de uma nova estrada ligando a Grande São Paulo ao Porto de Santos. A nova rota proposta pela iniciativa privada cortaria o Parque Estadual da Serra do Mar, área de preservação permanente e maior porção contínua de Mata Atlântica do Brasil. Começaria no Rodoanel Leste, na altura do município de Suzano, e chegaria ao bairro de Guarapá, na área continental de Santos, nas proximidades do entroncamento da Rodovia Cônego Domênico Rangoni com o acesso à Rio-Santos, que leva ao litoral Norte paulista.
Outra opção para aumentar a capacidade de tráfego de carretas de contêineres para o Porto de Santos é a construção de uma nova pista no sistema formado pelas rodovias Anchieta e Imigrantes, administrado pela Ecovias.
A ideia de uma nova ligação entre o planalto e a Baixada Santista não é nova. Surgiu na década de 1980, com o ex-governador Paulo Maluf, e atravessou anos sem sair da gaveta. Ressurgiu em 2020, na gestão do governador João Doria, que lançou edital para receber propostas de construção de um corredor multimodal com destino ao porto, batizado de ‘Linha Verde’.
É justamente esse corredor que entusiastas da nova estrada agora querem ver implementado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Os prefeitos da região beneficiada. como Rodrigo Ashiuchi (PL) e Rogério Santos (PSDB) ajudam a fazer coro na defesa do projeto, que pode beneficiar também o turismo na Baixada Santista. A obra é estimada em cerca de R$ 12 bilhões e está sendo avaliada pela Secretaria Estadual de Parcerias em Investimentos, no esquema de parceria público-privada. Ainda não há, no entanto, nenhum cronograma concreto para sua implantação.
— Não se trata só de uma ligação do ponto A ao ponto B. O que está em jogo é o que essa ligação vai produzir de desenvolvimento do futuro. É um projeto para ontem, pois o processo pode demorar 10 anos, entre licenciamento e término da obra — afirma José Wagner Leite Ferreira, coordenador da Divisão de Navegação Interior e Portos do Instituto de Engenharia, que reúne especialistas de diversos setores para discutir o novo corredor num workshop nesta quarta.
Ferreira afirma que o impacto ambiental na Serra do Mar pode ser mitigado com as novas tecnologias de construção, que permitem criar o menor número possível de acessos pela área vegetada. Ele cita como exemplo a duplicação da Rodovia dos Tamoios, que dá acesso ao Litoral Norte paulista, que obteve licenciamento ambiental e conseguiu mitigar os impactos nas áreas protegidas do entorno.
— As tecnologias hoje permitem o máximo de eficiência na construção. O estrago que pode acontecer é mínimo, aceitável e tem protocolos a serem seguidos para cuidar da fauna e da flora — diz ele.
Com cerca de 47 km, o traçado passa na vizinhança da Vila de Paranapiacaba, antigo centro de operações da companhia inglesa São Paulo Railway, que levava café até o Porto pela ferrovia Santos-Jundiaí. A ferrovia foi inaugurada em 1867 e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 2008.
O novo projeto também inclui transporte de mercadorias sobre trilhos, mas Ferreira afirma que não se trata de ferrovia, cuja concessão depende do governo federal. Trata-se de um sistema linear sobre trilhos, de tecnologia francesa, está sendo chamado de carrossel e permite que os vagões acumulem energia na descida e usem no retorno, na subida da serra. O sistema seria implantado no canteiro central ou lateral da via, que poderá ter cerca de 70% de seu trajeto formado por túneis e viadutos. Uma das alternativas é fazer, nesses trechos, uma construção de “dois andares” — uma para os veículos e outra para os trilhos.
Ferreira afirma que, apesar da companhia inglesa ter vencido a Serra do Mar 150 anos atrás, hoje em dia é inviável pensar em ferrovia no trecho, que é curto e acidentado demais para o volume de cargas rumo ao porto. Os vagões hoje são muito mais pesados e o investimento, diz ele, seria inviável. A Serra do Mar é íngreme, com desnível estimado em 800 metros entre o planalto e a Baixada Santista, e o uso de trem exigiria rampas de baixo declive, aumentando o “efeito caracol” no desenho da rota.
A justificativa do novo projeto é o crescimento do Porto de Santos, que bate sucessivos recordes, com cerca de 160 milhões de toneladas de carga por ano. Hoje, cerca de 50 milhões de toneladas chegam por rodovia. A previsão é que o porto alcance 240 milhões de toneladas até o fim desta década, dos quais 140 milhões terão de seguir por rodovias, provocando gargalo no acesso. O restante, principalmente os grãos, é transportado por ferrovias.
Para as carretas com contêineres, hoje o único caminho de descida até o porto é a Via Anchieta. Inaugurada em 1947, a estrada se transformou no maior corredor de exportação da América Latina. Sua irmã mais nova e que integra o mesmo sistema, a Imigrantes, não é segura para a descida de caminhões pesados devido a trechos de declive acentuado. Por isso, a descida é apenas para veículos leves. Na subida da Serra do Mar, veículos pesados e leves podem usar as duas rodovias, sob orientação da Ecovias.
O Sistema Anchieta-Imigrantes, que inclui ainda duas rodovias litorâneas (Padre Manoel da Nóbrega e Cônego Domênico Rangoni), atende, além do Porto de Santos, a demanda de turismo para a Baixada Santista e parte do litoral Norte, o Polo Petroquímico de Cubatão e as indústrias do ABCD paulista. No primeiro trimestre deste ano, o volume de tráfego de veículos leves cresceu 6,4% em relação a igual período de 2022. O de caminhões, 0,7%.
— O debate saiu do setor portuário para se transformar numa discussão de mobilidade, de transporte público intermunicipal. É uma discussão urgente porque o transporte de cargas, com excesso de caminhões, acaba tendo um impacto grande no transporte de passageiros — afirma Leopoldo Figueiredo, diretor do portal Brasil Export (BENews), especializado em logística, transportes e infraestrutura.
Os defensores do projeto afirmam que uma nova estrada pode ser construída no sistema Anchieta e Imigrantes, mas a solução seria mais do mesmo, já que também as vias de chegada às duas rodovias têm problemas de trânsito. Mesmo com o rodoanel pronto (falta apenas o trecho Norte), inúmeras carretas atravancam uma das principais vias Zona Sul da cidade de São Paulo, a Avenida dos Bandeirantes, caminho principal dos turistas da capital e do interior do estado em direção às praias.
Por isso, a ideia da nova rodovia não se limita ao trajeto, mas ao desenvolvimento que ela pode proporcionar a outras regiões da cidade de São Paulo e municípios do Alto Tietê.
O arquiteto Alcindo Dell’Agnese, especializado em projetos de logística e urbanismo, afirma que a nova rodovia vai gerar desenvolvimento na Zona Leste da capital, uma das mais carentes de emprego, e nos municípios do entorno.
A proposta é criar uma plataforma logística de 500 mil metros quadrados de área coberta em Suzano, à beira do Rodoanel Leste, num complexo que reunirá ainda hotel, centro de treinamento e rede de varejo. O espaço e os municípios vizinhos também passariam a atrair indústrias de transformação, pela facilidade de acesso ao Porto de Santos para importação e exportação de peças e componentes.
— A plataforma logística tem capacidade para gerar de 30 mil a 50 mil empregos na região — projeta o arquiteto.
Uma segunda plataforma logística seria instalada no bairro de Guarapá, ponto de chegada da nova rodovia em Santos. Um decreto de 2012, da Prefeitura de Santos, delimitou a abrangência de um parque tecnológico no município, que nunca saiu do papel. Em 2011, uma lei complementar incluiu nesta área o bairro de Guarapá, que fica na parte continental do município.
Uma curiosidade que poucos sabem é que o território de Santos não é só a faixa litorânea depois da Serra do Mar. Sua área continental é enorme: o município sobe a serra e faz limite com Santo André, no ABC paulista, e Mogi das Cruzes, na região do Alto Tietê, ambos vizinhos de Suzano. Ou seja, Santos poderá disputar projetos também nessa região.
Dell’Agnese explica que a nova rodovia paulista beneficia, além da economia paulista, as empresas instaladas no Sul de Minas, em cidades como Pouso Alegre, Itajubá, Extrema, onde já funciona uma grande plataforma logística, e Varginha, importante exportadora de café.
— É um projeto de Estado, não beneficia apenas São Paulo, mas parte de Minas Gerais e toda a área de abrangência do Porto de Santos, que chega ao Mato Grosso — afirma o arquiteto.
Hoje, para chegar ao Porto de Santos, as empresas do Sul de Minas usam a Rodovia Fernão Dias. Para atravessar a cidade de São Paulo, a demora é de cerca de duas horas até alcançar a Via Anchieta, atravancando o trânsito nas principais vias da Zona Leste, como as avenidas Luiz Inácio de Anhaia Mello e Salim Farah Maluf. Embora o Rodoanel Leste seja uma opção de trajeto, ele é pedagiado.
Segundo Dell’Agnese, as plataformas criam condições para que as operações portuárias se tornem mais eficientes e permitem ainda desenvolver o conceito porto-indústria, atraindo empresas para as áreas de conexão com o Porto de Santos.
São Paulo tem cerca de 22 mil km de estradas estaduais, a maior malha rodoviária deste tipo do país.