Obras contra alagamentos não evitam que chuvas continuem a matar e a destruir em São Paulo

Levantamento mostra que intervenções para conter enchentes feitas pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) diminuiram as inundações nas áreas centrais da capital paulista, mas não nas periferias

Em 2008, o pintor Rodolpho Tamanini Netto retratou uma cena que conhecia bem a partir da casa onde sempre viveu na Vila Madalena: “A Enchente” mostrava uma rua amarelada pela lama, personagens com guarda-chuvas, um caminhão e um ônibus com os pneus cobertos pela água. Na sexta-feira, um temporal incomum em São Paulo fez Tamanini morrer em uma cheia parecida com a que ele pintou — em uma demonstração do quanto as enchentes permanecem um problema na maior cidade do Brasil, mesmo com os investimentos em obras para evitá-las.

— Era um assunto que ele tinha na cabeça, que fazia parte da vida dele — lembra o amigo e curador Jacques Ardies, diretor da galeria de artes onde Rodolpho expunha as obras, explicando que o portão instalado na casa de Tamanini para conter enchentes foi derrubado por um carro levado pela correnteza, permitindo que a água entrasse e chegasse a dois metros de altura.

Além de Tamanini, outras duas pessoas morreram na região metropolitana por causa da chuva intensa que durou apenas meia hora. Uma criança de 7 anos foi arrastada quando brincava em uma galeria de águas pluviais em um parque municipal em Embu das Artes. O motociclista Bruno Anselmo Santana, de 27 anos, caiu com sua moto em um córrego após ser atingido por uma enxurrada. Com eles, as chuvas mataram 17 pessoas entre dezembro e janeiro.

Melhoria parcial

Um levantamento feito pelo GLOBO mostra que as obras contra as enchentes feitas na primeira gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), entre 2020 e 2024, apesar de terem diminuído as inundações nas áreas centrais da capital paulista, estão longe de resolvê-las nas periferias.

No ano passado, São Paulo registrou 451 alagamentos e inundações, segundo dados da plataforma Geosampa, da prefeitura. Em comparação com 2020, quando ocorreram 632 alagamentos, a maior redução foi na Zona Oeste, com 58% a menos. É onde estão bairros nobres como Pinheiros, Perdizes, Itaim e a Vila Madalena. Atualmente, a Zona Oeste tem apenas 7% dos registros de alagamento do município.

Ao mesmo tempo, o distrito que acumula mais pontos de alagamentos é o Jardim Helena, no extremo da Zona Leste, região que mais sofre com o problema — no ano passado, ela concentrou 54% das ocorrências da cidade. Nos últimos cinc

É no Jardim Helena que fica o Jardim Pantanal, área de São Paulo onde os alagamentos são mais frequentes. Maria das Graças de Souza, de 58 anos, presidente da Associação Clube de Mães do bairro, já morava em Jardim Pantanal na enchente de 1997, quando algumas casas ficaram tomadas pela água por quase 20 dias. Segundo ela, a comunidade enfrenta transtornos todos os anos.

— Quando chega janeiro, a gente já tem que levantar todos os móveis da casa. É muito triste perder as coisas todos os anos — lamenta.

A prefeitura afirma que investiu R$ 7,8 bilhões desde 2021 no combate a enchentes. Além de obras, subiu de 24 para 60 os caminhões de hidrojateamento que desobstruem bueiros.

Nas últimas décadas, a principal arma dos prefeitos para combater as enchentes foram os piscinões, áreas secas que recebem o excesso de águas das chuvas nos temporais. Atualmente, a cidade tem 54, dos quais cinco foram entregues na gestão de Nunes. Outros oito estão em construção.

— Há 30 anos, decidiu-se pensar em uma nova solução. Optaram pelos piscinões, um modelo que veio da França. Quando (Paulo) Maluf era prefeito, fez o primeiro, no bairro do Pacaembu. Depois que isso resolveu as inundações da avenida Pacaembu, decidiram fazer na cidade inteira — recorda Liliane Frosini Armelin, doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento pela USP e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressaltando que o recurso sozinho não soluciona o problema. — Eles ajudam. Mas deveriam vir outras medidas, como um melhor controle da urbanização, provendo espaços para escoamento da vazão de cheias — recomenda.

Para especialistas, a impermeabilização do solo e os eventos climáticos serão os maiores desafios da cidade nos próximos anos.

— A cidade enterrou e canalizou seus rios. Quando chove, o único caminho que sobra para a água é correr sobre concreto e asfalto — diz Ricardo Cardim, mestre em botânica pela USP.

— O Centro, por exemplo, está todo impermeabilizado — completa Ivan Whately, vice-presidente de Atividades Técnicas do Instituto de Engenharia.

Ilha urbana de calor

O climatologista Carlos Nobre, titular da Cátedra Clima e Sustentabilidade do Instituto de Estudos Avançados da USP, diz que o grau de urbanização da cidade, com pouca vegetação remanescente, potencializa os eventos extremos decorrentes de mudanças climáticas: