Há uma década, eu escrevia o relatório final da minha pesquisa de doutoramento. No capítulo de conclusões registrei uma previsão-desejo que tornou-se profeticamente errada. A reflexão era a seguinte:
“Esta pesquisa limitou-se aos objetivos cognitivos de aprendizagem. A tecnologia de informação já viabilizou tecnicamente a retirada da exposição de conteúdo de sala de aula. Com isso, ganhou-se a oportunidade de mudar as atividades em sala. Há vários caminhos possíveis, um deles é o avanço para os objetivos de aprendizado cognitivo de mais alto nível. Contudo, penso que esse tempo adicional será mais bem aproveitado se empregado no desenvolvimento dos objetivos de aprendizado do domínio afetivo propostos por Krathwohl, Bloom e Masia (1964). Nesta perspectiva, os jogos de empresas serão ainda mais indispensáveis como método educacional, e novos desafios se colocarão para a atividade docente.”
Os objetivos cognitivos, conhecidos através da taxonomia de Bloom, focam no desenvolvimento de habilidades intelectuais e na aquisição de conhecimento. Essa taxonomia é organizada em seis níveis de complexidade crescente: conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação. Já os objetivos afetivos, propostos por Krathwohl, Bloom e Masia (1964), visam o desenvolvimento de atitudes, valores e interesses. Eles são divididos em cinco níveis: recepção, resposta, valorização, organização e internalização. Embora os domínios cognitivo e afetivo estejam interligados, o foco da educação tem sido predominantemente nos objetivos cognitivos. O que parecia uma observação pertinente à época, hoje se mostra uma preocupação reveladora. O tempo liberado pela tecnologia foi rapidamente preenchido com mais conteúdo e, na melhor das hipóteses, um avanço tímido nos objetivos cognitivos de ordem superior. O desenvolvimento afetivo, como regra, segue negligenciado no ambiente formal de aprendizagem.
Enquanto isso, o ambiente digital, sem a mediação, passou a moldar o domínio afetivo – da sociedade como um todo – de maneiras alarmantes. Medo, ódio, ansiedade, narcisismo, intolerância e desinformação encontraram terreno fértil nesse vácuo educacional. Longe de promover o domínio afetivo, como a valorização de princípios éticos e a internalização de valores humanistas, o que se vê é um reforço de posturas e atitudes primitivas e tribais. As consequências dessa negligência são lamentáveis. A falta de empatia, a dificuldade em lidar com a diversidade, a ausência de pensamento crítico e a erosão de valores éticos contribuem para uma sociedade fragmentada e conflituosa.
O desenvolvimento afetivo não é uma opção, sem ele corremos o risco de formar indivíduos intelectualmente capazes, mas emocionalmente imaturos e eticamente despreparados para lidar com os desafios complexos da sociedade contemporânea. É um desafio que requer o engajamento de todos: famílias, educadores, instituições de ensino e a sociedade como um todo. Cada indivíduo também precisa assumir a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento afetivo, buscando o autoconhecimento e cultivando a organização de um sistema de valores coerente e a internalização de atitudes construtivas.
Para isso, é necessário ir além da mera exposição de conteúdo e avançar para metodologias que permitam vivenciar situações complexas, exercitar a tomada de decisão ética e refletir sobre as consequências das ações. É necessário criar espaços para o autoconhecimento. Os jogos de empresas, se bem utilizados, podem ser uma ferramenta valiosa nesse processo, mas reconheço que não são a panaceia. Eles são apenas um artefato que pode nos ajudar a ressuscitar o diálogo.
Referências:
Cain, J. (2021). The impact of social media use on adolescent mental health: A systematic review. Journal of Adolescent Health, 69(2), 177-188.
Dias, G. P. P. (2014). Estilo de aprendizagem Ativo-Reflexivo e jogo de empresas: (des) entrosamento para o aprendizado de planejamento e controle da produção [tese]. São Paulo, Escola Politécnica.
Krathwohl, D. R., Bloom, B. S., & Masia, B. B. (1964). Taxonomy of educational objectives: The classification of educational goals. Handbook II: Affective domain. New York: David McKay.
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* George Paulus Dias é engenheiro de produção pela Escola Politécnica da USP, mestre e doutor em Logística e Educação com Jogos. É empreendedor na área de TI e educação e acumula 20 anos de docência em instituições de ensino superior e treinamentos corporativos. É conselheiro do Instituto de Engenharia onde também coordena o GT Amazônia e Bioeconomia.