George Paulus Dias*
Um relatório recentemente publicado sobre o uso de Inteligência Artificial Generativa na educação, intitulado “Use Cases for Generative AI in Education”, documenta os resultados de um projeto inovador que investigou aplicações de Inteligência Artificial (IA) generativa no setor educacional do Reino Unido. Conduzido entre setembro de 2023 e março de 2024 por um consórcio de instituições, o estudo fornece evidências robustas sobre o potencial dessa tecnologia para otimizar processos pedagógicos e administrativos nas escolas.
Hackathon: evento colaborativo, geralmente de curta duração, que reúne programadores, designers, empreendedores e outros profissionais ligados à tecnologia para desenvolver soluções inovadoras em um ambiente intensivo de criação. O termo é a junção de “hack” (no sentido de programação exploratória ou resolução criativa de problemas) e “marathon” (maratona), indicando um esforço concentrado em um período contínuo, que pode variar de algumas horas a vários dias. |
O projeto adotou uma abordagem abrangente, combinando hackathons, desenvolvimento de provas de conceito (PoCs) e pesquisa extensiva com usuários. Um diferencial metodológico foi o engajamento da comunidade educacional na definição dos focos de investigação. Através de consultas pré-hackathons com mais de 700 professores, gestores e estudantes, foram levantados problemas e oportunidades que posteriormente embasaram a priorização de 12 casos de uso promissores.
Os critérios para essa curadoria incluíram a viabilidade técnica das soluções vislumbradas, seu potencial de impacto na redução da carga de trabalho docente e na melhoria dos resultados de aprendizagem, além de uma análise criteriosa de riscos e desafios de implementação. A tabela abaixo sintetiza os casos explorados, evidenciando a amplitude das aplicações consideradas e um resultado importante quanto aos pontos em que se avaliou que o potencial da IA é significativo:
Caso de Uso | Objetivo | Resultados |
Geração de planos de aula adequados à idade | Automatizar criação de planos de aula | Necessidade de melhorias e funcionalidades adicionais |
Geração de ideias eficazes de questionamento | Elaborar questionamentos para avaliar compreensão | Bom desempenho com técnicas específicas |
Geração de materiais de aula | Criar materiais e atividades personalizados | Sucesso para lição de casa diferenciada e adaptação de textos |
Redação de relatórios de fim de ano | Automatizar relatórios detalhados de desempenho | Necessidade de capturar melhor julgamento profissional |
Atribuição de notas a trabalhos | Aumentar eficiência e consistência das correções e críticas | Boa identificação de níveis, mas dificuldade com notas precisas |
Geração de avaliação formativa personalizado | Fornecer avaliação individualizada em escala | Críticas convincentes, mas imprecisas, talvez melhor para estruturar a avaliação feita por humano |
IA Generativa como auxiliar de ensino | Facilitar interação e instrução personalizada | Potencial para diálogos relevantes, questões sobre precisão e implicações |
Geração de rascunhos de políticas escolares | Agilizar criação e atualização de políticas | Útil para comparar e personalizar políticas, dependente da qualidade dos exemplos |
Análise/síntese de dados de alunos | Gerar ideias para intervenções personalizadas | Não adequada para análise direta, promissora para gerar código de análise |
Assistente de aprendizagem de idiomas | Fornecer exercícios, correções e prática ilimitada | Bom para conversação, exercícios e identificação de erros, mas imprecisões afetam confiança |
Geração de comunicados a pais | Gerar comunicados consistentes rapidamente | Rascunhos altamente utilizáveis com prompts mínimos, alto potencial |
Suporte a alunos com necessidades especiais | Sugerir abordagens e adaptações apropriadas | Apenas orientações genéricas atualmente, mais pesquisas necessárias com cautela |
Nos hackathons realizados em outubro de 2023, equipes multidisciplinares se debruçaram sobre esses casos, buscando refinar prompts, arquiteturas e conjuntos de dados para extrair o máximo das capacidades dos modelos de IA generativa. Embora nenhuma das soluções tenha sido considerada imediatamente implementável, os avanços foram significativos e apontaram caminhos promissores para desenvolvimentos futuros.
Mas talvez ainda mais relevantes tenham sido as percepções colhidas na extensiva pesquisa com usuários. Ficou evidente que educadores vislumbram enormes benefícios no suporte da IA generativa, especialmente nos ganhos de eficiência e consistência. Ao mesmo tempo, expressaram preocupações legítimas com questões como confiabilidade, transparência, segurança e privacidade dos dados. Sinalizaram que a adoção responsável dessas ferramentas exigirá diretrizes claras, formação consistente e uma nova mentalidade sobre o papel da tecnologia nos processos de ensino e aprendizagem.
Isso nos leva a reflexões importantes sobre o que esses achados representam para o futuro da educação, tanto no Reino Unido quanto em outros países como o Brasil. O relatório sugere que estamos nos primeiros estágios de uma revolução, em que a IA generativa se tornará uma ferramenta central na caixa de ferramentas pedagógica. Podemos vislumbrar uma “Nova Escola” em que professores são liberados de tarefas mecânicas de transmissão de conteúdo e avaliação, para se concentrarem na curadoria de experiências de aprendizagem significativas. Um ecossistema em que algoritmos permitem a personalização em escala, e a análise de dados em tempo real capacita intervenções humanas cirúrgicas.
Ao mesmo tempo, o estudo não é ingênuo sobre os desafios dessa transformação. Reconhece que a IA generativa não é uma panaceia universal, e que sua aplicabilidade dependerá muito do contexto, do perfil dos estudantes, das disciplinas e objetivos de aprendizagem. Que barreiras técnicas, legais e éticas precisarão ser endereçadas, da adaptação de sistemas legados à definição de padrões rigorosos de governança de dados. E que, acima de tudo, será necessário um enorme investimento no desenvolvimento dos educadores, para que tenham a fluência digital necessária para orquestrar ecossistemas de aprendizagem cada vez mais complexos.
No contexto brasileiro, com nossas profundas desigualdades educacionais e limitações de infraestrutura, esses desafios se tornam ainda mais prementes. Por outro lado, nossa escala, diversidade e criatividade nos posicionam para sermos também pioneiros nessa jornada. O chamado à ação que emerge do relatório é claro: precisamos acelerar nossos próprios experimentos e aprendizados com IA generativa na educação, construindo sobre as evidências geradas no Reino Unido, mas de forma profundamente enraizada em nossas realidades e aspirações.
Isso exigirá coragem e colaboração de todas as partes interessadas do sistema educacional brasileiro. Governos precisarão estabelecer as diretrizes e investimentos necessários. Instituições educacionais terão que se reinventar, desenvolvendo novos currículos, práticas pedagógicas e modelos operacionais. Empresas de tecnologia precisarão trabalhar em estreita parceria com educadores para desenvolver soluções alinhadas aos desafios da ponta. E entidades do terceiro setor devem assumir um papel crucial de articulação e capacitação.
Se formos bem-sucedidos nessa empreitada, as recompensas podem ser enormes. Com a IA generativa, temos a oportunidade de escalar abordagens educacionais inovadoras, personalizando a aprendizagem, otimizando recursos e abrindo novos horizontes de equidade e qualidade. De formar cidadãos não apenas consumidores, mas arquitetos de um mundo cada vez mais moldado pela IA. O relatório “Use Cases for Generative AI in Education” nos fornece um mapa valioso para navegar esse território ainda largamente inexplorado. Cabe a nós, como sociedade, decidir se teremos a ousadia e a sabedoria para segui-lo, adaptá-lo e expandi-lo. Os primeiros passos foram dados – agora é hora de acelerar a caminhada.
Resumo dos Casos de Uso de IA Generativa na Educação
1. Geração de planos de aula adequados à idade
Dor: Professores gastam tempo significativo criando planos de aula detalhados e adequados à faixa etária.
Potencial da IA: Automatizar a geração de planos de aula personalizados, poupando tempo dos educadores.
2. Geração de ideias eficazes de questionamento
Dor: Elaborar perguntas eficazes para verificar a compreensão dos alunos é um desafio, especialmente para professores menos experientes.
Potencial da IA: Gerar questionamentos direcionados e variados, auxiliando na avaliação contínua do aprendizado.
3. Geração de materiais de aula
Dor: Criar atividades e recursos didáticos diversos e adaptados às necessidades de cada turma é trabalhoso, caro e quase sempre inviável na prática.
Potencial da IA: Produzir materiais personalizados em escala, otimizando o tempo de preparação das aulas.
4. Redação de relatórios de fim de ano
Dor: Relatórios individualizados consomem muito tempo e nem sempre fornecem ideias que levem a ação.
Potencial da IA: Automatizar a geração de relatórios detalhados, incorporando análises preditivas e recomendações personalizadas.
5. Atribuição de notas a trabalhos
Dor: Corrigir e dar notas a um grande volume de tarefas é trabalhoso, cansativo e com alto rico de inconsistências.
Potencial da IA: Auxiliar na correção e avaliação inicial, garantindo maior agilidade e padronização.
6. Geração de avaliação formativa personalizada
Dor: Fornecer avaliação individualizada e constante para cada aluno é praticamente inviável no modelo educacional atual.
Potencial da IA: Gerar críticas construtivas adaptadas às necessidades de cada estudante em tempo real, facilitando intervenções personalizadas.
7. IA Generativa como ‘auxiliar de ensino’
Dor: Manter todos os alunos engajados e atendidos em suas dúvidas é um desafio constante e demanda uma capacidade rara de conexão dos docentes.
Potencial da IA: Servir como um assistente virtual, fornecendo suporte individualizado e criando experiências interativas de aprendizado.
8. Geração de rascunhos de políticas escolares
Dor: Desenvolver e atualizar políticas escolares é uma tarefa complexa e demorada para gestores.
Potencial da IA: Gerar rascunhos base de políticas, agregando boas práticas e adaptando para o contexto de cada escola.
9. Análise/síntese de dados de alunos
Dor: Extrair ideias a partir do grande volume de dados gerados é difícil e consome muito tempo.
Potencial da IA: Identificar padrões, prever riscos e recomendar intervenções personalizadas a partir da análise contínua dos dados.
10. Assistente de aprendizagem de idiomas
Dor: Praticar conversação e ter retorno em tempo real é limitado pela disponibilidade dos professores.
Potencial da IA: Servir como um parceiro de conversação e prática, fornecendo avaliação e adaptando-se ao nível de cada aprendiz.
11. Geração de comunicados a pais e responsáveis
Dor: Produzir comunicados claros, consistentes e envolventes consome tempo valioso da equipe escolar.
Potencial da IA: Gerar comunicados rapidamente a partir de modelos pré-definidos, garantindo clareza e padronização.
12. Suporte a alunos com necessidades especiais
Dor: Desenvolver materiais e estratégias adaptados para estudantes com necessidades especiais exige tempo e conhecimentos muitas vezes inexistente.
Potencial da IA: Sugerir adaptações curriculares e de recursos com base nas especificidades de cada aluno, democratizando o acesso a intervenções personalizadas.
Reino Unido. Department for Education. Use cases for generative AI in education: user research report. Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/media/66cdb078f04c14b05511b322/Use_cases_for_generative_AI_in_education_user_research_report.pdf. Acesso em: 16 set. 2024.
* George Paulus Dias é engenheiro de produção pela Escola Politécnica da USP, mestre e doutor em Logística e Educação com Jogos. É empreendedor na área de TI e educação e acumula 20 anos de docência em instituições de ensino superior e treinamentos corporativos. É conselheiro do Instituto de Engenharia onde também coordena o GT Amazônia e Bioeconomia.