Início Articulistas Por Ivan Metran Whately – BIM – Preferencialmente assimilado no Brasil

Por Ivan Metran Whately – BIM – Preferencialmente assimilado no Brasil

As ações para estimular a disseminação da metodologia Building Information Modellin – BIM atingiram, em nosso País, diferentes níveis de assimilação entre os setores público e privado. Os esforços dos revendedores de software, entidades de ensino, associações profissionais e técnicos especialistas conquistaram diversos segmentos de interessados na livre opção pela adoção do produto divulgado. O conjunto das iniciativas ainda não conseguiu um nivelamento do conhecimento e deixou a impressão de uma maior aceitação das informações pelas empresas privadas de engenharia e arquitetura do que pelos setores de governo.

Além das iniciativas mencionadas de divulgação do BIM pela sociedade civil, o Poder Público também demonstrou preocupação em divulgar o assunto e, ainda, encaminhou instrumentos legais pertinentes para introduzir a inovação. No âmbito do executivo, surgiram decretos para a adoção do BIM. No Governo Temer, foi publicado o Decreto nº 9.377/2018 que dispõe sobre instituição da Estratégia Nacional de Disseminação do BIM. Posteriormente, no Governo Bolsonaro, por meio do Decreto nº 9.983/2019, foi lançada a estratégia de disseminação do BIM por ocasião da reforma ministerial. Mais recentemente, no Governo Lula da Silva, foram lançados por meio do Decreto nº 11.888/2024 a instituição da Estratégia Nacional de Disseminação do BIM e o Comitê Gestor da Estratégia do BIM.

No âmbito do legislativo, ocorreu uma iniciativa muito importante que abordou, dentre outras medidas, a adoção do BIM. Foi aprovada e promulgada a nova lei das Licitações, ou a Lei nº 14.133/2021. Este dispositivo legal, no seu § 3º, inciso V do Art. 19, dispõe que: Nas licitações de obras e serviços de engenharia e arquitetura, sempre que adequada ao objeto da licitação, será preferencialmente adotada a Modelagem da Informação da Construção (Building Information Modelling – BIM) ou tecnologias e processos integrados similares ou mais avançados que venham a substitui-la. O objetivo desta inserção do BIM, na nova Lei das Licitações, foi promover a adoção gradativa de tecnologias e processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia.

Entretanto, este parágrafo da Lei federal não foi categórico ao incluir a palavra “preferencialmente” na adoção do BIM. Mesmo sem impor o uso, ela representa um progresso, pois admite a opção de uso do BIM nas licitações em nosso país. Outra legislação que dispõe sobre licitações, a Lei Federal nº 13.303/16 que estabelece as normas de licitação, para as Empresas Estatais, não abarcou o tema BIM. Estas duas legislações servem para instituir, no Brasil, as normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A produção de outras normas está em andamento, como uma cartilha do Tribunal de Contas da União, que regula BIM, IA e ESG nos projetos e obras do serviço público. Também, está em andamento, por meio de uma Frente Parlamentar, um Projeto de Lei, visando a transformação digital.

Muitas iniciativas foram lançadas e, ainda, estão em andamento, mas até agora não há uma legislação que de maneira assertiva oriente os órgãos públicos na assimilação. Elas estão restritas ao “preferencialmente” na aplicação do BIM.

Paradoxalmente, a iniciativa privada não precisou de todos estes dispositivos legais para desenvolver suas atividades, a menos que seja na prestação de serviços de engenharia ou arquitetura aos órgãos públicos. Mesmo assim, sem nenhuma necessidade de obediência. A adoção do BIM pelas empresas privadas não decorre da imposição de qualquer legislação, mas das conveniências oferecidas por esta tecnologia digital. Os empresários perceberam que apesar do projeto ficar mais caro, em torno de 20%, as demais etapas do empreendimento resultaram em economia, eliminação das interferências, precisão do orçamento, planejamento da obra, redução do tempo de execução, as built, acompanhamento da operação e manutenção do empreendimento. Descobriram inúmeros méritos que se iniciam no levantamento de necessidades da obra e acompanham todos os ciclos de vida do empreendimento.

Em termos históricos, observa-se que na introdução do CAD, também houve algumas resistências tanto no setor privado quanto público. Mas, os óbices foram rapidamente superados e absorvidos, mesmo naquelas situações que impuseram reciclagens de profissionais e de equipamento de escritório. A introdução das tecnologias digitais da época nas atividades dos dois setores da economia foi traumática, mas não expôs desequilíbrio de assimilação entre eles na implementação da inovação.

Há cerca de 30 anos, lembro-me bem do momento da transição em que foram substituídas as pranchetas pelos computadores nos escritórios de engenharia e arquitetura. A transformação digital ocorreu bem rápido e em níveis equilibrados nas áreas pública e privada. Algumas profissões sofreram transformações e algumas até foram extintas, como por exemplo: projetistas, desenhistas e copistas. Houve trauma, mas a transição digital foi absorvida. Não houve necessidade ou imposição de novas leis, decretos ou regulamentações para a transição. Mesmo a Lei nº 8.666/1993 que surgiu nesta época e estabelecia as normas das licitações não precisou ser atualizada, tampouco os conceitos de Estudo Preliminar, Projeto Básico e Executivo foram redefinidos.

Mais recentemente, há cerca de 10 anos, presenciei uma nova transição técnica em visita a uma obra da Linha 05 – Lilás, da Cia. do Metrô-SP. Lembro-me de ter deparado, com grande admiração, que a construtora contratada para a execução da vala de uma estação usava o BIM no planejamento das obras. Fui informado que não se tratava de exigência contratual, era uma estratégia adotada pela construtora, visando a organização do canteiro e melhor eficiência na execução da obra. Na ocasião, eu tinha pouquíssimas informações sobre BIM, mas reconheci o desenho do modelo 3D da vala, exposto numa sala do canteiro de obra. E o mais notável, as vantagens de utilização do processo, em que os engenheiros fiscais desta construtora privada acompanhavam os serviços com tablets, na aplicação de planejamento 4D, em que colaboravam atividades simultâneas de programação da execução. O cronograma estava inserido no processo, amarrado à localização e programação das máquinas de escavação e carregamento de material do solo, movimentação e carregamento dos caminhões que levavam o material para destinação final, com todos os horários e demais serviços complementares do canteiro de obras. Ficou muito marcada, em minha lembrança, esta desenvoltura do empreiteiro que buscou no BIM uma maneira de organizar a prestação dos serviços com economia, segurança e rapidez na execução de uma obra de grande vulto.

Outra constatação marcante, foi há menos tempo, em torno de 6 anos no Instituto de Engenharia, quando eram realizados treinamentos e palestras abordando o tema orçamento de obra, por meio do BIM. Eram engenheiros, arquitetos e estudantes que buscavam o conhecimento para ser aplicado em projetos, em que os quantitativos e custos de empreendimentos, principalmente imobiliários, eram levantados rapidamente e com precisão de centavos. Houve, também na mesma época, demanda por treinamento de BIM em infraestruturas e, até, foi instalada uma “sala BIM” com hard e software. Outros exemplos eram divulgados e podem ser lembrados, como treinamento de processos colaborativos na detecção de interferências entre diferentes modalidades de projeto. Tudo isso foi objeto de interesse, bem como de exposição de alternativas de software existentes no mercado que contribuíram para explicar a motivação e atração do setor privado na adoção do processo BIM.

Do exposto, o comentário que me vem de plano é que a iniciativa privada encontrou as vantagens na prática. Adotou o BIM e obteve resultados satisfatórios, principalmente as imobiliárias. Evidentemente, muitos órgãos públicos não encontraram a mesma motivação comercial e não se sentem compelidos a adotar “preferencialmente” a tecnologia preconizada como opção nas leis e decretos publicados e se engajar neste processo.

Independentemente de qualquer imposição legal, algumas entidades da administração direta, autárquica e empresas públicas buscaram introduzir o BIM no âmbito das suas corporações. Para isso, passaram por treinamentos internos visando a disseminação do conhecimento e nivelamento dos técnicos que atuam em todos os níveis da administração. Para a maioria, não houve grandes transformações nas rotinas e a prática não se aprofundou no ceio destas entidades. Salvo raras exceções, como na da Secretaria Municipal da Habitação do município de São Paulo – SEHAB, este órgão público utiliza BIM desde 2020 em projetos de conjuntos habitacionais e operação urbana. Aplica desde a fase de projeto até a de manutenção e está bem integrada à inovação. Sem imposição de qualquer lei, aplica o BIM com sucesso.

São profundas as inovações introduzidas pelo BIM na engenharia, arquitetura e execução de obras, sendo bastante inquietantes as transformações ocorridas nos últimos 10 anos que representam um verdadeiro divisor de águas no meio técnico. Todos precisam assimilar as novas tecnologias digitais. O Governo dá sinais de que percebeu a necessidade de engajamento na transformação e as suas ações buscam a otimização dos esforços e iniciativas, unindo as lideranças para que suas ações sejam democráticas, isonômicas e possuam a necessária representatividade de todos os interessados. Persistem as ações de articulação entre as entidades, produção de conteúdo, programas de capacitação e educação, entre outras ações. O cenário técnico mostra esforços na disseminação da metodologia e na disseminação do BIM.

Embora, ainda, existam engenheiros e arquitetos que desconhecem totalmente o BIM, constata-se uma inserção exitosa de um significativo número de interessados do setor privado, motivados tão-somente pelas conveniências deste processo que não são vistas com a mesma ótica pelo setor público. Os esforços na disseminação da metodologia precisam continuar, mas possivelmente o crescimento das adesões, por parte das entidades de governo, ainda necessite de uma legislação assertiva ou impositiva.

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Ivan M. Whately

Engenheiro Civil e arquiteto, com especialização em Planejamento de Transporte. Atualmente, é vice-presidente de Atividades Técnicas do Instituto de Engenharia.

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

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