Por José Eduardo Cavalcanti – As cheias em Porto Alegre em Maio de 2024

Este texto está sendo escrito com Rio Grande do Sul ainda padecendo dos efeitos das grandes chuvas que estão assolando a maior parte do estado e sua Capital, particularmente nas áreas banhadas pelos rios Gravataí, Caí, Jacuí, Sinos, todos afluentes do rio Guaíba, rio Taquari-Antas e pelo entorno da Lagoa dos Patos para onde afluem as águas do Guaíba.

Segundo o mais recente levantamento do governo do estado, este evento extremo atingiu 262 municípios causando169 mortes com 626 mil pessoas desalojadas de suas casas. Atingiu também 283 mil casas, 273 escolas, 100 unidades básicas de saúde e danificou 116 mil empresas. A Secretaria da Saúde confirmou uma morte por leptospirose e identificou 1900 casos suspeitos.

De acordo com dados meteorológicos, entre 24 de abril e 4 de maio a precipitação alcançou 420 mm, sendo que a média no período é de 180 mm,

Para se ter uma ideia da intensidade pluviométrica, na grande cheia de 1941 o rio Guaíba atingiu a cota de 4.8 metros, enquanto que no atual momento o Guaíba chegou a registrar 5.37 metros em 7 de maio.

Esta situação provocou grandes alagamentos nas áreas baixas destes municípios ocasionando estragos e destruição nos municípios da Região Metropolitana, Guaíba, Eldorado, Porto Alegre, Esteio, Sapucaia, e Novo Hamburgo.

Com relação a Porto Alegre, como se sabe a cidade tem o melhor sistema de proteção contra cheias no Brasil, composto por diques, elevatórias e o Muro da Mauá, construído pelo DNOS com consultoria alemã ao longo das décadas de 60 a 80, por conta da grande cheia ocorrida coincidentemente entre abril e maio de 1941.

O Muro da Mauá, implantado entre1971 e 1974, em concreto armado com 6 metros de altura, sendo três metros abaixo do solo e outros três acima, com 2647 metros de extensão (cerca de 4% de toda extensão dos diques da Capital) é responsável por proteger a área central e zona norte. (A altura do muro foi estabelecida em 6 metros em função da cota máxima de inundação, adotando-se um período de recorrência de 300 anos, tendo em vista a ausência de dados hidrológicos mais precisos).

Além do muro da Mauá, a barreira de contenção, cuja implantação se iniciou ao final da década de 60, agrega também 68 quilômetros de diques externos e internos circundando a cidade, 14 comportas de superfície no muro e diques, além de comportas por gravidade instaladas nas 23 casas de bombas com capacidade média de 10 m3/s, cada. Esta barreira inicia-se na zona Norte, no entroncamento da freeway com a avenida Assis Brasil e continua até a altura da Ponte do Guaíba, na BR 290.

As comportas por gravidade se fecham automaticamente com a pressão das águas quando o rio sobe acima da cota 3 (cota de transbordamento no cais Mauá) acionando o sistema de bombeamento permitindo o escoamento pela elevação das águas represadas pelos diques e pelo muro.

Diante disso, os efeitos destas chuvas em Porto Alegre poderiam ter sido significativamente minimizados se não tivesse havido o colapso do sistema por pura falta de manutenção.

De acordo com o Eng.º Carlos Atilio Todeschini, ex-diretor do Dmae – Departamento Municipal de Água e Esgotos, autarquia responsável também pela operação e manutenção do sistema, o colapso se deu em virtude dos serviços básicos de manutenção não terem sido realizados, falha que redundou na deterioração das comportas de superfície que apresentam estruturas corroídas, emperradas, sem vedação, abauladas e sem mobilidade prejudicando seu funcionamento que por esta razão não resistiram à força das águas. Para se ter uma ideia, no auge da inundação apenas 4 das 23 casas de bombas estavam funcionando!

Mesmo assim, ainda segundo o Eng.º Todeschini, a estrutura de controle de cheias teria se mostrado efetivo, caso estivesse plenamente operacional, visto que o sistema não transbordou pois ainda havia 63 cm de folga quando o nível do Guaíba atingiu seu máximo de 5.37 m.

Mudanças climáticas também são responsáveis pelo aumento das frequências da ocorrência de eventos extremos como o caso presente no Rio Grande do Sul o que justificaria uma revisão o sistema de proteção contra as cheias de Porto Alegre que até muito recentemente era menosprezado pelas autoridades gaúchas que simplesmente propugnavam pela demolição do muro da Mauá que no entender deles era feio e impedia o desenvolvimento e a modernização da orla portuária da cidade e do Centro Histórico!

Fontes: Eng.º Carlos Atílio Todeschini e Eng.º Carlos Alberto Tavares Ferreira

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José Eduardo Cavalcanti é engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia. E-mail: [email protected]

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo