Um dos mais importantes problemas pela sua feição endemo-epidêmica e social na década de 30 do século passado que afetava as populações do interior era a ação devastadora que exerciam as três principais endemias: as verminoses, o impaludismo (malária) e o trachoma.
As verminoses aniquilavam o homem rural diminuindo sua capacidade produtiva preparando campo para irrupção de outras doenças; o impaludismo instalava-se como endemia transformando suas vítimas em verdadeiros “zumbis”; o trachoma levava quase sempre a defeitos permanentes de visão chegando a causar cegueira.
Em São Paulo, excluindo o Vale do Paraíba, a malária existia em toda parte ao longo dos grandes rios e seus afluentes, além de extensas faixas do litoral e muitas das que se expandiam para o planalto invadindo a zona urbana de muitos municípios.
Um inquérito feito à época sobre a extensão deste mal identificou a existência de malária em 97 municípios, dos quais 43 nas próprias zonas urbanas. A barragem das dunas na orla do litoral e os represamentos irregulares dos rios, bem como o afloramento das águas do sub solo causavam a multiplicação dos mosquitos transmissores da febre.
O único medicamento defensivo e curativo disponível era a quinina responsável pela diminuição da mortalidade pela malária. Embora o consumo deste remédio tivesse crescido desde 1903 chegando a 30.000kg em 1933 sua distribuição era irregular agravada pela paralização da fabricação do cloridato de quinina entre nós, após a grande guerra obrigando o governo a importar a matéria prima.
Outra doença que grassava no interior do estado era o amarelão, que embora não fosse tão dramática como a malária, era insidioso, pertinaz e depauperante nas palavras de Armado Salles de Oliveira, presidente do estado à época. Entretanto, o índice de infestação de mais de 90% em algumas cidades atacando desde crianças até pessoas em idade avançada.
Além destas endemias, destacavam-se as doenças infecto contagiosas agudas, dentre as quais a febre tifoide e as disenterias dada a ausência de recursos higiênicos malgrado a abundância de sol e ar puro, predicados característicos da área rural. O mesmo se podia dizer das disenterias bacilar e amebiana tão comuns no interior.
Em 1933, os estudos estatísticos sobre a mortalidade causada pela febre tifoide nos 250 municípios do interior paulista registraram 525 óbitos, cerca de 10% dos casos realmente verificados.
Outras doenças, como varíola, meningite cérebro-espinal epidêmica, peste bubônica e outras doenças transmissíveis não adquiriam grande importância por não serem muito complexas e graças às medidas específicas aplicadas contra elas pelo governo do estado.
Por outro lado, a construção e a ampliação dos leprosários, a criação de dispensários e a criação do Instituto de Leprologia por parte do governo contribuíram para o combate à terrível lepra.
Em 1924 foram recenseados no estado 8000 leprosos. Faleceram daquele ano até 1934, 2.300 doentes. Estavam internados naquele ano 3.600 e outros 400 achavam-se em tratamento nos ambulatórios. Com a entrega em 1934 dos 1000 leitos que estavam em construção praticamente se resolveu o problema da lepra no estado.
Por fim, São Paulo perdeu durante o ano de 1933, em seus 250 municípios, cerca de 2.200 vidas ceifadas pela peste branca correspondente aproximadamente à existência de 17.000 doentes de tuberculose. Perderam-se também nestes mesmos municípios 28.000 crianças de menos de 1 ano sobre cerca de150.000 nascimentos, das quais perto de 11.000 nascidas mortas.
Num exame das verbas destinadas aos serviços de higiene pública, fica-se surpreendido por sua insignificância dentro do orçamento do estado. Em 1934, estavam destinados apenas 3.6% dos recursos, sendo que 2.9% para a Capital, com uma população de 1.000.000 habitantes (92.8% do total destinado aos serviços sanitários), e 0.7% deste valor para o interior, com uma população de 6.000.000 habitantes (7.1%). Este número destoa dos países civilizados que destinavam cerca de 10% do orçamento total.
Para minorar o problema, o governo de Armando Salles de Oliveira prometeu em 1934 efetuar algumas modificações de ordem técnico-administrativa que se resumiram a:
- Criação de um organismo dotado de capacidade suficiente para centralizar a administração dos serviços do interior;
- Divisão do estado em distritos sanitários, instalando uma unidade sanitária em cada município com população superior a 20.000 habitantes;
- Subordinação direta dos distritos sanitários à inspetoria geral do interior;
- Instituição da carreira sanitária para o pessoal que serve no interior.
Este era em resumo o quadro sanitário do interior do estado de São Paulo na década de 30.
(*) Texto extraído do discurso de Armando Salles de Oliveira, proferido em Espírito Santo do Pinhal, em 30 de setembro de 1934.
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José Eduardo Cavalcanti é engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia. E-mail: [email protected]
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
Cometários:
Estava carregada com as leituras do grupo e somente ontem li seu artigo. Muito bom. Me lembrei das difíceis condições de saúde relatadas por minha mãe quando era criança e jovem no interior de São Paulo no início do século XX, trabalhando nas lavouras de café. Minha mãe e seus irmãos adquiriram tracoma, doença muito comum na época, é que deixava sequelas na visão. Com relação aos leprosarios, foi uma forma de afasta-lis da sociedade, doença estigmatizante e que até hoje é mal compreendida. O Brasil é o segundo maior país do mundo em número de hansenianos e que apesar de ter vira ainda é estigmatizada. Visitei o Instituto Lauro de Souza Lima em Bauru. Um complexo enorme que abrigou ( e ainda abriga os remanescentes hansenianos sem família) e que hoje é referência no tratamento de pacientes dermatológicos. É impressionante a estrutura que foi montada, com teatro, residências, ambulatórios, etc. Felizmente os leprosarios foram desativados, mas ainda restam aqueles que não tem familiares, cabendo ao Estrago zelar por eles. Gostaria muito de colocar seu artigo no livro de Crônicas, pois mostra as novas gerações como eram as coisas naqueles tempos. Você autorizaria? Denise Formaggia