Por George Paulus Dias – Por que a inteligência artificial é uma boa notícia para educação: desafiando os pessimistas

(*) George Paulus Dias

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No segundo semestre de 2022, os sistemas educacionais ainda se esforçavam para se adaptar às mudanças impostas pela pandemia, mais uma bomba caiu bem no meio desse setor da economia com o lançamento do ChatGPT turbinado pela nova versão do modelo GPT de Inteligência Artificial da empresa OpenAI. Dessa vez contudo as mudanças serão maiores, mais profundas, permanentes e para o desgosto dos pessimistas, elas trarão benefícios significativos. Sim, é verdade que há uma crescente preocupação de que os alunos recorram a ferramentas de IA, para trapacear em tarefas, potencialmente levando a uma desestabilização de todo o sistema educacional. Embora essas preocupações não sejam infundadas, o outro lado da moeda apresenta uma narrativa igualmente convincente – uma que apoia a ideia de que, com as salvaguardas corretas em vigor, a IA pode – e provavelmente vai – melhorar significativamente a experiência educacional.

Os modelos generativos, como o ChatGPT da OpenAI, são uma forma de IA que aprende padrões em dados e pode gerar novas informações com base nesses padrões aprendidos. Por exemplo, após aprender sobre o texto humano, eles podem criar novos textos que se assemelham ao estilo e conteúdo que foram ensinados.” Mas eles são mais do que apenas ferramentas para a criação de conteúdo, eles são catalisadores que têm o potencial de remodelar a maneira como abordamos o aprendizado e o ensino. Eles podem democratizar a educação, romper barreiras e equipar os alunos com as habilidades necessárias para navegar em no mundo que emerge da digitalização.

O objetivo aqui é chamar atenção para o enorme potencial que essa tecnologia tem de melhorar o a formação. E com destaque para o fato de que ela pode fazer isso em larga escala, com baixo custo e diminuindo a desigualdade no acesso à educação de qualidade.

A lista de benefícios que a inteligência artificial pode trazer é interminável. Na personalização do aprendizado, por exemplo, elas podem proporcionar uma educação personalizada para cada estudante, levando em conta suas forças, fraquezas, interesses e ritmo individual de aprendizado. Ela pode ajustar explicações e materiais de aprendizagem para atender às necessidades de cada pessoa. Há evidências empíricas que respaldam a eficácia da abordagem individualizada. Por exemplo, o estudo realizado por Benjamin Bloom demonstrou que a tutoria personalizada poderia resultar em uma melhora substancial no desempenho acadêmico de um aluno (BLOOM, 1984). O potencial de tal abordagem é monumental, e se for bem-sucedido em cobrir todos os alunos de uma maneira economicamente viável, pode revolucionar a educação.

Em termos de disponibilidade as interações no aprendizado não precisam mais se limitarem ao horário escolar ou à disponibilidade do professor. Os estudantes podem interagir com o modelo a qualquer hora do dia, obtendo feedback instantâneo e respostas para suas perguntas, numa espécie de ensino just‑in‑time em que o tutor está lá sempre que o estudante precisa.

Paciência Infinita, a IA nunca se cansa ou fica frustrada, elas podem explicar um conceito quantas vezes forem necessárias, mudando as formas, trazendo exemplos específicos da realidade do estudante, até que ele entenda. Isso pode ser especialmente benéfico para estudantes que hesitam em fazer muitas perguntas em sala.

O potencial de escala e acesso à baixo custo dos sistemas de IA é onde reside um dos maiores potenciais pra quem se preocupa em criar mais igualdades de oportunidades na educação. Em regiões onde o acesso a professores de qualidade ou recursos educacionais é limitado, os sistemas de IA podem fornecer apoio educacional valioso. Isso pode revolucionar a educação em áreas desfavorecidas ou remotas.

O centro da revolução: significado e motivação

Neste aspecto está a grande oportunidade para essa transformação. A motivação intrínseca é central para a educação. Ela é o motor que impulsiona o aprendizado autêntico e duradouro, nascido do prazer e da curiosidade do próprio estudante. Contudo, na prática, inúmeros obstáculos comprometem essa força motivacional, transformando o aprendizado em um fardo ao invés de uma jornada de descobertas prazerosas. Nesse contexto, a inteligência artificial pode ser usada para transformar a experiência de ensino-aprendizagem, proporcionando uma abordagem personalizada, contextualizada e envolvente. Ao fazer isso, ela tem o potencial de nutrir um ambiente propício à motivação intrínseca, fortalecendo a conexão do estudante com o conhecimento. Simultaneamente, pode servir como um mecanismo protetor, evitando que o entusiasmo e interesse genuíno pelo aprendizado se apague ao longo do percurso educacional.

A IA pode ajudar os professores a criarem uma ponte entre o que os alunos estão aprendendo e seus interesses pessoais e aspirações. Ao compreender a relevância do que estão aprendendo no contexto de seus interesses e objetivos pessoais, os alunos têm mais probabilidade de estar envolvidos e motivados, menos pela nota e mais pelo que realmente importa, o seu desenvolvimento e aprendizado. Este aspecto do aprendizado personalizado é frequentemente negligenciado nos sistemas de educação tradicionais, mas a IA tem o potencial de torná-lo uma prática padrão.

Professores
Os benefícios potenciais dos sistemas generativos para os professores são igualmente promissores. Eles poderiam servir como assistentes de ensino, melhorando as capacidades dos professores em vez de substituí-los. Por exemplo, os sistemas poderiam fornecer um painel em tempo real para os professores, mostrando as interações que seus alunos tiveram com a IA e destacando áreas em que os alunos estão tendo mais dificuldade e fazendo mais perguntas. Isso poderia permitir que os professores abordassem questões específicas de forma mais eficaz, adaptando sua instrução para atender às necessidades de seus alunos. O papel do professor será mais importante do que nunca, atuando como guia, mentor e exemplo. Quando combinados com um tutor de IA, os professores poderão aproveitar melhor o seu tempo para ajudar cada aluno a atingir o seu potencial.

Regulação

Um aspecto-chave da integração da IA nas salas de aula é estabelecer políticas claras sobre seu uso. É importante que os alunos entendam a IA como uma ferramenta, não como um atalho. Tecnologias de IA como o ChatGPT podem de fato gerar conteúdo, mas é o entendimento, o refinamento de comandos e o engajamento interativo com a ferramenta que realmente o levarão ao aprendizado. Ao incluir uma política de uso da IA no programa das disciplinas, os educadores devem definir expectativas claras, promover o uso responsável e incentivar os alunos a aproveitar a IA como um parceiro em sua jornada de aprendizado.

É importante notar que, embora as IA ofereçam benefícios potenciais significativos, também existem desafios, riscos imediatos e de longo prazo que as aplicações de inteligência artificial gerativa representam para os sistemas educacionais (DIAS).

Do ponto de vista regulatório, é importante destacar que nesse momento governos em todo o mundo buscam colaborar na formulação de políticas para o cenário em rápida evolução (UNESCO). A regulação é crucial para garantir que essas tecnologias sejam usadas de forma ética e responsável. Isso inclui estabelecer diretrizes sobre privacidade de dados, evitar vieses algorítmicos, e garantir que os sistemas de IA sejam transparentes e possam ser responsabilizados. Além disso, as políticas precisam ser flexíveis o suficiente para se adaptar às rápidas mudanças no campo da IA

Futuro

É vital garantir que as ferramentas educacionais alimentadas por IA sejam acessíveis a todos, não apenas àqueles com recursos para pagá-las. A visão deve ser a de tornar as ferramentas disponíveis para todos, democratizando o acesso a uma educação personalizada e de alta qualidade. Quando falamos em ‘democratização da educação’, nos referimos a tornar o ensino e o aprendizado acessíveis a todos, independentemente de sua localização geográfica, situação econômica, habilidades ou antecedentes. Isso significa que cada aluno deve ter as mesmas oportunidades de acessar uma educação de qualidade. A IA não será o santo gral dessa democratização. Ela não vai, por exemplo, resolver de forma direta o problema de exclusão digital, mas com os investimentos direcionados para isso, pode diminuir desigualdades como nunca antes.

O futuro da educação com IA deve ser construído de forma a incluir um ensino mais personalizado, com sistemas de IA que possam se adaptar às necessidades de aprendizado individuais dos alunos. Serão fundamentais os sistemas que promovam a maior integração da IA em sala de aula, com sistemas que apoiem os professores na avaliação do desempenho dos alunos e no fornecimento de feedback personalizado.

Devemos lembrar sempre que o objetivo final é capacitar os alunos a prosperarem em um mundo que está sendo continuamente remodelado pela IA. Ao abraçar a IA nas salas de aula, não estamos apenas ensinando aos alunos como usar uma ferramenta – estamos ensinando a eles como navegar, adaptar-se e prosperar em um futuro impulsionado pela IA.

Em conclusão, a chegada dos modelos generativos de IA na educação será disruptiva e carrega um enorme potencial para transformação positiva. Se é verdade que tudo ainda é muito incipiente e ainda não é possível cravar grandes conclusões, também cabe afirmar que cada um de nós abraçar essa mudança, experimentar ousadamente e caminhar para um futuro em que a IA se torne aliada no acesso à educação de qualidade para todos.

Referências:
BLOOM, Benjamin S. The 2 Sigma Problem: The Search for Methods of Group Instruction as Effective as One-to-One Tutoring. Educational Researcher, 13(6), pp. 4-16, jun./jul., 1984. Disponível em: <https://web.mit.edu/5.95/readings/bloom-two-sigma.pdf>. Acesso em: 27 maio. 2023.
Harvard Business Publishing Education. Why All Our Classes Suddenly Became AI Classes – Strategies for Teaching and Learning in a ChatGPT World Disponível em: <https://hbsp.harvard.edu/inspiring-minds/why-all-our-classes-suddenly-became-ai-classes>. Acesso em: 20 maio. 2023.
Harvard Business Publishing Education. ChatGPT and AI Text Generators: Should Academia Adapt or Resist? Disponível em: <https://hbsp.harvard.edu/inspiring-minds/chatgpt-and-ai-text-generators-should-academia-adapt-or-resist>. Acesso em: 20 maio. 2023.
Harvard Business Publishing Education. Let ChatGPT Be Your Teaching Assistant: Strategies for Thoughtfully Using AI to Lighten Your Workload. Disponível em: <https://hbsp.harvard.edu/inspiring-minds/let-chatgpt-be-your-teaching-assistant>. Acesso em: 27 maio. 2023.
Instituto de Engenharia. Por George Paulus Dias – O impacto da calculadora, do Google e do ChatGPT na aprendizagem: conhecimentos, habilidades e atitudes em jogo. Disponível em: <https://www.institutodeengenharia.org.br/site/2023/04/03/o-impacto-da-calculadora-do-google-e-do-chatgpt-na-aprendizagem-conhecimentos-habilidades-e-atitudes-em-jogo/>. Acesso em: 3 jun. 2023.
KHAN, S. Sal Khan: How AI could save (not destroy) education. Disponível em: <https://www.ted.com/talks/sal_khan_how_ai_could_save_not_destroy_education/c>.
MATEO, M. From the printing press to ChatGPT: The challenge does not lie in technology but in education inequality. Disponível em: <https://blogs.iadb.org/educacion/en/chatgpt-education-inequality/>. Acesso em: 11 jun. 2023.
UNESCO. UNESCO mobilizes education ministers from around the world for a co-ordinated response to ChatGPT | UNESCO. Disponível em: <https://www.unesco.org/en/articles/ai-unesco-mobilizes-education-ministers-around-world-co-ordinated-response-chatgpt>. Acesso em: 01 junho. 2023.
UNESCO. UNESCO survey: Less than 10% of schools and universities have formal guidance on AI. Disponível em: <https://www.unesco.org/en/articles/unesco-survey-less-10-schools-and-universities-have-formal-guidance-ai>. Acesso em: 02 junho. 2023.

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(*) George Paulus Dias é engenheiro de produção pela Poli-USP, mestre e doutor em Logística e Aprendizagem com jogos. Tem experiência como empreendedor na área de TI e educação e acumula 20 anos de docência em instituições de ensino e treinamentos corporativos. Conselheiro e coordenador o GT Amazônia e Bioeconomia no Instituto de Engenharia.