Por José Eduardo Cavalcanti – Considerações sobre as alterações propostas pelo Governo Federal no marco legal do saneamento

Em maio passado, por 295 votos a favor e 136 contra, com uma abstenção, a Câmara dos Deputados sustou, por meio de um PDL, parte das mudanças no Marco Legal do Saneamento consubstanciadas em dois Decretos 11.466 e 11.467 de 5 de abril de 2023 de iniciativa do Poder Executivo.

No Decreto 11466/23, segundo a Agência Câmara de Notícias, o substitutivo suspendeu trecho que permite ao prestador de serviços de saneamento em atuação incluir no processo de comprovação da capacidade econômico-financeira eventuais contratos provisórios não formalizados ou mesmo instrumentos de natureza precária. Já no Decreto 11467/23, segundo esta mesma fonte, o projeto suspendeu cinco dispositivos com detalhes de regulamentação da prestação regionalizada dos serviços de saneamento.

Como se recorda, o Decreto 11.466 regulamentou o art. 10-B da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, (Lei que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico) para estabelecer a metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços públicos de abastecimento de água potável.

Por sua vez, o Decreto 11.467 dispôs sobre a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico, o apoio técnico e financeiro de que trata o art. 13 da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020 (Lei que dispõe sobre a criação da ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou geridos ou operados por órgãos ou entidades da União de que trata o art. 50 da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (Lei que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico), e a alteração do Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010 que regulamenta a Lei nº 11.4445, e do Decreto nº 10.430, de 20 de julho de 2020 que dispõe sobre o Comitê Interministerial de Saneamento Básico..

A justificativa do atual Governo para a promulgação de ambos os Decretos diz respeito a instituição de medidas para incentivar investimentos em saneamento básico.

Em resumo, as modificações propostas nestes Decretos foram no sentido de uma flexibilização de modo a permitir a reabertura de prazos para que estatais que não provaram capacidade financeira para cumprir a meta da universalização até 2033, em conformidade com o Decreto 10.710 de 31 de maio de 2021 (revogado pelo Decreto 11.466), possam, até o final do ano, apresentar a documentação necessária para ser avaliada pelo regulador até março de 2024. Ainda, caso o histórico seja insuficiente e os indicadores não sejam atendidos, a estatal poderá ter sua capacidade reconhecida mediante a apresentação de um plano de metas para atingimento em um prazo de 5 anos.

Resulta que na prática os contratos de serviço de 1117 cidades, (ou cerca de 20% do total dos municípios) que apresentaram irregularidades entre 2020 e 2021 poderão ser regularizados com muito maior facilidade. O prazo para regionalização dos serviços que venceu em 31 de março de 2023 foi prolongado por este Decreto para 31 de dezembro de 2025. Após essa data, os Municípios terão prazo de 180 dias para aderir às estruturas de regionalização que vierem a ser criadas. Enquanto isto, os municípios poderão voltar a acessar recursos federais em função da permissão trazida pelo Decreto para regularização dos contratos.

Outra alteração foi a permissão para que as companhias estaduais prestem serviços sem licitação em microrregiões, aglomerações urbanas e regiões metropolitanas sem necessidade de licitação bastando uma autorização da unidade interfederativa do bloco regional. De fato, no artigo 60 do Decreto 11.467/2023, os parágrafos 16 e 17 do art. 6º permitem que os municípios que fazem parte de uma unidade de prestação regionalizada (URAES) deleguem às empresas estatais controladas pelos respectivos estados a execução dos serviços de saneamento básico sem licitação na forma de contratos de programa.

Este modelo, inclusive, já foi adotado pela CAGEPA da Paraíba, tendo já sofrido uma ação de inconstitucionalidade impetrada pela ABCON.

Outra modificação trazida pelo Decreto 11.467/23 em seu art. 13, §1º,I, estabelece que, na edição das normas de referência, a ANA deverá observar as diretrizes de política de saneamento estabelecidas pelo Ministério da Cidade. O Decreto não impediu a ANA de editar normas de referência, mas estabeleceu que esta regulação se limitasse ao mínimo necessário para as necessidades de padronização.

Por fim destaca-se que o Decreto Federal 11.467/2023 deu solução à uma situação de incerteza jurídica ao firmar que o limite de 25% não se aplica aos contratos de PPP.

Objetivando dar uma solução política para o impasse evitando-se entraves com o Governo, a Câmara Federal cogita, através de um projeto de Decreto Legislativo, sustar apenas alguns parágrafos do artigo 6º do Decreto 11.467, justamente àqueles que tratam da regionalização, em especial da possibilidade de contratação direta das empresas públicas de saneamento sem licitação.

De qualquer forma, o impacto causado pelos mencionados Decretos tem o poder de elevar a politização e os conflitos judiciais no setor introduzindo o risco de interrupção das atividades e adiamento da meta de universalização prevista a acontecer até 2033, em conformidade com a Agenda 2030 da ONU.

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José Eduardo Cavalcanti é engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia. E-mail: [email protected]

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo