Marina Silva anunciou a criação da Secretaria de Bioeconomia. Os termos ESG e bioeconomia estão em ascensão desde o início da pandemia do covid-19 e têm impactado o cenário econômico e político no mundo inteiro.
Entretanto, esse fenômeno de novas nomenclaturas para designar supostas mudanças ambientais não é novo. Dessa vez estaríamos caminhando para mudanças?
Neologismos ambientais como panaceias
Quem trabalha com meio ambiente há muito tempo já desconfia de qualquer nova palavra que surge para falar sobre os limites da Terra. Os neologismos surgem como panaceias e as palavras vão sendo usadas até o esgotamento de valor. “Sustentabilidade, sustentabilidade, sustentabilidade”.
Mas, o que é mesmo essa sustentabilidade? Desenvolvimento sustentável para quem?
Traçar um paralelo com as fases do luto da psicologia – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação – permite entender um pouco mais o desenvolvimento das movimentações ambientais.
Após a fase da negação das pesquisas científicas, se instaura a fase da raiva.
Discursos que fazem associações com adjetivos pejorativos como “ecochato”, “ecoterroristas” e “ambientalismo xiita” ganham força.
Nenhum consenso sobre as definições e as limitações intrínsecas às pesquisas científicas consolidam a fase da barganha. As novas nomenclaturas são seguidas por uma disputa de significados e pela corrida por protagonismo.
As instituições mais tradicionais e conservadoras se distanciam dessa fase inicial, acabam adotando por pressões do mercado tardiamente a nova “trend”, e reduzindo a pauta em estratégias de greenwashing – lavagem verde, termo aplicado quando organizações usam da publicidade para passar uma imagem sustentável, sem apresentar práticas de fato sustentáveis.
Quando a trend atual já não é mais um item de exclusividade e com a pauta já esvaziada, começa novamente o ciclo do rebranding e o início da era de uma nova trend verde.
O mercado de ESG
Do dia para noite todo mundo se tornou especialista de ESG no LinkedIn. E não à toa, o mercado de ESG fechou em 41 trilhões de dólares em 2022, e a previsão é que chegue a 50 trilhões de dólares para o próximo ano, de acordo com a Bloomberg Intelligence.
O boom de investimentos começou na pandemia, que segundo especialistas é uma consequência de uma maior sensibilização da sociedade em torno das causas sociais e ambientais provocada pela crise humanitária da covid.
A BlackRock Inc, maior empresa de gestão de ativos do mundo, esteve envolvida em escândalos relacionados à ESG no último ano. A empresa gere os investimentos da Exxon Mobil e de outras gigantes petrolíferas, portanto, seu posicionamento sobre ESG desencadeou no afastamento de grandes investidores.
Essas contradições, em que uma gigante de investimento se posicionou diferente das expectativas dos maiores clientes, têm deixado os especuladores atônitos e atentos. E na tentativa de desvendar esse fenômeno várias teorias da conspiração vêm surgindo.
A minha favorita, que demonstra a dimensão das especulações, é a de que as próprias petroleiras estariam interessadas na ascensão do ESG, tornando-se as principais receptoras desse mercado, e assim driblando os prejuízos que teriam com o movimento de descarbonização da matriz energética.
Essa teoria não é tão descabida quando essa COP 27 apresentou mais lobistas de petroleiras que qualquer outra. Foram mais de 600, muito mais que as delegações de alguns países, como o do próprio anfitrião da COP que apresentou apenas 155 pessoas. De acordo com análise feita no podcast Café da Manhã sobre o impacto das negociações climáticas, as conferências teriam se transformado em um lugar em que esses lobistas participam para se promoverem como parte da solução climática.
Entretanto, nem as especulações e nem a saída dos grandes investidores foram contundentes o suficiente para abalar o mercado. Esse continua crescendo. A estratégia adotada pela BlackRock Inc. para contornar essa situação foi colocar a culpa na falta de consenso na definição sobre o que é ESG. Novamente, a já conhecida, fase da barganha pelas narrativas ambientais.
A Era da Bioeconomia A bioeconomia já estava presente na COP 27. “Vamos focar em atrair investimentos em bioeconomia”, falou o presidente eleito Lula na ocasião.
Mas o que significa bioeconomia? Para não entender – isso mesmo que o leitor leu, não entender – é bom relembrar da relação entre as palavras economia e ecologia.
Ecologia é o estudo da casa. Economia é a arte de bem administrar a casa.
A definição de recursos econômicos, significa a boa gestão dos recursos da casa, no caso, os recursos naturais disponíveis no planeta. O que faz da construção da palavra bioeconomia um tanto peculiar, afinal cria uma ênfase um tanto óbvia quase beirando a um pleonasmo, que é a necessidade de gestão da vida (bio) em consonância com a casa (eco).
Mas as palavras são os instrumentos de comunicação que a sociedade precisa que elas sejam. E aparentemente a palavra economia estava precisando fazer uma regressão etimológica para a sua origem, e para isso foi colocada no divã por um tempo junto com o prefixo bio.
A bioeconomia está ocupando um espaço diferente do ESG que domina o mercado. Ela está escrita nos planos de governo e estratégias nacionais de desenvolvimento econômico ao redor do mundo. As definições para bioeconomia têm também divergido entre os países. Enquanto o Brasil, ainda não possui uma estratégia de bioeconomia.
Durante a cerimônia de posse da nova ministra do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (apesar da mudança no nome, a sigla continua MMA), Marina Silva anunciou a criação de uma Secretaria de Bioeconomia e comentou sobre a riqueza das florestas:
“(…) sobre a qual há riquíssimo conhecimento tradicional associado. Acreditamos que é fundamental investir no uso sustentável desse enorme patrimônio. O papel dessa nova secretaria, é em conjunto com os outros órgãos do governo federal, é o de estimular a bioeconomia que valoriza a nossa sociobiodiversidade, nossos ativos ambientais gerando renda, empregos (…) Para que possa fazer jus em ajudar a tirar o Brasil do mapa da fome”.
Ainda não se sabe qual definição de bioeconomia adotada. O discurso da ministra dá certa ênfase na geração de riqueza através dos recursos naturais, o que pode sugerir para uma bioeconomia de biorrecursos.
Mas Marina Silva também cita o pesquisador Carlos Nobre em sua fala, que têm direcionado para uma bioeconomia bioecológica para a Amazônia.
Com uma diversidade de definições ao redor do mundo, sem consenso, bioeconomia tem recebido esses sobrenomes – “bioecológica”, “biotecnológica”, “biorrecursos” – na tentativa de nortear qual é a ênfase da bioeconomia adotada.
O limite da Terra em pauta
Após as fases de negação, raiva, barganha e depressão, é chegada a hora da aceitação. A quantidade de nomenclaturas que emergiram na última década, aqui só falamos de ESG e bioeconomia, mas também há a Economia Circular, Economia Ecológica, Economia da Sociobiodiversidade e Sociobioeconomia, termos jurídicos como o Ecocídio e a Litigância Climática.
As novas definições são consequentes de uma evolução e aceitação dos valores da natureza, o limite da Terra está em pauta.
Marina Silva já adotou, além da bioeconomia, os termos Justiça Ambiental e Racismo Ambiental em seu discurso de posse. Já o mercado brasileiro tem seguido o padrão norte-americano de investimentos em ESG, e pode se beneficiar com algumas retomadas do fundo Amazônia. Mas ainda há um longo caminho pela frente até que a questão ambiental seja tratada como uma situação humanitária, e não classificada como um simples ativo, que os recursos ambientais deixem de ser recursos (como as áreas de recursos humanos já estão migrando para gestão de pessoas), e que o meio ambiente deixe de ser um meio, mas que a própria natureza tenha seu direito de existir.
A transformação é ética, ou melhor bioética, mas estamos no biocaminho.
________________________________________________________________________
*Elisa Stefan é apaixonada pela natureza. Formada em engenharia ambiental e mestre em recursos hídricos e ambientais. Estuda políticas públicas e governança nas interfaces de mudanças climáticas, de água e socioambientais. Autora de capítulo de livro sobre segurança hídrica da UNESCO. Fundadora do podcast Deságue e co-produtora no H2O. Atualmente coordena projetos de bioeconomia no Instituto de Engenharia.