Depois de quase três anos sem reunir fabricantes, operadores, representantes de órgãos de gestão, formadores de opinião, consultores e especialistas e interessados nos temas relativos ao transporte coletivo urbano de passageiros, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU realizou, na segunda semana de agosto, o Seminário Nacional NTU, em paralelo com a Lat.BusTranspúblico, feira latino-americana de transporte, considerado o maior encontro sobre mobilidade urbana da América Latina. O evento reuniu os principais agentes da cadeia produtiva do transporte urbano, rodoviário e de fretamento do Brasil e contou com mais de 11,6 mil inscrições, com quase 9,5 mil visitantes às 150 empresas expositoras e com cerca de 5,6 mil acessos e visualizações pelo YouTube.
Já na abertura do evento, que contou com a participação remota do Senador Rodrigo Pacheco e de Daniel Ferreira, Presidente do Senado Federal e Ministro do Desenvolvimento Regional, respectivamente, e com a presença de várias autoridades, o Presidente do Conselho Diretor da NTU, João Antonio Setti Braga, disse: “Apesar da melhoria no cenário econômico, ainda temos grandes desafios a enfrentar, como a recuperação da demanda perdida e a melhoria da situação financeira do setor, que amargou prejuízos que chegaram a quase R$ 30 bilhões nos últimos anos, com muitas empresas operadoras interrompendo parcial ou totalmente as suas atividades”.
No primeiro painel, intitulado “O novo caminho do transporte coletivo urbano”, já foi possível antever que o Seminário seria uma oportunidade extraordinária para a discussão da atual situação dos transportes coletivos de passageiros e para a apresentação de tendências, inovações e avanços que ocorreram durante o período da pandemia, quando o distanciamento social, queda drástica da demanda e desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos acabaram impondo uma nova realidade para o setor.
Ao final do painel, os participantes foram unânimes na constatação de que o transporte por ônibus atingiu, provavelmente, a pior situação da sua história e que a sua retomada passa por uma nova compreensão da sua importância como serviço público e da necessidade imprescindível de um marco regulatório, para regrar e regulamentar a relação do poder público com a iniciativa privada, criar novas fontes de financiamento, para investimento e custeio da operação, e promover a melhoria da qualidade dos serviços a serem prestados à população. Há, sim, uma nítida esperança de se ver, a médio prazo, o transporte coletivo de passageiros sendo tratado como um serviço público apreciado por toda a sociedade.
O segundo painel, sob o título: “O financiamento do transporte público coletivo para além da tarifa”, discutiu a necessidade imperiosa da separação da tarifa técnica ou de remuneração da tarifa pública ou de utilização; a primeira, diz respeito ao valor necessário para remunerar a prestação dos serviços e a segunda representa o valor que é pago pelo passageiro, para usufruir dos serviços prestados. Quando o valor da tarifa pública for inferior ao valor da tarifa técnica, o poder concedente deve, obrigatoriamente, cobrir a diferença com recursos próprios, provenientes do orçamento público ou de fontes alternativas.
Além disso, foram apresentadas as conclusões de um estudo técnico que a NTU contratou com especialistas, para discutir novas fontes de financiamento para o setor, particularmente, no que se refere à obtenção de recursos para bancar os subsídios, oriundos do orçamento público ou utilizando as chamadas fontes extra tarifárias. A concessão de subsídio, para tornar o transporte coletivo mais acessível à população de baixa renda, já é uma realidade em cerca de 250 cidades brasileiras.
Nos painéis seguintes, discutiram-se temas de alta relevância para o futuro dos transportes coletivos de passageiros. Sob o título “Como ampliar a participação de jovens empresários e executivos no setor”, empresários e especialistas puderam debater processos sucessórios familiares em empresas tradicionais, a necessidade urgente da adoção de modernas técnicas de gestão empresarial e o possível fortalecimento das empresas com a chegada de uma nova geração de sucessores.
Na sequência, os debates versaram sobre o futuro da mobilidade urbana e sobre “A inovação como ferramenta para recuperar a demanda, fidelizar o cliente e melhorar a qualidade do serviço”, com ênfase na necessidade de inovar para garantir serviço de qualidade e mudança da imagem das operadoras, perante a sociedade. Mesmo lidando com o descumprimento dos contratos, concorrência desleal e infraestrutura precária, é preciso ampliar os canais de comunicação com a sociedade e analisar as tendências de mercado, para induzir a demanda e fidelizar os clientes. Somente com a gestão baseada na ciência dos dados será possível assegurar uma administração mais moderna e a melhoria contínua dos serviços. A inovação é instrumento fundamental para a transformação e modernização dos serviços.
Nos painéis 6 e 7, o foco das discussões foi a descarbonização da frota de ônibus urbano e a nova matriz energética para a redução de emissões. Os dois temas suscitaram grandes discussões sobre a importância das mudanças tecnológicas para a produção de um serviço mais sustentável, de mais baixo custo, de melhor qualidade e mais acessível à população que utiliza o transporte coletivo.
É bem verdade que ainda falta uma política nacional para a descarbonização da frota de ônibus urbanos e para a utilização de veículos não poluentes ou com baixa emissão de gás carbônico (CO2), óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (MP). Entretanto, as tecnologias já disponíveis no mercado brasileiro possibilitam uma comparação quanto à disponibilidade tecnológica, confiabilidade dos modelos existentes e razoabilidade dos investimentos e dos custos operacionais, para uma solução específica para cada projeto ou localidade. O início da utilização dos motores EURO 6, o uso de veículos movidos à tração elétrica ou a gás biometano, o emprego de biocombustíveis (biodiesel e diesel verde) ou de motores movidos à célula de hidrogênio podem ser considerados como um movimento sem volta, na direção da redução das emissões veiculares, que pioram a qualidade de vida nas cidades e comprometem a saúde pública de seus habitantes. A mudança do perfil tecnológico dos ônibus urbanos que circulam nas principais cidades brasileiras é só uma questão de tempo.
No que se refere ao tema “A evolução dos Sistemas Inteligentes de Transporte (ITS) e dos meios de pagamento”, objeto do painel 8, as discussões versaram sobre os novos sistemas de programação e gestão de rotas e de frotas, o monitoramento da operação dos veículos, a aplicação do conceito de mobilidade como serviço (Maas), bem como sobre a diversificação, ampliação e modernização dos meios de pagamentos. A utilização de mais tecnologia embarcada, o uso intensivo das redes 5G, da internet das coisas (IoT), da internet das pessoas (IoP) e da internet do espaço (IoS) provocarão uma verdadeira revolução na forma como as pessoas realizarão suas viagens, em futuro muito próximo, colocando a tecnologia a serviço dos clientes do transporte público.
No terceiro dia, os dirigentes e técnicos da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros – ABRATI, da Associação Nacional dos Transportadores de Turismo e Fretamento – ANTTUR e da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros por Fretamento do Estado de São Paulo – FRESP discutiram alguns temas de interesse do setor, com destaque para os debates sobre governança ambiental, social e corporativa (ESG) das empresas, tratando de princípios que devem nortear as ações empresariais com o fim de promover um impacto social significativo na sociedade.
O evento hospedou, ainda, a realização de um ANTP Café, com a participação de Sebastião Melo e Rogério Cruz, prefeitos de Porto Alegre e de Goiânia, respectivamente, de reunião do Conselho Diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, de reunião da diretoria da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores – ANFAVEA, de reunião da diretoria da Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus – FABUS, de reunião do Conselho de Gestores do SEST/SENAT e de uma reunião do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana.
O sucesso do Seminário Nacional da NTU e da Feira Lat.Bus pode ser considerado, de fato, como um marco no reposicionamento dos transportes coletivos de passageiros como serviço público essencial e estratégico, dever do Estado e direito da população.
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Francisco Christovam é presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU e do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss. É, também, vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, bem como membro da comissão de transporte de passageiros da Confederação Nacional dos Transportes – CNT e do Conselho Consultivo do Instituto de Engenharia.
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo