Sob este título, publiquei em setembro de 2012, na revista “Engenharia, três anos da última crise hídrica, o artigo que eu reproduzo abaixo questionando a Sabesp do porquê não ter previsto um maior volume de captação na bacia do rio Juquiá, objeto do Sistema Produtor São Lourenço, visto que a população continuava se expandindo e os mananciais próximos à RMSP em constante “stress” hídrico que ainda perdura.
Tendo em vista, que estamos vivenciando a aproximação de uma outra crise hídrica resulta adequado a reprodução daquele artigo pela sua oportunidade:
“O projeto de implantação do Sistema Produtor São Lourenço (SPSL) pela Sabesp a partir da reversão das águas da Bacia do Alto Rio Juquiá visa potencializar a oferta de água de forma a atender ao déficit atual da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), cuja carência de água já se faz sentir notadamente em setores da zona oeste desta macrometrópole onde a produção dos sistemas Alto e Baixo Cotia é insuficiente.
Em 2010 já havia um déficit de 1,5 m³/s entre demanda média estimada e oferta na RMSP (Q 95 = 68,1 m³/s) tendendo-se a se ampliar nos próximos 5 anos, podendo chegar a uma faixa entre 3,4 m³/s e 5,8 m³/s em 2015, mesmo considerando os esforços empreendidos pela Sabesp na redução de perdas.
De acordo com os estudos do Plano de Bacia do Alto Tietê, os sistemas produtores em operação não têm possibilidade de elevar suas disponibilidades hídricas firmes, razão pela qual outros mananciais mais distantes têm sido cogitados visando o abastecimento de água da RMSP.
Por outro lado, entre as alternativas estudadas pelo PDDA 2025 nas bacias circunvizinhas – rios Itatinga e Itapanhaú, Capivari, Alto Sorocaba e Alto Paraíba do Sul –, emergiu como a mais viável (por razões de natureza técnica, econômica e ambiental) o aproveitamento da Bacia do Alto Juquiá mediante o Sistema Produtor São Lourenço.
O SPSL prevê a captação de uma vazão média anual de 4,7 m³/s no braço do Ribeirão Laranjeiras, afluente ao Reservatório Cachoeira do França, a ser recalcada, aduzida e tratada de forma a abastecer prioritariamente cerca de 1,5 milhão de pessoas moradoras da zona oeste da RMSP através da interligação ao Sistema Integrado Metropolitano da Sabesp.
Esta vazão foi adotada como vazão de projeto por força do artigo 5º do decreto de 27 de junho de 1996 da Presidência da República, cujo texto manifestou uma preocupação em “preservar o direito de derivação das águas do Alto Juquiá, com reversão de até 4,7 m³/s, para abastecimento público da RMSP”.
Além da captação segundo uma vazão nominal de 6 m³/s para bombeamento em 18,8 horas/dia, fora do horário de pico de energia (de forma a poder aproveitar o valor reduzido da tarifa), o sistema será constituído de 48,22 quilômetros de adutora de água bruta com diâmetro de 2 100 mm; estação de tratamento de água (ETA) para 5m³/s; 30,75 quilômetros de adutora de água tratada com diâmetros de 2 100 mm, 1 800 mm, 1 500 mm e 1 200mm; 14,3 quilômetros de quatro subadutoras em diâmetros de 800 mm a 400 mm; 40,36 quilômetros de linhas de transmissão, além de reservatórios e estações de bombeamento.
No total, 11 municípios situados na RMSP e no seu entorno abrigarão partes deste sistema em seus territórios. Ocorre, porém, que a disponibilidade hídrica do Reservatório Cachoeira do França (futuro local de captação do novo sistema no Rio Juquiá) é de 18,6 m³/s para 100% de garantia (Q100), descarga três vezes superior à vazão de projeto (4,7 m³/s). Entretanto, foi com base nesta vazão que todo este sistema está sendo projetado para ser construído de acordo com a licença ambiental concedida, embasada no EIA/RIMA aprovado que considerou burocraticamente apenas os 4,7 m³/s fixados naquele decreto e não toda aquela vazão disponível naqueles mananciais, potencialmente passíveis de serem utilizados para abastecimento.
Se é sabido que somente esta vazão outorgada não é suficiente para atender a demanda de água já em futuro próximo da RMSP, principalmente considerando-se as novas regras operacionais do Sistema Cantareira, que certamente virão no bojo da renovação da outorga em 2014 – ajustada de forma a assistir aos municípios do PCJ (que resultarão na redução dos 33m³/s atualmente aduzidos integralmente à RMSP) –, por que já não implantar de imediato o SPSL de modo a aproveitar toda a capacidade de armazenamento do Cachoeira do França?
A resposta a esta questão tem sido dada até agora com aparente conformismo, pois até pelo menos o ano 2016 [data do fim do contrato de concessão celebrado entre a Aneel e a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) de acordo com aquele Decreto] estas águas energizadas serão utilizadas na geração de energia elétrica nas seis usinas hidrelétricas da CBA em seu processo produtivo para a extração da bauxita.
No total, as usinas denominadas França, Fumaça, Barra, Porto Raso, Alecrim e Serraria – localizadas ao longo de um trecho quase todo represado compreendido entre a borda do planalto e a planície do Rio Ribeira de Iguape –, produzem 230 MW de potência.
Mas e depois de 2016? O uso da água para fins potáveis não é hierarquicamente prioritário, de modo a saciar a população? Em sendo assim, levando-se em conta também o prazo de conclusão do empreendimento – previsto para entrar em marcha só daqui a cinco anos, em meados de 2017 –, o Sistema Produtor São Lourenço (à exceção da ETA que pode ser implantada modulada) deveria ser ambientalmente licenciado, dimensionado e construído para toda a vazão Q95, da ordem de 22 m³/s, passível de ser extraída na Cachoeira do França, de modo a atender com segurança as demandas de água da RMSP nos próximos anos.
Como isto não foi feito, há que se providenciar que pelo menos a complementação dos estudos ambientais e a adequação do projeto deste empreendimento para adução da Q95 devam ser iniciados de imediato visando a obtenção do competente licenciamento ambiental.
Quanto à CBA, esta poderá adquirir sem grandes dificuldades uma quantidade equivalente de energia no mercado, sem prejuízo das indenizações ou compensações adequadas às quais eventualmente tenha direito, em conformidade com a legislação.
O mesmo procedimento terá de fazer a Sabesp na energização do SPSL. São Paulo e sua região metropolitana necessitam urgentemente de um novo “Sistema Cantareira”, com quantidade e qualidade de água adequadas.”
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*José Eduardo W. de A. Cavalcanti
É engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia
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