No final da década de 1990, publicações especializadas e relatórios de desempenho escolar constataram que os Estados Unidos poderiam passar por uma crise de emprego devido ao baixo número de profissionais ligados às áreas STEM (acrônimo em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Sem contar o baixo estímulo dos estudantes para seguir nessas carreiras. O alerta serviu para apressar reformas educacionais e curriculares no país, além de fomentar a criação de organizações não governamentais e projetos públicos voltados ao tema. Nessa mesma época, o termo STEM chegou à mídia. E não saiu mais.
“Muito além do que apenas uma forma de reunir as quatro áreas em um único termo, ‘STEM education’ foi rapidamente se tornando popular nos EUA por trazer consigo características de uma época marcada pela revolução tecnológica e pela busca por inovação nos modelos educacionais”, aponta o pesquisador Gustavo Pugliese, em artigo publicado no Porvir. Inclusive, em meados dos anos 2000, a sigla passou a ser STEAM, incluindo a palavra Arte – e, dessa forma, inserindo a área de humanas na proposta educacional.
“O ensino de STEM não se basta sozinho, sem integrar as artes e as ciências sociais. Menosprezar o A do STEAM é desconsiderar aspectos essenciais do ser humano. Todos os estudantes devem ter direito à essa linguagem, devem ter direito à arte”, ressalta Gustavo em um segundo texto, assinado em parceria com Beatriz Mogadouro.
Mas e quando falamos do E, de Engenharia? Como a área está conectada à BNCC (Base Nacional Comum Curricular)?
De acordo com Wallace Moté, analista pedagógico da APDZ – Educação e Tecnologia, graças à abordagem STEAM, que é baseada em fundamentalmente em descobertas, a engenharia ganhou força na Base Nacional devido aos conceitos e métodos de ensino próprios, que visam a construção de projetos e soluções de problemas envolvendo, por exemplo, matemática, geometria e ciências.
“A ideia é fazer com que o aluno seja o responsável pelo seu próprio conhecimento e não apenas tenha a resposta a qualquer momento. O ‘pensar engenharia’ é fazer com que o estudante tenha uma dúvida e vá atrás das respostas, sabendo o motivo e como algo funciona nos detalhes”, explica Wallace.
Criatividade nas soluções
Os guias de profissões costumam indicar: quem gosta da área de exatas e se interessa por ciências, projetos e cálculos pode cursar um dos 34 tipos de engenharia disponíveis na graduação. Qual o estímulo para a profissão desde a educação básica?
Professora de robótica da educação infantil e do ensino fundamental do Centro Educacional Ativo, em Macaé (RJ), Sabrina Leite Lameira Ramos ressalta como o aprendizado de engenharia está ligado à competência 2 da BNCC, focada no pensamento crítico e criativo. “Essa competência fala sobre análise, teste e resolução de problemas. São atitudes primordiais para quem vai atuar na área de engenharia, principalmente na criação de soluções”, diz. “Acredito que o maior incentivo para fortalecer essas disciplinas que envolvem a engenharia, como a matemática, física e química, são as práticas manuais por meio dos exemplos de situações-problema”, complementa.
Wallace concorda com o incentivo para o uso prático dessas matérias no dia a dia. “Esse é o maior questionamento dos alunos, achar que nunca aquilo vai ser usado. Ao ver que a matemática, por exemplo, está presente até mesmo nas coisas mais simples, como um ventilador ou um videogame, eles se interessam mais”, acredita o analista pedagógico.
Teoria na prática
Pesquisadora de tecnologias relacionadas à educação, Roseli de Deus Lopes, professora do departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) reforça: a despeito de não se usar explicitamente a palavra engenharia na educação básica, ela está, sim, presente em vários momentos.
“Quando trabalhamos com intervenção no mundo físico, quando tenho uma coisa e quero entender como ela funciona, quero desmontar algum tipo de máquina ou artefato para modificá-lo… Sempre são atividades de engenharia aquelas nas quais estou tentando entender como algo funciona, mas quero mudá-lo para funcionar ainda melhor”, exemplifica.
Roseli destaca, ainda, a disseminação das tecnologias digitais nas escolas como um ponto positivo para o estímulo à engenharia. “Elas nos permitem modelar um objeto, rodar uma simulação. Assim, consigo ver como algo funciona antes de ser implementado no mundo real. Essas atividades de engenharia, na prática, são muito importantes para que as pessoas percebam que é preciso estar na escola para aprender esse tipo de conhecimento, identificar problemas e atuar no mundo real para resolvê-los.”
Criadora e coordenadora da Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia), voltada a estudantes pré-universitários, Roseli explica que a Engenharia não aparece por mero acaso na sigla. “Fizemos questão de colocá-la no nome da feira, para que as pessoas percebam quais métodos usamos para gerar conhecimento científico, soluções tecnológicas e disseminar isso no repertório da educação básica.” Na 20ª edição da Febrace, realizada virtualmente em março deste ano, foram apresentados 487 projetos, desenvolvidos por 1.081 estudantes do ensino fundamental, médio e técnico de 333 escolas de todo o Brasil. A maioria dos participantes (65%) é formada por alunos da rede pública.
Instigar a curiosidade para diferentes áreas é papel da escola, e não é diferente quando se trata de engenharia, pontua Roseli. “Na educação básica, é possível dar os primeiros passos na engenharia, ao investigar problemas, buscar alternativas e soluções, tomar decisões com base em evidências. Assim, desenvolvemos o espírito crítico de um consumidor mais consciente porque descobriu como é o processo”, diz a pesquisadora. Com essa base, os alunos se tornam mais questionadores em tudo, mesmo que, no futuro, atuem em uma área diferente das exatas.