O ano de 2022 começa com algumas novidades interessantes, seja para os órgãos de gestão ou para as empresas operadoras de transportes coletivos urbanos de passageiros. Com todas as adversidades típicas de um ano eleitoral, quando o setor sofre, invariavelmente, com inverdades, insinuações e ilações descabidas, algumas perspectivas e possibilidades se mostram bastante alvissareiras e factíveis.
A dura realidade enfrentada pelas operadoras de transportes por ônibus, em especial de transportes coletivos urbanos de passageiros, nos dois últimos anos, é conhecida e está devidamente divulgada e documentada. O período da pandemia agravou bastante a já difícil situação da maioria das empresas operadoras e várias interromperam a prestação dos serviços. Em alguns casos, a sobrevivência das empresas dependeu da boa vontade de instituições financeiras, que viabilizaram os recursos necessários para não gerar solução de continuidade no transporte da população.
A retomada das discussões sobre como produzir serviços de transporte coletivo urbano de passageiros com a qualidade desejada e na quantidade exigida pelos clientes, com custos reduzidos e tarifas módicas, de um lado, e com a justa remuneração das empresas operadoras, de outro, se faz presente e premente. Resumidamente, novos tempos com novas exigências quanto aos atributos das viagens e às novas formas de custear a prestação dos serviços.
Nesse afã, vale lembrar que já é praticamente impossível prestar serviço de transporte com qualidade se a remuneração das empresas depender exclusivamente do montante arrecadado com o pagamento das tarifas. Doravante, os poderes concedentes deverão, forçosamente, contar com receitas extra tarifárias ou com recursos provenientes dos cofres públicos, para assegurar a justa e adequada remuneração das empresas operadoras. É assim no mundo inteiro e não há como prescindir desses recursos na prestação de um bom serviço de transporte público de passageiros.
É importante ressaltar que nos sistemas ditos “tarifados”, o valor da tarifa é obtido pela divisão do custo total da produção dos serviços pelo número de passageiros pagantes. O conceito de “passageiro equivalente” surge como uma maneira de imputar aos usuários pagantes o valor correspondente às gratuidades, uma vez que, na maioria dos casos, os poderes concedentes não arcam com o custo da viagem dos passageiros gratuitos.
É preciso deixar claro que, nos sistemas tarifados, quando se cria uma gratuidade, sem o correspondente recurso para cobri-la, cada usuário paga o seu deslocamento e uma parcela correspondente ao deslocamento do passageiro não pagante, beneficiado com algum tipo de isenção do pagamento da passagem.
Como os custos de produção dos serviços – questão de engenharia e economia – sobem gradativamente e as tarifas – questão política e social – já alcançam valores impossíveis de serem bancados somente pelos usuários, é preciso contar com subsídios, para assegurar a universalidade e a acessibilidade dos serviços à população, bem como os recursos necessários à remuneração das empresas, para a prestação de um serviço de qualidade.
Em recentes pesquisas, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC e pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, constatou-se que, durante o período da pandemia, mais de 50 cidades subsidiaram, de forma emergencial, os seus sistemas de transporte, para garantir a continuidade da prestação dos serviços.
No âmbito econômico, o subsídio nada mais é do que a diferença entre o custo total da produção dos serviços e o montante arrecadado com o pagamento das tarifas. Mas, do ponto de vista jurídico, subsídio deve ser entendido como uma contribuição, uma ajuda, um meio de assistência ao passageiro, para que ele possa usufruir da prestação de um serviço público. Subsídio vem do latim “subsidium”, que significa auxílio ou benefício que se concede a outrem, para que preste dado serviço; mas também a quantia que se dá a alguém com o fim de lhe minorar as dificuldades ou infortúnios.
Subsídio difere sutilmente do conceito de subvenção, que pode ser definida como uma espécie de auxílio; mas, direcionada a cobrir despesas operacionais das entidades públicas ou privadas, como se verifica, por exemplo, no artigo 12 da Lei Federal 4.320/64, que institui normas gerais de direito financeiro, em serviços assistenciais.
O Prof. Floriano de Azevedo Marques Neto, em Concessões – Editora Fórum, 2015, p. 207, ao tratar dos aspectos tarifários dos serviços públicos, diferenciou subsídio e subvenção (aporte), no seguinte sentido: “Os aportes não se confundem com a contraprestação pecuniária adicional a tarifa. Enquanto a contraprestação é um complemento da parcela remuneratória do custo unitário do serviço (na verdade, um subsídio direito para redução do valor tarifário), o aporte (na verdade, uma subvenção) é um valor dado em ressarcimento a um investimento que o particular tem de fazer em bens de terceiros (do Poder Público) como requisito para poder, na sequência, prestar o serviço público concedido.”
Na cidade de São Paulo, os recursos necessários ao funcionamento do órgão gestor, no caso a São Paulo Transporte S/A – SPTrans, são provenientes de um contrato de gestão que a empresa mantém com a Municipalidade. Mas, se necessário, a Prefeitura poderia subvencionar a empresa, aportando recursos dos cofres públicos para compensar a falta ou insuficiência de receitas próprias.
Ainda para ilustrar, os atuais contratos de concessão dos serviços de transporte coletivo do Município de São Paulo preveem o subsídio na metodologia utilizada para a determinação do custo do serviço, que é obtido por meio de uma planilha de custo, quando então é determinada a chamada “tarifa técnica” ou tarifa de remuneração, que difere da “tarifa pública” ou tarifa de utilização, definida pelo Executivo Municipal.
A diferença existente entre as tarifas – técnica/remuneração ou pública/utilização – é coberta com recursos oriundos do Tesouro Municipal, sob a forma de subsídio. Nesses contratos, o subsídio é aplicado em seu conceito original, sendo o valor destinado a custear as despesas do sistema de transporte não cobertas pelas receitas tarifárias e extra tarifárias, em benefício dos passageiros.
Marçal Justen Filho, em Teoria Geral das Concessões de Serviços Públicos – Editora Dialética, 2003, p. 409, faz importantes ponderações sobre a introdução superveniente de benefícios para usuários ao afirmar que “identifica-se o benefício tarifário quando a tarifa seja fixada em valor desvinculado dos custos a cuja remuneração se orienta. Assim, o montante arrecadado por meio da tarifa seria insuficiente para cobrir despesas necessárias à prestação do serviço e lucro assegurado ao concessionário. […] O benefício tarifário pode caracterizar-se como uma redução do valor nominal da tarifa.”
Em ambas as citações se percebe que o subsídio se destina, direta e especificamente, aos passageiros, e não às empresas operadoras, que são contratadas para a prestação de um serviço público, mediante remuneração, que se supõe justa e adequada.
Para que o Poder Público contrate um particular para prestar o serviço que lhe cabe, certamente especificará, no edital que antecede o contrato de concessão, o quanto lhe pagará pelo serviço, bem como se repartirá esse valor entre os usuários (sistema tarifado) ou se deles cobrará valor menor (tarifa de utilização). Nesta última hipótese, a diferença é o subsídio, no sentido de minorar as dificuldades ou desfortuna do passageiro, definição que caracteriza o transporte como direito social, conforme previsto no artigo 6º da Constituição Federal.
Exemplifique-se, ainda, com a adoção da chamada “tarifa zero”, que possibilita ao usuário viajar sem o pagamento do preço da passagem; porém, não significa a prestação do serviço a custo zero. Nesse caso, os passageiros são subsidiados, enquanto as empresas recebem remuneração pela prestação dos serviços de transporte. Como conceito fundamental, as empresas operadoras não são subsidiadas!
Como se vê, dizer que o subsídio significa transferência de renda do setor público para a iniciativa privada, ou que esse recurso constitui “ajuda financeira” às empresas, é muito mais do que um simples equívoco; talvez, falta de conhecimento técnico, de reflexão, ou de pouca familiaridade com o assunto.
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(*) Francisco Christovam é assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss e, também, membro da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP, da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, do Conselho Diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, da Confederação Nacional dos Transportes – CNT e do Conselho Consultivo do Instituto de Engenharia.
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo