A busca para proporcionar qualidade de vida a pacientes com enfermidades cerebrais que limitam os movimentos do corpo, uniu a graduação e a pós-graduação de áreas distintas do conhecimento da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFMT), em Uberaba.
Fisioterapia e engenharia mecânica se juntaram para melhorar uma cadeira já existente no mercado, usada por pacientes que estão na etapa de ‘Sedestação a Beira Leito’, ou seja, em uma fase de mobilização precoce, que antecede a saída do leito.
Em 2018, um conteúdo na internet chamou a atenção da fisioterapeuta respiratória Priscila Mauad Rodrigues. Uma cadeira para acomodar pacientes na borda da cama hospitalar. A Dasbel (sigla para Dispositivo Auxiliar de Sedestação a Beira Leito), era feita em PVC e já tinha sido desenvolvida por uma equipe hospitalar multidisciplinar de São Paulo para sentar os pacientes de Centros de Terapia Intensiva (CTI). Sendo um produto não patenteado, o grupo criador permite que ele seja produzido apenas para fins hospitalares ou não comerciais.
“Eu vi essa cadeira, era uma cadeira grande, que não dobrava, não tinha a proteção na frente”, lembrou a fisioterapeuta que há mais de 5 anos integra a equipe da enfermaria de Neurologia no Hospital de Clínicas da UFTM.
Priscila então desejou ter no dia a dia do trabalho um aparato com características semelhantes, porém que fosse dobrável e com cabeceira inclinável.Foi aí que a rotina da fisioterapeuta se encontrou com as dos engenheiros mecânicos.
Assistência, ensino e pesquisa
Estimulada com o que viu, Priscila pensou em uma parceria com o departamento de Engenharia Mecânica da UFTM. O professor Marcos Massao Shimano topou o desafio e ajudou a projetar a cadeira em PVC, com base na original e seguindo as sugestões da fisioterapeuta.
A partir de então, a proposta foi criar um modelo que pudesse ser dobrado, coubesse dentro de um armário e tivesse encosto reclinável.
O projeto passou pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição. Depois, juntamente com dois alunos do curso de engenharia mecânica, Priscila e Shimano confeccionaram um protótipo, que foi testado com pacientes.
Nessa etapa, ocorria na prática uma relação entre pesquisa acadêmica e retorno de resultados à sociedade. A cadeira se transformou em um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da engenharia.
Em 2019, com um projeto de mestrado que buscava demonstrar a viabilidade de produção e a funcionalidade da cadeira, Priscila Rodrigues foi admitida no Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia da UFTM.
Sob orientação da professora Luciane Sande de Souza, a pesquisa se baseou no modelo original, já acrescido de encosto reclinável, e testou amplamente a eficiência da cadeira, na enfermaria de Neurologia.
Parceiro na empreitada, o professor Shimano fez uma proposta para melhorar o material, incluindo o alumínio na estrutura do dispositivo. Também foi criada uma barra de proteção frontal, para impedir que o paciente caísse para a frente, proposta pela professora Luciane Sande.
“Fizemos tudo em conjunto. Foi muito legal, pois reuniu a assistência, os alunos da graduação em engenharia mecânica e a pós-graduação”, lembrou Priscila.
O protótipo se mostrou mais estável, com melhor encaixe na cama e – consequentemente – no corpo, mais fácil de limpar, menos pesado, e contando com 5 níveis de inclinação, 2 a mais do que o modelo original de PVC, além da barreira de segurança frontal.
Priscila explicou que outros benefícios também são percebidos no cotidiano hospitalar.
“Quando você faz os exercícios com o paciente sentado, os faz contra a gravidade; ele consegue flexionar e estender melhor a perna, por exemplo. A função pulmonar também melhora, minimiza riscos de pneumonia e infecção no órgão, pois ele se desencosta da cama”, ressaltou.
O foco nas necessidades expressas pelas famílias dos pacientes foi determinante para a iniciativa de criação das cadeiras, lembrou a fisioterapeuta.
“Quando o paciente sofre o AVC ou tem algum problema neurológico que o deixa acamado, a família tem uma preocupação de não conseguir cuidar. E quando a gente senta o paciente, orienta, mostra que ele tem possibilidade de melhorar, a família vê com outros olhos. A gente percebe que eles já querem levar a cadeira para casa”, disse.
Atualmente, existem na unidade hospitalar 2 cadeiras frutos da iniciativa: a de PVC e a de alumínio. Aprovadas pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, elas são higienizadas a cada uso.
Em outubro de 2020, a fisioterapeuta fez uma proposta para a instituição e solicitou a compra de material para a produção de 10 cadeiras de alumínio. Elas seriam serradas e montadas pelo professor Shimano e equipe. A sugestão foi aprovada e está em trâmite para efetivação. A intenção do grupo é ofertá-las para mais 10 setores do HC-UFTM.
O preço do material da cadeira é estimado em R$ 366. A mão de obra está sob a responsabilidade do professor Marcos Shimano.
“Nossa intenção é ajudar o paciente. Então reunimos pessoas e estamos tentando fazer uma boa ação”, falou Priscila.