Durante a mostra Veículo Elétrico Latino-Americano, realizada em São Paulo, entrevistamos o presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Adalberto Maluf. E perguntamos a ele por que está demorando tanto para o carro elétrico virar uma realidade no Brasil.
A ABVE é um grupo de membros da indústria que luta pela eletrificação da frota brasileira. Entre seus mais de 80 sócios, estão administradores empregados na Nissan, Toyota, Porsche e Renault. Adalberto também é diretor de marketing e sustentabilidade da Byd, montadora de elétricos e indústria de tecnologia sustentável.
Adalberto comentou sobre os desafios em eletrificar um país que investiu quase todas suas fichas em outra tecnologia para aposentar o combustível fóssil: a biomassa, na forma de álcool e biodiesel. Um país que está definitivamente atrás em termos de mobilidade elétrica.
A entrevista foi editada por brevidade e compreensão.
Olhar Digital: Em julho, uma pesquisa da Boston Consulting falou que meros 10% dos veículos em Brasil seriam elétricos até 2030. Vocês são tão pessimistas assim?
Adalberto Maluf: Projetar o futuro é sempre muito difícil. Mas as previsões da Agência Internacional de Energia e outros organismos internacionais falam que em 2030 teremos a maior parte dos veículos do mundo como híbridos e elétricos. Já outras pesquisas internacionais falam que, a partir de 2026, metade sera híbrido ou elétrico e, em 2030, nos grandes mercados, deve estar acima de 60%.
Então essas pesquisas aqui no Brasil levam em consideração o momento atual. Mas eu acredito que esses números vão crescer, naturalmente, porque a média que a cadeia produtiva mundial migra para o elétrico e, se cresce no grau que está crescendo, não há como o Brasil ficar desconectado dessa realidade. Até 2030 teremos algo como 30, até 40% dos veículos vendidos no Brasil como híbridos e elétricos.
A maioria dos elétricos é de híbridos não plugin, que exigem combustível. Só 5% são elétricos puros. A que se deve isso?
Basicamente isso se deve à essa falta de isonomia, o elétrico é sobretaxado.
Você está dizendo que o híbrido paga menos que o elétrico porque ele usa combustível, é isso?
Sim. Hoje o veículo 100% a combustão é o que menos paga imposto no Brasil. Depois, no meio tem, os híbridos, ali em escalas que vão pagar de 11 a 18 [%]. E depois os elétricos puros, a grande maioria paga entre 14 e 18 [%]. Então, infelizmente, no Brasil, na contramão do resto do mundo, quanto mais tecnológico e melhor para o meio ambiente, o veículo paga mais imposto. É uma distorção que a gente precisa resolver brevemente pra que esse setor continue a crescer e possa se desenvolver na sua plenitude.
Neste ano, o elétrico mais vendido no Brasil tem sido o Porsche Taycan. Isso parece um caminho oposto ao da popularização. O que acontece?
Nos veículos de luxo, essa distorção [do imposto] é um pouco menor. Porque o [veículo] de luxo já paga um IPI maior, então fica empatado. E, como a gente tem no Brasil redução de imposto de importação para elétricos, então esses [os importados] foram os primeiros a crescer.
Por outro lado, a gente viu que o segundo vendido elétrico mais vendido foi um furgão [o BYD eT3]. Empresas e suas agendas ESG [Environmental and Social Governance, “governância ambiental e social”], vêm avançando no tema da logística. São Paulo, por exemplo, é uma cidade que tem incentivos. Aqui o veículo elétrico tem isenção no rodízio, tem isenção na quarta parte do IPVA. Então esses poucos incentivos que a gente vê no Brasil, quase sempre a nível municipal, conseguem ajudar a desenvolver alguns mercados.
A gente acredita que, assim que exista uma isonomia nos impostos, assim que os elétricos paguem o mesmo que veículos a combustão, vamos ver a popularização do veículo elétrico, descendo para os sedãs, depois os hatches. Hoje o preço ainda é um complicador para os veículos de entrada elétricos.
Você acredita que essa situação que temos no Brasil é porque historicamente o álcool foi privilegiado como a opção sustentável no lugar dos elétricos?
O etanol é um biocombustível limpo, muito importante para a economia brasileira, muito importante para a redução da emissão de poluentes. Então no Brasil, por termos essa situação peculiar do biocombustível, a gente vai caminhar numa rota em paralelo, na qual o biocombustível continua importante, os híbridos flex crescem em importância.
Mas a gente também tem que aproveitar a oportunidade para adensamento da cadeia produtiva do lítio no Brasil [Nota: o lítio é o componente principal da maioria das baterias e o Brasil é o 7º maior produtor mundial].
O 100% elétrico significa que você vai nacionalizar e adensar a cadeia produtiva em vários componentes, em vários sistemas que vão ser cruciais no veículo do futuro. Então para que a gente possa criar tecnologia, inovação e desenvolvimento no Brasil, a gente precisa rapidamente alavancar o mercado de veículos elétricos. Para poder ocupar esses espaços e fazer a transformação do nosso parque produtivo no parque produtivo da indústria do futuro.
A infraestrutura elétrica no Brasil aguentaria se tudo virasse elétrico?
Uma projeção feita pela CPFL diz que, se a gente chegasse em 30% de elétricos em 2030, que é uma meta ousada, mas possível. Isso representaria um aumento de 1,7% no consumo de energia por ano. Se 100% da frota brasileira fosse elétrica, isso representaria entre 8 a 9% do consumo de energia, que é algo muito tranquilo. Está dentro da margem do planejamento elétrico brasileiro.
O que é o maior desafio da indústria elétrica para avançar hoje no Brasil?
O maior desafio da indústria da eletromobilidade hoje no Brasil é a falta de liderança do governo. Quando a economia está indo bem, quando os setores estão evoluindo, muitas vezes o setor privado consegue sozinho fazer isso.
Mas o que a gente viu é que a pandemia trouxe a presença do Estado com muita força na transição para uma economia de baixo carbono. Então, na Europa, foram anunciados o Pacote Verde Europeu, mais de 700 bilhões de incentivos. Depois a Alemanha e a França colocaram incentivos, uma política de integração. A China, [com] o maior plano ambiental da história da China, de desenvolvimento sustentável. Os Estados Unidos, agora com o John Biden, [iniciaram] o maior plano de infraestrutura e política industrial da história dos EUA.
Então, num momento de transformação tecnológica, onde você tem as principais potências do mundo colocando muito recurso pra fazer a transição para a economia de baixo carbono, para essa indústria do futuro, se a gente continuar aqui no Brasil sem uma coordenação entre o governo, a academia e a indústria… a gente corre o risco de ficar para trás.
O consumidor brasileiro está preparado para a eletrificação?
As pesquisas mostram que o consumidor brasileiro já está super antenado nessas grandes mudanças. A gente teve uma pesquisa no final do ano passado do Instituto Clima e Sociedade que mostrou que a vontade de comprar veículos elétricos saltou de 40% para 70% no Brasil.
A gente viu outras pesquisas do próprio ICS dizendo que 67% das pessoas acreditam que o governo devia investir mais em mobilidade elétrica. E, mais recentemente, pesquisas feitas pela AEA [Associação Brasileira de Engenharia Automotiva] com a SAE [sigla em inglês para Sociedade dos Engenheiros Automotivos. que tem filial no Brasil] falando algo como 70% a 75% dos brasileiros já consideram a compra de um veículo híbrido e elétrico.
É claro que a gente está longe do resto mundo, o resto do mundo salta de 10% para 20% na venda de veículos eletrificados esse ano e agente está saindo de 1% para 2%. Mas, pelo menos, é um crescimento. A gente vê um parque produtivo se mobilizando, novos atores chegando, novas montadoras se desenvolvendo.
Então tenho certeza que o Brasil vai continuar crescendo e, à medida com que as matrizes nos países ricos das montadoras do Brasil façam essa migração, é natural que eles também tragam essa novas tecnologias para cá. Para que nossos parques produtivos possam se inserir nas cadeias internacionais.