Aos 19 anos, Flávia Cruz queria ser engenheira e prestar o vestibular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Por conselhos da família, ela desistiu da carreira e optou pelo curso de letras. Durante décadas, ela atuou como tradutora de livros e teve uma trajetória bem-sucedida.
Mas, determinada a seguir a carreira dos sonhos, ela decidiu cursar engenharia elétrica e eletrônica aos 36 anos, mesmo sob questionamentos de familiares. Hoje, aos 49, ela é diretora do departamento de ciências exatas e tecnologias do Instituto de Engenharia e coordena projeto de inclusão de mulheres no setor.
“Meu irmão perguntou: ‘Tem certeza que você quer fazer isso [estudar engenharia]?’. Estamos ganhando espaço no mercado de trabalho, embora ainda devagar. Falta a gente ter mais voz, gritar mais”, disse ela.
Mulheres como Flávia estão conquistando, aos poucos, mais espaço nas áreas de ciência, tecnologia e engenharia no Brasil. A diferença salarial, no entanto, continua refletindo a ampla desigualdade de gênero que existe nessas áreas.
Segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, houve aumento de 3,6% na quantidade de profissionais mulheres em serviços ligados à engenharia e de 38% em ciências físicas e naturais, ambos de 2017 a 2019. No mesmo período, houve crescimento de 4,5% na quantidade de mulheres em carreiras ligadas à tecnologia da informação.
As diferenças nas médias salariais, contudo, são grandes. A exceção fica por conta da engenharia, em que os salários divergem pouco e a remuneração das mulheres supera a dos homens entre 2018 e 2019 (veja gráficos abaixo).
Apesar do progresso nas últimas décadas, o número global de mulheres pesquisadoras ainda é muito pequeno: 35% de todos os estudantes matriculados em cursos de exatas, segundo a ONU Mulheres (entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres).
“As mulheres ganham, em média, 27% menos [que os homens] porque estão em carreiras menos remuneradas. Um exemplo é que a maioria dos enfermeiros é mulher e a maioria dos médicos é homem. Além disso, estudos empíricos mostram que elas tendem a negociar menos aumentos salariais e mudanças de cargo”, afirmou Tayná Leite, gerente do Programa Ganha-Ganha no Brasil.
O projeto é uma aliança entre a ONU Mulheres, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a União Europeia (UE) para promoção da igualdade de gênero no setor privado.
Desigualdade na carreira acadêmica
No Brasil, a realidade no mundo acadêmico não é diferente. As pesquisadoras tendem a ter carreiras mais curtas e remuneração inferior. Embora elas representem 33,3% de todos os pesquisadores do país, apenas 12% dos membros das academias de ciências nacionais são mulheres.
“Com a pandemia, uma universidade francesa fez testes para um programa de doutorado às cegas e aprovou mais mulheres. Ficou claro que existe um viés de preconceito na escolha. Elas têm total capacidade para gerar produção científica. O estereótipo que recai sobre meninos e meninas é o que faz com que a gente perca talentos”, disse Tayná.
Dados divulgados pelo Ministério da Educação, pela plataforma Nilo Peçanha, apontam que o número de mulheres formadas em cursos de química na rede federal de educação profissional, científica e tecnológica do país subiu 1,16% de 2017 a 2019. No mesmo período, houve queda de 14,21% na quantidade de homens em formação.
Nos cursos de engenharia, a participação feminina cresceu 22,5% de 2017 a 2019. Entre o público masculino, a alta foi de 28% no mesmo intervalo.
Em tecnologia da informação, informação e jogos digitais, a participação das mulheres foi de apenas 369 em 2017 para 423 em 2019 (alta de 14,6%). Entre os homens, o aumento foi bem mais representativo: passou de 1.376 para 1.781 (+24,9%).
A recifense Alana Araújo, 32, nadou contra a maré e foi uma das três mulheres a se formar em engenharia da computação em uma sala com 50 homens na Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco.
“Senti um pouco de preconceito no começo da carreira, mas exigi respeito pelo meu trabalho e pelo conhecimento que adquiri”, relembrou Alana, que sempre contou com o apoio da família.
Com experiência em programação e ciência de dados, a engenheira se mudou para São Paulo há sete anos e trabalha atualmente com as tecnologias na área comercial da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom).
Como o Instituto de Engenharia, a entidade também possui projeto voltado à atração de jovens e diversidade, o TechMe. Segundo Sérgio Paulo Gallindo, presidente da Brasscom, o programa tem como proposta encontrar novos talentos fora do perfil “homem branco, classe média/alta” para solucionar a escassez de profissionais da área tecnológica.
“Não temos talentos suficientes para preencher a demanda do país. 70% das vagas técnicas em tecnologia são ocupadas por homens. Se temos vagas, significa que estamos gerando riquezas. Precisamos romper com o preconceito de que TI é para nerds e homens”, defendeu Gallindo.
Por Patrícia Basilio