Em 2020, as cientistas Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier receberam o Prêmio Nobel de química pelo desenvolvimento de uma técnica de edição de genes chamada CRISPR/Cas9. Para o leitor não familiarizado com o mundo da genética, considere que o código genético contém receitas de proteínas responsáveis por todo o funcionamento do organismo, semelhante a uma programação digital.
Agora imagine que seja possível alterar essa programação: é exatamente isso que a CRISPR/Cas9 faz. Na verdade, a engenharia genética existe desde 1970 e já teve aplicações na agricultura, pecuária, medicina e até para diversão, com os simpáticos peixes zebras fluorescentes que povoam aquários domésticos.
A diferença é que a nova técnica, além de reduzir o custo e o tempo para alterar o DNA, tem uma precisão muito superior às outras técnicas. Não se trata de uma invenção humana, mas baseia-se em uma arma biológica das bactérias.
Desde que o mundo é mundo, os bacteriófagos (tipos de vírus) atormentam a vida das bactérias, destruindo 40% delas todos os dias. Quando a bactéria sobrevive ao ataque, ela faz uma cópia de um pequeno trecho do DNA viral usando a proteína Case o insere no seu próprio DNA, trecho conhecido como CRISPR.
Quando o vírus ataca novamente, a bactéria reconhece o inimigo e aciona o CRISPR, associando-o à proteína Cas. Está formado o sistema CRIS-PR/Cas, que corta o DNA do vírus, impedindo-o de se reproduzir. Um tipo de vacina genética.
Mas o interessante da descoberta é que ela mostrou que o sistema CRIS-PR/Cas pode ser programado para qualquer alvo genético, basta conhecer o local em que queremos modificar o DNA. Isso tem aplicações que extrapolam os limites da imaginação.
De fato, a técnica já tem sido aplicada em espécies vegetais, animais e até mesmo na edição de embriões humanos.
Os especialistas da área acreditam que a CRISPR/Cas terá aplicações dentro de dez anos, especialmente na cura de doenças monogênicas, como fibrose cística, Huntington ou anemia falciforme, além da utilização no combate ao câncer e ao HIV.
Outras aplicações estariam no melhoramento genético dos animais domésticos. Maior resistência a doenças, maior ganho em peso ou melhor capacidade reprodutiva, dentre outras características de interesse, poderão ser facilmente atingidas.
A grande questão é que não conhecemos suficientemente o código genético para saber onde e o que alterar, sem que com isso possamos ter também consequências indesejáveis. Só com estudos futuros teremos essas respostas, mas são várias as possibilidades.
Enquanto isso, devemos nos preparar para lidar com as questões éticas do uso da técnica para promover um tipo de eugenia no nível molecular. Isso pode parecer ficção científica, mas não é. E mesmo que você queira estar fora dessa discussão, imagine pensar na década de1980 que o mundo estaria inteiramente conectado em uma espécie de rede e que você estaria fora dela.
Hoje, mesmo que nunca tenha sequer ligado um computador, você faz parte dessa “aldeia global”. Assim será com a engenharia genética em um futuro próximo.