Como uma entusiasta jogadora de badminton, a ugandense Catherine Nakalembe queria estudar ciências do esporte na universidade, mas o fracasso em obter as notas exigidas para um subsídio do governo a colocou no caminho que a levou à Nasa. E ainda ganhou um relevante prêmio de pesquisa em alimentos, escreve Patience Atuhaire da BBC.
Quando Nakalembe tentou explicar a um fazendeiro de Karamojong, no nordeste de Uganda, como o trabalho dela usando imagens tiradas de satélites centenas de quilômetros acima da Terra se relaciona com seu pequeno terreno, ele riu.
Embora ela use as imagens em alta resolução em seu trabalho pioneiro para ajudar os agricultores e os governos a tomarem melhores decisões, ela ainda precisa trabalhar para aprimorar os dados.
Em outras palavras, do espaço você não pode dizer a diferença entre grama, milho e sorgo.
“Por meio de um tradutor, disse ao fazendeiro que quando olho os dados, vejo apenas o verde. Eu imprimi uma foto, que mostrei a ele. Ele então foi capaz de entender que… é preciso visitar a fazenda fisicamente para fazer essas distinções”, disse a pesquisadora à BBC.
Ela é uma mulher de fala mansa e um comportamento radiante. É difícil imaginá-la caminhando por horas no calor do semi-árido do Karamoj, procurando descobrir as distinções granulares que só podem ser detectadas no solo.
Isso ocorre especialmente em importantes regiões agrícolas dominadas por pequenos proprietários que podem plantar safras diferentes em épocas diferentes do ano, levando a um grande número de variedades. Essa complexidade torna quase impossível o monitoramento para a maioria das autoridades.
Nakalembe, professora assistente do departamento de ciências geográficas da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, usa os dados de satélite para estudar a agricultura e os padrões climáticos.
Essas informações são combinadas com dados coletados in loco sobre as safras e suas condições para construir um modelo que aprende a reconhecer padrões para ajudar a fazer as análises.
Foi isso que deu a ela o Africa Food Prize (Prêmio Alimentos da África 2020, em tradução livre), ao lado de André Bationo de Burkina Faso, pelo trabalho dele com fertilizantes.
A cientista, que também chefia a seção africana do programa de alimentação e agricultura da Nasa, explica: “Do ar, dá para ver qual área é construída, se está limpa, se tem vegetação ou água.
“Também podemos dizer o que é terra cultivável e o que é floresta. Como temos um registro de 30 anos de como se parece uma terra cultivável, podemos dizer o que é saudável, o que não é ou qual parte melhorou.”
‘Uma corda de resgate para famílias rurais’
Usando informações coletadas no local por pesquisadores ou enviadas pelos próprios agricultores, ela pode distinguir entre os tipos de cultura e criar um mapa que mostra se as fazendas estão prosperando em comparação com a mesma cultura em outros lugares da região.
O modelo foi usado em lugares como os Estados Unidos, onde a agricultura mecanizada ocorre em escala industrial. As informações podem ajudar a informar as decisões sobre quando irrigar ou quanto fertilizante deve ser usado.
Mas mesmo um agricultor em Uganda ou em qualquer outro lugar do continente, usando apenas uma enxada e trabalhando por longas horas em seu pequeno terreno, encontrará esta informação valiosa.
“O sensoriamento remoto permite monitorar grandes extensões de terra usando dados disponíveis gratuitamente.
“Você pode dar uma previsão. Se combinar as estimativas de satélite de chuva e temperatura, você pode dizer que vai chover nos próximos 10 dias e os agricultores devem preparar seus campos. Ou, se não houver chuva, eles não precisam desperdiçar suas sementes e podem esperar algumas semanas”, diz o Nakalembe.
Em grande parte do continente, onde as fazendas são frequentemente pequenas parcelas fragmentadas longe das fontes de informação, esses dados podem ser traduzidos em mensagens de texto no idioma local, programas de rádio ou repassados por trabalhadores agrícolas.
Também é uma evidência de que os governos podem usar os dados para planejar uma resposta a desastres em caso de perda de safra ou inundações repentinas e salvar as comunidades da fome.
As primeiras pesquisas de Nakalembe permitiram que 84 mil pessoas em Karamoja evitassem os piores efeitos de um clima altamente variável e da falta de chuvas.
“Ela trabalhou conosco em 2016 para desenvolver ferramentas que preveem a incidência da seca”, diz Stella Sengendo, que trabalha com risco de desastres no gabinete do primeiro-ministro.
“Usamos esses dados para estimar o número de famílias que provavelmente serão afetadas por fortes períodos de seca. Em seguida, desenvolvemos um programa que envia fundos às famílias, por meio do governo local.
“Os moradores fazem obras públicas e ganham dinheiro durante a estação seca. Eles economizam 30% e usam 70% para o consumo diário”, explica Sengendo.
Os 5.500 xelins de Uganda (R$ 7,70) por dia são uma corda de resgate para as famílias em uma região que tem apenas uma temporada de colheita por ano. E cerca de 60% desses trabalhadores são mulheres, que, segundo estudos, sofrem os piores efeitos das mudanças climáticas.
Cientista ambiental por acidente
Criada na capital, Kampala, por uma mãe que gerencia um restaurante e um pai que é mecânico, Nakalembe nunca se imaginou trabalhando com satélites.
Ela jogava badminton com as irmãs e queria se formar em ciências do esporte, mas sem as notas exigidas para obter um diploma do governo, ela se voltou para a ciência ambiental na Makerere University.
Nunca tendo saído de Kampala, exceto para um evento familiar ocasional, ela se inscreveu para trabalhar na Autoridade de Vida Selvagem de Uganda para ganhar créditos para o curso dela.
“O mapeamento me atraiu. Fui para o Monte Elgon, no leste. Ainda tenho fotos do meu primeiro trabalho de campo porque foi realmente emocionante”, diz ela, radiante.
A cientista da Nasa, que agora viaja pela África treinando departamentos do governo sobre como desenvolver programas de segurança alimentar, foi para a Universidade Johns Hopkins para um mestrado em geografia e engenharia ambienta
Ela diz: “Sempre tive a mesma afirmação pessoal: adquirir conhecimento e aplicá-lo em casa.”
“O programa de PhD da Universidade de Maryland me permitiu entrar no sensoriamento remoto, mas o mais importante foi vir e trabalhar em Uganda e em todo o continente.”
A pesquisadora pioneira também orienta jovens mulheres negras para encorajá-las a entrar nas ciências ambientais.
“Na diáspora, vou a reuniões e sou a única que tem esta aparência. Sinto-me solitária quando é um novo país ou espaço.
“Na África Oriental, encontro muitas pessoas com quem podemos compartilhar experiências e nossas lutas. Gostaria de ver mais mulheres negras neste grupo”, disse Nakalembe, parecendo determinada em seu desejo.
A notícia de que ela tinha ganhado o Africa Food Prize 2020 em setembro chegou a ela por meio de um telefonema inesperado. Ela não sabia que havia sido indicada e se perguntou por que seus colegas insistiram para que ela mantivesse o telefone perto.
Quando a chamada finalmente veio, ela foi convidada a esperar pelo ex-presidente nigeriano Olusegun Obasanjo, que mal deu os parabéns antes da chamada ser desligada.
“Foi como ir ao hospital com dor de cabeça e depois ouvir que você vai ter um filho.
“Quando liguei para minha família, minha irmã achou que eu estava sendo enganada. Minha mãe disse a mesma coisa que sempre diz sempre quando conquisto algo: ‘Webale kusoma’ (‘obrigada por estudar muito’ em Luganda)”, diz ela.
A euforia da vitória claramente ainda não passou, a julgar pelo grande sorriso com que ela fala sobre o prêmio.
“Imagine, agora tenho uma página da Wikipedia.
“Quando me apresento recentemente, tenho que me lembrar de dizer: ‘Também sou a laureada do Prêmio Alimentos da África de 2020’. E tenho meu troféu gigante que pesa cerca de 5 kg. Então, sei que não estou sonhando,” diz com orgulho.