Engenheiro de contrato: recusa de pagamento de terceiro até recebimento de vantagem indevida

Por Adilson de Brito Farias*

Descrição do caso

Alfredo presta serviços de consultoria de engenharia para uma empresa de construção pesada e de grande porte há mais de 4 anos, trabalhou em diversas obras, seu trabalho é bem avaliado pelos engenheiros de obra, todos os processos (execução dos serviços, medição, liberação de medição e pagamento) sempre ocorreram de forma tranquila.

As contrações de prestadores de serviços técnicos de engenharia são realizadas pela equipe técnica de suprimentos da construtora. Todos os fornecedores e terceirizados recebem o código de ética da empresa – um manual de 30 páginas – antes de iniciar qualquer serviço.

Cada obra é responsável pela gestão dos terceirizados, sendo que o engenheiro de campo da obra acompanha a execução e o recebimento (aceite) dos serviços prestados. O engenheiro de contrato de cada obra recebe a medição, verifica o contrato, solicita toda a documentação necessária e autoriza a emissão da nota fiscal do serviço.

Em 2019, Alfredo realizou serviços na obra XPTO, foram entregues e aceitos, porém Alfredo não recebeu o e-mail autorizando a emissão da nota fiscal, ele ligou para Pedro, engenheiro de contrato dessa obra. Pedro informou que algumas certidões estavam faltando, Alfredo as encaminhou por e-mail. Semanas se passaram e nada da autorização, cada vez que Alfredo perguntava sobre a autorização, Pedro aparecia com alguma pendência.

Com muito custo, Alfredo conseguiu agendar uma reunião com Pedro. Pedro foi muito evasivo, no meio da conversa ele disse “me ajuda, que eu te ajudo”, Alfredo entendeu o que Pedro quis dizer, ele queria que Alfredo oferecesse algo em troca da autorização.

Alfredo se recusa a participar de qualquer tipo de atividade ilícita. Ele já não sabe o que fazer, ele não tem provas para denunciar Pedro. Ele comentou com o engenheiro de campo e com a equipe de suprimentos sobre o atraso da autorização, porém não obteve sucesso.

Discussão do caso

1. O que o prestador de serviços deve fazer nesse tipo de situação?

Neste caso o prestador de serviços deve denunciar o engenheiro através de canal de denúncia da empresa contratante ou, na ausência deste, através de reunião com a direção da empresa. Pois, sistema de gestão algum é capaz de eliminar por completo a ocorrência de atos ilícitos cometidos pelos profissionais da empresa.

Assim, as organizações sérias precisam que atitudes como esta do engenheiro da empresa sejam denunciadas, para que este tipo de “profissional” seja retirado da organização.

Cada vez mais as empresas têm se conscientizado da necessidade de ter um canal de denúncias para permitir que este tipo de desvio de conduta seja relatado, investigado e coibido.

Este tipo de serviço tem se popularizado no Brasil e já existem diversas empresas especializadas em fornecer o serviço de Canal de Denúncias.

2. Muitos prestadores de serviços passam por situações semelhantes, eles têm medo de denunciar e não serem mais contratados pelas empresas, o que eles podem fazer para evitar que esse tipo de situação ocorra?

A única maneira de não sofrer retaliação por denunciar atos ilícitos cometidos por funcionários da empresa é exatamente fazer com que o desvio de conduta seja levado ao conhecimento da direção da organização contratante.  Pois, muitos empresários já entenderam que precisam garantir que atos ilícitos não sejam tolerados, porque no final das contas é a alta direção e os acionistas que podem ser responsabilizados por atos ilícitos cometidos pelos profissionais da organização.

Convém lembrar que a Lei 12.846:2013, conhecida como lei anticorrupção, estabeleceu no Art. 3º que “A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito”.

Os números decorrentes da Operação Lava Jato levaram muitos empresários a entender que os atos ilícitos cometidos por profissionais das organizações podem levar a multas bilionárias, podendo levar a falência da empresa, assim como a prisões dos principais executivos.

3. A equipe de suprimentos conseguiria identificar esse comportamento do gerente de contrato? Há algum sinal que indicaria que algo errado estava acontecendo?

Sim, com certeza existem muitos indicadores que podem auxiliar a identificar este tipo de comportamento, como por exemplo, estabelecer KPI´s para monitorar o tempo de emissão de nota fiscais de prestadores de serviços após a conclusão dos serviços realizados.

Outro mecanismo muito útil neste caso seria a implantação de medidas de controle que obriguem a interação de diversos intervenientes no processo de aprovação de medições de subempreiteiros, evitando a situação de apenas um engenheiro da obra ter a palavra final sobre aprovação de medições.

Estas medidas de controles são chamadas pela ISO 37001:2016 (Sistema de Gestão Antissuborno) de controles não financeiros, ou seja, “controles não financeiros são sistemas de gestão e processos implementados pela organização para ajudar a assegurar que as compras, o operacional, o comercial e outros aspectos não financeiros de suas atividades têm sido gerenciados adequadamente” para mitigar o risco de suborno na organização.

A participação de outros intervenientes no processo de aprovação de pagamentos ajuda a mitigar o risco de atos ilícitos uma vez que não adiantaria o prestador de serviços (parceiro de negócio) subornar uma única pessoa para ter as medições liberadas.

4. O que a empresa deve fazer para evitar essas situações?

Estamos vivendo novos tempos no Brasil e no mundo no que tange a tolerância quanto a atos ilícitos cometidos pelos integrantes das organizações.  Práticas antiéticas que, até pouco tempo atrás, eram consideradas “normais”, não são mais aceitas por autoridades governamentais nem por grandes corporações privadas. As organizações condenadas pela Operação Lava Jato estão tendo muita dificuldade para conseguir novos contratos porque as grandes corporações decidiram não mais contratar empresas envolvidas em atos ilícitos aqui no Brasil.

Já se tornou questão de sobrevivência investir na criação de Sistemas de Gestão voltados a prevenir, identificar e responder a atos ilícitos cometidos por integrantes das organizações.

Novamente lembramos que a Lei 12.846:2013 estabeleceu a chamada “responsabilidade objetiva”, na qual a empresa pode ser responsabilizada civil e administrativamente se for constatado que a mesma se beneficiou de ato ilícito praticado por profissional da empresa, ou seja, mesmo que não seja uma política da organização a prática de suborno ou de outros tipos de atos ilícitos, pode mesmo assim ser obrigada a pagar multas que podem atingir 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior.

Tenho tido a oportunidade de auditar programas de compliance / integridade de empresas no Brasil e no exterior, para avaliar se seus processos estão em conformidade com padrões internacionais preconizados pelas normas ISO (International Organization for Standardization).  Nestas auditorias pude constatar que as normas ISO 19600:2014 (Sistema de Gestão de Compliance) e a ISO 37001:2016 (Sistema de Gestão Antissuborno) se tornaram importantes ferramentas que podem ajudar as organizações a estabelecer procedimentos, rotinas, práticas que ajudam a mitigar o risco de atos ilícitos e assim preservá-las de ações judiciais que podem, em última instância, levar a falência e a prisão de seus executivos e acionistas.

Concluindo, para evitar estas situações recomendo a adoção de algumas ações concretas que podem proteger a empresa das consequências advindas de tais atos. São elas:

– Contratação de empresa especializada para prestação de serviço de canal de denúncias, propiciando um serviço profissional e independente, amplamente divulgado para colaboradores, parceiros de negócios e sociedade em geral;

– Identificar suas fragilidades internas, mapeando os processos / áreas / funções que possuem maior exposição a riscos de suborno / atos ilícitos;

– Implantar controles financeiros e não financeiros que certamente dificultam a ocorrência de atos ilícitos por integrantes mal intencionados (exemplos podem ser vistos no anexo A da ISO 37001:2016);

– Implantar auditorias externas independentes, tanto de natureza contábil quanto do sistema de compliance / antissuborno;

– Realizar treinamento dos colaboradores internos e dos principais parceiros de negócios para conscientizá-los de que a alta direção não tolerará atos ilícitos dentro da organização e que os infratores poderão ter seus contratos de trabalho rescindidos e até serem denunciados às autoridades competentes; e

– Adotar um modelo estruturado de sistema de gestão, como por exemplo a norma ISO 37001, mesmo que não haja intenção de obter a certificação.  A padronização preconizada por este modelo normativo propicia um guia, que oferece uma visão objetiva para implantação do Sistema de compliance / integridade.

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Adilson de Brito Farias*

Engenheiro Civil com MBA em Gerenciamento de Projetos, certificações de PMP®, ISO 9001, ISO 14001, ISO 19600, ISO 37001, ISO 45001 e OHSAS 18001 e Mestrado em Governança Corporativa.

Com mais de 20 anos de experiência na implantação e certificação de Sistemas de Gestão, atuando como: Gerente de QSMS / QHSE, Gerente de Riscos, Consultor e Auditor de Certificação de Sistemas de Gestão de Compliance / Antissuborno.

Atualmente atuando como CEO da ADBF, uma empresa especializada na prestação de serviços de auditoria para organismos de certificação de sistemas de gestão, internacionalmente acreditados por UKAS e ACCREDIA e no Brasil pelo INMETRO (CGCRE).

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo