Equipe de suprimentos fraudou construtora por três anos

Por Marcos Rossa*

Convidado: *Marcos Rossa

Descrição do Caso

João trabalha como analista de suprimentos em uma construtora há dois anos. Ele notou uma mudança no comportamento de seus gestores no último ano. Seu coordenador refez a divisão de trabalho, João ficou responsável pelo processo de compras de alguns materiais e o outro analista de suprimentos ficou responsável pelos materiais de valor maior agregado.

João não participava mais de reuniões com fornecedores. Após essas reuniões, era comum o coordenador e o gerente de suprimentos saírem para almoçar ou irem a happy hour com os representantes dos fornecedores. Se João recebesse um processo de compra de valor mais elevado, o coordenador assumia o processo.

Um dia ele ouviu uma conversa entre o coordenador e o gerente, o gerente estava cobrando sua parte do negócio. João decidiu fazer uma denúncia anônima.

A área responsável fez uma investigação interna, ao analisar os e-mails e processos de compras, e encontraram diversas incongruências. Uma empresa de investigação externa foi contratada.

A investigação externa comprovou que existia um esquema que envolvia alguns fornecedores, o gerente de suprimento, um coordenador e um analista de suprimentos. Os fornecedores pagavam 5% do valor do contrato para esses colaboradores, que repartiam entre si os valores recebidos. O esquema, que durou 3 anos, gerou prejuízos financeiros para a empresa.

A direção da empresa decidiu demitir os dois colaboradores, com receio de processos trabalhistas e de uma exposição na mídia, não tomou outras providências em relação ao ocorrido.

Discussão do Caso

O que o colaborador deve fazer nessa situação?

Em uma situação de suspeita de possível fraude ou conluio com fornecedores, ainda mais envolvendo profissionais de área de suprimentos/compras, minha sugestão pessoal é que sempre seja reportado a área de Compliance, ou a área responsável por apuração de denúncias e investigação. Esta é a única defesa consistente de qualquer um que tenha conhecimento de desvios comportamentais ou atos ilícitos na empresa. Lembro que a omissão também tem consequências e não pode ser aceita. O ideal é utilizar o canal de denúncias / linha ética designado e divulgado pela companhia, preferencialmente administrado por uma empresa terceirizada e independente, garantindo a confidencialidade do relato, e podendo-se optar pela identificação ou anonimato. É importante que a empresa deixe claro que retaliações para denúncias de boa-fé não serão toleradas.

Outro ponto importante é que se não houver a denúncia, há uma grande possibilidade de demora para que a empresa tenha ciência do ato ilícito e os envolvidos podem já terem saído para aplicar o mesmo golpe em outras empresas.

Lembro também a importância da área de gestão das denúncias na empresa sempre dar uma resposta aos denunciantes, de forma a se preservar a credibilidade da ferramenta na empresa.

Como a empresa deve agir quando recebe esse tipo de situação?

Na minha opinião pessoal, sempre que a área de Compliance (ética & integridade) ou correspondente na empresa, receber este tipo de denúncia deve-se iniciar um processo formal de investigação (podendo optar por contratar terceiros especializados para isso, como foi este caso).

É importante se planejar e preparar para a investigação, realizando análise de dados anteriormente a qualquer entrevista com possíveis envolvidos, podendo solicitar mais informações ou esclarecimentos ao denunciante (via canal de denúncia). O processo de entrevistas também deve seguir um protocolo específico, conforme melhores práticas, preparando-se o ambiente a ser usado, as pessoas (sempre mais que uma) que conduzirão as entrevistas com tipos de perguntas específicas e exploratórias e a documentação dos relatos.

Caso haja evidência suficiente de culpabilidade de alguma parte, deve-se relatar a alta administração e implementar as medidas disciplinares adequadas a criticidade do delito (desde reforço de treinamentos, advertências verbal ou escrita, suspensão ou o desligamento da empresa com ou sem justa causa). Ao se ter evidência e não se aplicar medidas disciplinares pode-se ter um impacto negativo no clima organizacional, onde os colaboradores passam a duvidar da postura ética da empresa. Neste caso, se haviam 3 colaboradores envolvidos (Gte. Suprimentos, Coordenador e Analista) todos, conforme suas participações, devem ter consequências e medidas disciplinares adequadas.

Quanto maior o cargo que ocupar na empresa mais rígidas devem ser as consequências para se dar o exemplo na Alta Administração. Outro ponto importante é a punição, quando houver evidências de envolvimento, de todos os fornecedores e terceiros envolvidos, terminando seus contratos com a empresa e colocando seus nomes e de suas empresas na “black-list” (lista de restrição de cadastramento e contratação), de forma que não possam mais serem contratados por nenhuma área da empresa no futuro.

Devo lembrar que o ato de profissionais da área de suprimentos participarem de refeições ou eventos com fornecedores, ou potenciais fornecedores, em si não é um desvio de comportamento, desde que seja aprovado pela empresa e os fornecedores envolvidos não estejam participando de processo de licitação naquele momento, além de em momento algum ser dada qualquer vantagem indevida ou informações privilegiadas aos terceiros durante estes eventos. Deve-se seguir a política de empresa quanto a refeições, hospedagem, entretenimentos e presentes.

O depto. de suprimentos deve obedecer aos procedimentos e normas internas da empresa quanto a isso. Alguns sinais de possíveis fraudes, roubos ou atos ilícitos na empresa, principalmente envolvendo o setor de compras, são o enriquecimento rápido de algum funcionário com compras pessoais de objetos/veículos/imóveis normalmente acima de seu nível de remuneração na empresa, além de protecionismo ou favoritismo de fornecedores (o que pode até ter sua razão, mas deve ser justificada), entre outros. Cada um dentro de sua organização, deve ser os olhos e ouvidos do comportamento ético, reportando desvios. Isso reforça a cultura da transparência e da integridade empresarial. Lembre-se: VOCÊ tem um papel importante nisso.

O que a empresa pode fazer para se proteger dessas situações?

As medidas de proteção de desvio de comportamento ou quebra de princípios éticos, descritos no Código de Ética e Conduta da empresa, necessariamente passa por uma comunicação e divulgação clara destes princípios, além de treinamentos regulares para todos os colaboradores e também aos fornecedores (ao menos aos principais), em conjunto com controles internos de detecção de pagamentos repetitivos ou de grandes montantes sem a devida aprovação e auditorias internas. O processo de diligência devida (ou Due Diligence) na avaliação de fornecedores é fundamental e deve ser bem implementada com recursos adequados. O próprio canal de denúncia, bem comunicado e aparente nos locais de trabalho também fazem parte do processo de defesa da empresa.

Contudo, um dos pontos mais relevantes na prevenção de atos ilícitos são os exemplos dados pela Alta Administração da empresa reforçando a cultura e princípios éticos em reuniões com colaboradores, comunicados, ações pessoais claras e tomando decisões rápidas e assertivas na correção de desvios ou atos ilícitos, implementando ações de mitigação de forma que não voltem a acontecer.

Há bastante divergência na posição das empresas quanto a relatar internamente ou não fraudes, roubos ou atos ilícitos, e se devem ou não relatar estes para a polícia ou eventualmente aos órgãos governamentais reguladores de forma a quebrar o ciclo de golpes destes criminosos. Claramente que cada empresa tem suas políticas e normas internas, mas sempre deve-se observar a confidencialidade das denúncias e investigações. Internamente, o que algumas empresas fazem é introduzir alguns elementos de casos investigados em treinamentos e palestras de Compliance a colaboradores, podendo-se assim dividir as aprendizagens para que não voltem a ocorrer, mas jamais mencionando nomes de pessoas/empresas envolvidas. Outro ponto a ser considerado é a criticidade do ato ilícito, devendo-se envolver o setor jurídico da empresa em decisões se devem ou não reportar o evento e pessoas envolvidas à polícia ou reguladores para ações. Em casos mais graves, o que não é este exemplo, envolvendo lavagem de dinheiro, cartel ou corrupção, a omissão da empresa também pode ter consequências, o que é determinado em leis específicas conforme o ilícito. Faça sempre a coisa certa e na dúvida, pergunte a seus gestores ou à área de Compliance = Transparência é a melhor defesa da Ética.

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Marcos Muniz Rossa*

Compliance Officer da Cushman & Wakefield para América do Sul e embaixador de ImPACTO da Rede Brasil do Pacto Global da ONU para Ações Coletivas de Combate à Corrupção no Brasil, professor Convidado de Compliance da PUC-Campinas e membro do Comitê de Compliance da Nova Engevix Participações S.A. Tem 30 anos de experiência como executivo em empresas como Shell e Grupo Libra, tendo ocupado posições de liderança no Brasil, América Latina e a nível global (baseado em Londres/Inglaterra). É sócio diretor na empresa de consultoria de Compliance Anticorrupção (Máxima Integridade Ltda). Bacharel em Administração de Empresas pela EAESP-FGV/SP, MBA em Marketing pela PUC/RJ, pós-graduação em Gestão de Riscos e Compliance pela FIA/SP (tese: Ações Coletivas de Combate à Corrupção no Brasil).