São Paulo vai inundar de novo e a culpa será de São Pedro

Por José Eduardo Cavalcanti*

As fortes chuvas que caíram no dia 9 de fevereiro deste ano, apesar de intensas, não
tiveram comportamento excepcional, pois repetiram intensidade similar às de 2019. No
entanto, ocasionaram 88 grandes pontos de alagamentos na cidade de São Paulo, além da
inundação da Ceagesp e transbordamento dos rios Tietê e Pinheiros, bem como de vários
córregos afluentes. Com isso, diversos trechos das marginais e de muitas ruas da Capital
ficaram intransitáveis, causando transtornos e prejuízos incalculáveis para a Região
Metropolitana. Os municípios a jusante, desde Santana do Parnaíba até Salto, também
foram fortemente impactados com inundações.

O controle das cheias é cumprido por meio da operação do canal Pinheiros, que inclui,
além de outras estruturas hidráulicas, duas usinas de bombeamento: Traição, agora
denominada São Paulo, e Pedreira. Ambas têm desempenhado papel fundamental na
mitigação de transbordamentos dos rios urbanos.

No entanto, esse sistema, em face da crescente impermeabilização do solo e do
consequente aumento da velocidade de chegada das águas de chuvas aos rios e córregos,
tem se mostrado subdimensionado para as condições atuais. Observa-se que a última
instalação de bomba na Usina de Pedreira foi em 1993, há 27 anos, e na de Traição, em
1977, há 43 anos. Ou seja, muito tempo sem reforço no bombeamento, provocando uma
desproporção na capacidade de vazão.

Assim, recomenda-se fortemente a instalação de novas bombas nas usinas do rio
Pinheiros. Ressalte-se que, na de Pedreira, já existe espaço reservado para mais uma
(aumento de 20% na capacidade de escoamento). Na de Traição, por meio da expansão
da casa de máquinas, caberiam mais duas (expansão de 50%).

Cabe explicar que as novas bombas da Usina de Traição poderiam operar em uma cota
mais baixa do que a atual em cerca de 1,5 metro, criando volume de espera
correspondente a 1,5 milhão de metros cúbicos no trecho que vai do local até o rio Tietê.
Isso corresponde a cerca de 15 novos piscinões, sem qualquer obra adicional,
excetuando-se a adequação da calha do rio Pinheiros em alguns de seus pontos.

O investimento de aproximadamente R$ 500 milhões na instalação das três bombas
novas representaria, sem dúvida, melhoria significativa no controle de cheias na Grande
São Paulo e na Região do Médio Tietê. A obra reduziria os transtornos, prejuízos e o risco
de mortes decorrentes de inundações, que têm assolado cada vez mais a população nos
últimos anos. E a culpa disso, todos os anos, é sempre colocada na conta de São Pedro…

Portanto, causa perplexidade o fato de a Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A.
(EMAE) iniciar processo para licitar a cessão comercial de toda a área do teto e do
entorno da Usina de Traição, com o objetivo de estabelecer no local uma espécie de
“Porto Madero” paulistano. Isso inviabiliza a construção do canal de derivação e a
instalação de novas bombas, o que seria um desastre para São Paulo e as 17 cidades que
integram a Bacia do Médio Tietê.

“Tietê”, da língua Tupi, significa caudaloso e de muitas águas. E é isso que ele trará para
muitas cidades do estado, caso não seja respeitado e tratado como precisa. Tanto no
aspecto da poluição, quanto no do seu volumoso correr pelos muitos municípios
paulistas.

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*JOSÉ EDUARDO W. DE A.  CAVALCANTI

É engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia

E-mail: [email protected]

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

 


A Usina São Paulo e o controle de cheias na Região Metropolitana de São Paulo

Por Marcio Rea**

Ao ler o artigo São Paulo vai inundar de novo e a culpa será de São Pedro, do Sr. José Eduardo W. de A. Cavalcanti, publicado no dia 9 de setembro, o leitor pode ser induzido a pensar que o sistema de controle de cheias da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) está reduzido ao Canal Pinheiros, com suas duas usinas elevatórias (Pedreira e São Paulo, antiga Usina Elevatória de Traição). Na realidade, o complexo engloba rios e córregos da RMSP, se estendendo para o Médio Tietê e Baixada Santista.

No caso das chuvas de fevereiro, o autor não leva em consideração a magnitude do evento – segundo o INMET, choveu 114 mm, o segundo maior volume diário de chuvas para o mês de fevereiro em 77 anos – tampouco as medidas mitigatórias que o controle de cheias proporcionou.

Para se ter uma ideia, em um único ponto do sistema, na barragem Edgard de Souza, choveu em 24 horas 121% do que era previsto para o mês de fevereiro inteiro. Na confluência do Canal Pinheiros com o rio Tietê, a chuva foi de 84% do previsto para o mês. Mesmo assim, o sistema de bombeamento atuou conduzindo as águas para o reservatório Billings, evitando maiores transtornos para a população.

Ao afirmar que ‘recomenda-se fortemente a instalação de novas bombas nas usinas do Pinheiros‘, o autor não indica qual estudo técnico o levou a essa conclusão, assim como não explica a origem do orçamento de R$ 500 milhões, que afirma ser necessário para implantação de novas bombas.

A transformação da Usina São Paulo em um centro de lazer, compras e escritórios não impede eventuais projetos de ampliação do sistema de controle de cheias. O objetivo aqui é a junção da atividade original da usina elevatória com novos usos, abrindo espaços de convivência para a população. Como exemplo, podemos citar a Sala São Paulo, um dos orgulhos do nosso Estado, que conjugou uma estação ferroviária com uma das melhores salas de concerto do mundo, a Usina São Paulo também permitirá a convivência de duas atividades distintas em um mesmo espaço.

Para que o leitor não seja induzido a conclusões baseadas em informações parciais, é importante destacar que o projeto de revitalização da área no entorno da Usina São Paulo não é uma iniciativa isolada. Integra o Programa Novo Rio Pinheiros, no qual o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente e das empresas a ela vinculadas, vem atuando para tornar o Pinheiros um exemplo de recuperação ambiental. Entre as ações já em andamento, temos o desassoreamento, que proporciona o aprofundamento da calha e possibilita a recepção das ondas de cheia e a ampliação do tempo para transitar os volumes d´água, seja bombeando, seja descarregando de forma controlada para o Rio Tietê. Desde o início deste projeto, foram removidos 240 mil m³ de sedimentos em desassoreamento do leito do canal, volume que corresponde a mais de 15 mil caminhões basculantes. Além disso, foram retiradas do canal 12 mil toneladas de resíduos, entre garrafas pet, bicicletas, pneus e plásticos.

Outra ação em andamento é a recuperação da qualidade das águas do Canal Pinheiros, com a coleta, afastamento e tratamento de esgotos pela Sabesp, fato que permitirá a retomada do bombeamento em frequências maiores, também criando condições propícias para recepção e amortecimento das ondas de cheias.

Para o bem do debate, não se pode abordar a questão do controle de cheias na RMSP de forma parcial. Essa função é essencial e merece grande atenção, como de fato tem sido a tônica deste Governo. O tema merece uma análise mais ampla, visualizando os benefícios que a revitalização da Usina São Paulo trará para a sociedade.

**Marcio Rea é diretor-presidente da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae)

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CONTRAPONTO
Com relação as grandes chuvas que assolaram a RMSP em fevereiro, os comentários do presidente da EMAE querem induzir o leitor a achar que se tratou de uma simples “ação eventual de São Pedro”, e que, portanto, estamos todos perdoados, pois a cheia seria inevitável. Nos desculpe, mas não é verdade. Podemos fazer análises mais abrangentes e mostrar que se tratou de uma chuva forte, mas o fato de termos em alguns pontos de medição um valor maior, não quer dizer que essa foi a maior chuva da Região Metropolitana como um todo. E além disso, medias históricas são referencias excelentes para se elaborar estudos e projetos, com base cientifica, para conter as cheias em determinadas regiões. E nesse aspecto, estamos atrasados. E a cheia mencionada apenas mostra essa realidade. E ainda dizer que o sistema de controle de cheias do Pinheiros foi essencial para aquele evento, apenas reforça nossa posição de que de fato foi essencial, mas INSUFICIENTE.
Nossos comentários foram justamente nesse sentido, ou seja, as medias históricas das chuvas tem mostrado, até mesmo para os leigos, que temos que investir na infraestrutura para controle das cheias, e não apenas na “maquiagem” das instalações estratégicas dedicadas para esse fim. Nesse sentido, a ampliação da capacidade de bombeamento do Rio Pinheiros é absolutamente fundamental. E as providencias nesse sentido estão muito atrasadas e deveriam começar imediatamente.
Medidas de melhoria das condições ambientais dos rios da Região Metropolitana de São Paulo são absolutamente essenciais e inadiáveis, tanto dos aspectos visuais como de qualidade das águas. Igualmente são importantes as ações para garantir os fluxos hidráulicos como desassoreamento e remoção de detritos. Mas o foco de nosso artigo não foi esse, mas sim a segurança operativa e os resultados efetivos do controle de cheias da Região Metropolitana.
O projeto de revitalização da Usina São Paulo, como está sendo apresentado, impede definitivamente o uso da margem leste do rio, ao lado da usina São Paulo, para instalação de novas bombas, o que seria absolutamente vital para o controle de cheias. Desta forma, a sociedade estará “condenada” a conviver com cheias que afetam sua rotina, seus negócios e principalmente a vida e a segurança de suas famílias.
Os custos mencionados em nosso artigo, de R$ 500 milhões são apenas referencias estimadas com base no porte das unidades de bombeamento das usinas do rio Pinheiros, em relação ao mercado de máquinas de porte similar. A confirmação, ou ajustes desse valor obviamente demanda um estudo detalhado e orçamentos confiáveis. Mas certamente é algo dessa ordem de grandeza. Isso indica como podemos através de investimentos relativamente “tímidos”, em termos de obras de infraestrutura, obter resultados excepcionais para a sociedade.
Com relação ao fundamento dessa medida, ressaltamos que existem estudos técnicos, elaborados por organismos científicos de credibilidade e pela própria EMAE que indicam uma situação crítica com relação ao tempo de recorrência de cheias atual, e que a implantação de novas bombas ampliaria esse tempo em pelo menos 10 vezes. Na prática, significa dizer que os riscos de cheia na bacia do Pinheiros e Tiete na Região Metropolitana seriam reduzidos a 10% do atual. E a população agradeceria muito por isso.