A demanda de água potável no Brasil pode aumentar quase 80% até 2040 diante de mudanças econômicas, demográficas e climáticas. É o que aponta um estudo do Instituto Trata Brasil com a Ex Ante Consultoria divulgado nesta quarta-feira (26) e obtido com exclusividade pelo G1.
O trabalho estima cenários da demanda futura de água no país para pensar como o setor de saneamento básico deve se planejar para conseguir atender a população de forma eficiente e sustentável.
Um dos principais cenários prevê mudanças expressivas no padrão de consumo dos brasileiros e uma elevação otimista do PIB per capita. O período analisado é de 2017 a 2040. Os dados mais recentes do setor se referem a 2018.
Considerando apenas os crescimentos econômico e demográfico dos próximos anos, os brasileiros devem demandar 14,3 bilhões de metros cúbicos de água em 2040. Esse valor é 43,5% superior à quantidade de água que foi efetivamente entregue para a população em 2017 (10 bilhões de metros cúbicos).
Isso significa, segundo o estudo, que o país precisaria de 4,4 Sistemas Cantareiras cheios a mais só para atender a água adicional em 2040.
“Os fatores econômico e demográfico são clássicos. O demográfico quer dizer que vai haver uma expansão da população, e, aí, surgem novas bocas para serem alimentadas e nutridas com água”, diz Fernando Garcia, o principal pesquisador do estudo.
Segundo ele, o consumo de água também aumenta com a idade, principalmente na idade ativa, de trabalho. “Esse processo de crescimento ainda é intenso no Brasil, o que deve gerar um aumento de demanda de água nas residências nos próximos anos.”
Já o aumento da demanda por causa de questões econômicas acontece principalmente quando existe crescimento com mobilidade social, em que as pessoas mudam para moradias melhores e demandam mais o serviço de água tratada.
“O Brasil está com uma tendência forte de reduzir a população rural e aumentar a população urbana. Mesmo que a pessoa continue trabalhando no campo, ela está morando na cidade. Isso faz com que as cidades cresçam e demandem mais água.”
Além disso, outro ponto importante é a ampliação da cobertura do serviço de água encanada. “Neste cenário mais otimista, o Brasil terá acesso universal ao serviço de água potável em 2040. É um cenário que a gente espera que ocorra, já que os indicadores estão crescendo, mesmo que lentamente, nos últimos anos”, diz Garcia.
Segundo os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), de 2018, 83,6% da população brasileira é atendida com água tratada. Em 2011, esse percentual era de 82,4%.
“Consideramos um crescimento econômico razoável. Não é chinês, mas é parecido com o que tivemos nos últimos 15 anos. Também consideramos o ritmo de urbanização de acordo com o nosso histórico, mas aceleramos os investimentos para universalizar a água, já que a disposição de investir no setor está grande com o novo marco regulatório. É um mundo possível de ser atingido, mas é um desafio imenso.”
Desperdício de água
O desafio fica ainda maior se o país continuar mantendo os mesmos índices de desperdício e de perda de água na distribuição que tem hoje.
Atualmente,o Brasil perde quase 40% da água potável que produz por causa de vazamentos, roubos e erros de medição. Isso significa que a produção teria que aumentar ainda mais para que o país consiga entregar água para todo mundo que precisa em 2040.
O estudo considera que o país teria que produzir 7 bilhões de metros cúbicos de água a mais em 2040 se, além dos crescimentos econômicos e demográficos, o desperdício também for considerado. Isso equivale a um aumento de 70,5% em relação ao que foi entregue em 2017.
O trabalho também destaca que o que foi desperdiçado em 2017 (3,8 bilhões de metros cúbicos) quase seria suficiente para suprir a demanda incremental de água por conta dos crescimentos econômicos e demográficos no país (4,3 bilhões de metros cúbicos).
Ou seja, se o país conseguisse reduzir o desperdício, não precisaria captar muito mais água da natureza para cobrir o aumento de demanda dos próximos anos.
“A gente tem que fazer investimentos incrementais e começar a fazer uma política de redução de perdas. Você cresce a oferta de água para as famílias sem pressionar os recursos hídricos, o meio ambiente”, diz Garcia.
“É uma meta de sustentabilidade para o setor, de não apenas crescer e esgotar os recursos. E tem que fazer a conta, pois tem muita empresa que perde dinheiro com esses desperdício que teria como melhorar.”
Aquecimento global
Além dos três fatores já analisados, o estudo também considera as mudanças climáticas e os impactos que elas podem causar na demanda de água potável no país.
O levantamento mostra que o acréscimo de 1°C na temperatura máxima ao longo do ano até 2040 no Brasil elevaria o consumo de água em 2,4%.
Assim, considerando os crescimentos econômicos e demográficos, os atuais níveis de desperdício e o aquecimento global, o valor final de produção a mais de água chega a 7,6 bilhões de metros cúbicos, 76,1% a mais que o total de água efetivamente entregue no Brasil em 2017.
“Esse aumento de mais de 2% por causa do aquecimento global não é muito quando você considera todos os fatores, mas é um desafio adicional”, diz Garcia.
“É importante destacar que esse efeito não é homogêneo no país. Não vai ter problema nenhum com escassez de água na Amazônia, no Pantanal e no litoral. Mas, na região semi-árida, a gente vai ter um ‘problemão’. Vai faltar recurso hídrico de forma sistemática”, diz o pesquisador.
Por isso, segundo o ele, este é um fator que deve ser acompanhado de perto.
“A umidade relativa do ar cai, diminui a entrada de água nos mananciais e tem maior evaporação de água reservada. Além disso, com mais calor, tem mais demanda de água pela população. E esse não é um problema brasileiro, é uma questão mundial”, diz.
Assim, diante do aumento expressivo de demanda de água para os próximos anos, Garcia destaca que os investimentos no saneamento básico têm que ter bom planejamento (inclusive, de longo prazo).
“Tem que investir muito para correr atrás disso. Tem que racionalizar, pois tem um desperdício muito grande. E tem que monitorar o aquecimento global e os impactos locais e fazer políticas para mitigar esses efeitos”, diz o pesquisador.