Quase metade da população do Brasil continua sem acesso a sistemas de esgotamento sanitário, o que significa que quase 100 milhões de pessoas, ou 47% dos brasileiros, utilizam medidas alternativas para lidar com os dejetos – seja através de uma fossa, seja jogando o esgoto diretamente em rios.
Além disso, mais de 16% da população, ou quase 35 milhões de pessoas,não têm acesso à água tratada, e apenas 46% dos esgotos gerados nos país são tratados.
Os números são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), divulgados neste ano e referentes a 2018, e refletem a atual situação dos serviços básicos de água e esgoto no país.
Nesta quarta (24), o novo marco legal do saneamento básico deve ser votado pelo plenário do Senado. A regulamentação do setor está em discussão desde 2018. Veja os principais pontos do projeto.
Além do marco, o setor também se baseia em outras diretrizes legais para o estabelecimento e o funcionamento do serviço.
A Lei do Saneamento Básico, de 2007, prevê a universalização do abastecimento de água e do tratamento da rede de esgoto no país. Ela também estabeleceu regras básicas para o setor ao definir as competências do governo federal, dos estados e dos municípios para os serviços, bem como a regulamentação e a participação de empresas privadas.
O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), de 2014, também estabelece metas de curto, médio e longo prazo pro setor, o que inclui a universalização dos serviços de água, esgoto e lixo até o ano de 2033.
Como os dados apontam, porém, a universalização ainda está longe. Veja abaixo os principais índices e tendências dos últimos anos nas coberturas de água e esgoto no país.
A cobertura de água e esgoto melhorou…
Mesmo que em ritmo lento, as coberturas de água e de esgoto têm melhorado no Brasil nos últimos anos. Em 2011, por exemplo, 82,4% da população tinha acesso à água tratada. Já em 2018, o índice passou para 83,6%.
O avanço foi maior nos indicadores de população com acesso à rede de coleta de esgoto, que passou de 48,1% em 2011 para 53,2% em 2018. A proporção de esgoto tratado também passou de 37,5% para 46,3%.
Mesmo assim, como já foi dito, estes índices indicam que milhões de brasileiros seguem sem acesso aos serviços básicos de saneamento.
…mas o desperdício de água aumentou
Apesar da melhora nas coberturas de água e esgoto, o desperdício de água aumentou pelo terceiro ano seguido no Brasil, segundo estudo do Instituto Trata Brasil feito em parceria com a Water.org.
- Em 2015, 36,7% da água potável produzida no país foi perdida durante a distribuição.
- Já em 2018, o ano mais recente com os dados disponibilizados, o índice atingiu 38,5%.
Isso significa que, a cada 100 litros de água captada da natureza e tratada para se tornar potável, quase 40 litros se perdem por conta de vazamento nas redes, fraudes, “gatos”, erros de leitura dos hidrômetros e outros problemas.
Em 2018, a perda chegou a 6,5 bilhões de metros cúbicos de água, o equivalente a 7,1 mil piscinas olímpicas desperdiçadas por dia.
Além disso, como essa água não foi faturada pelas empresas responsáveis pela distribuição, os prejuízos econômicos chegaram a R$ 12 bilhões, o mesmo valor dos recursos que foram investidos em água e esgoto no Brasil durante todo o ano.
A universalização está distante…
Um estudo da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) divulgado neste mês aponta que 98 cidades brasileiras estão perto de atingir a universalização do saneamento.
O levantamento foi feito com 1.857 cidades –que concentram 33% dos 5.570 municípios brasileiros, mas 70% da população.
Para fazer parte do estudo, as cidades precisavam ter dados disponíveis sobre cada uma das cinco categorias a seguir: abastecimento de água, coleta de esgoto, tratamento de esgoto, coleta de resíduos sólidos e destinação adequada de resíduos sólidos. Por não terem informado um ou mais desses indicadores, 3.713 municípios ficaram fora do levantamento.
A ABES atribuiu uma pontuação de 0 a 500 com base na situação dos municípios nas cinco categorias listadas acima. O ranking foi assim dividido:
- Mais de 489 pontos: rumo à universalização
- De 450 a 488,99 pontos: compromisso com a universalização
- De 200 a 449,99 pontos: empenho para a universalização
- Abaixo de 200 pontos: primeiros passos para a universalização
As 98 cidades perto de atingir a universalização sobressaem em relação às demais no fornecimento dos serviços. O índice de abastecimento de água, por exemplo, é de 99,4%, contra 79% considerando todos os municípios. Já a coleta de esgoto neste grupo atinge 98,3% da população, contra a média de 59,5%.
A maior parte das cidades está em uma faixa de pontuação considerada intermediária. E, mesmo que os números tenham avançado nos últimos anos, o estudo destaca que este avanço tem sido insatisfatório.
…há baixo reinvestimento no setor…
Um estudo do Instituto Trata Brasil feito com as 100 maiores cidades do país aponta que a maior parte delas tem um baixo nível de reinvestimento no setor de saneamento básico.
Isso quer dizer que, do valor arrecadado, apenas uma pequena parcela é utilizada para fazer melhorias no serviço, como a manutenção e a troca de redes e a expansão dos atendimentos. A maior parte é gasta com pagamento de funcionários ou insumos, como produtos químicos.
Das 100 cidades, 70 reinvestem menos de 30% do que arrecadam no setor. Apenas seis investem 60% ou mais na melhoria dos serviço – são tão poucas que são consideradas “outliers” pelo estudo, ou seja, atípicas ou “fora da curva” da tendência geral.
O estudo destaca que os investimentos atualmente realizados estão abaixo da necessidade para a universalização dos serviços.
De acordo com dados do Plano Nacional de Saneamento Básico, o investimento para alcançar a universalização até 2033 devia estar em torno de R$ 24 bilhões ao ano, sendo que, ao longo dos últimos anos, os valores efetivamente investidos ficaram em torno de metade do necessário (R$ 12 bilhões).
…e o saneamento segue gerando problemas na saúde
Apenas nos três primeiros meses deste ano, a falta de saneamento gerou mais de 40 mil internações no Brasil. As internações ocuparam, em média, 4,2% dos leitos do SUS no período. Além disso, os gastos chegaram a R$ 16,1 milhões, segundo um estudo da ABES.
O estudo avalia doenças como cólera, diarreia e amebíase, enfermidades que, segundo a publicação, são típicas de ambientes precários, sem saneamento ou com saneamento inadequado.
O estudo da ABES ainda aponta as diferenças regionais nos dados de internação e ocupação de leitos. Mesmo que a média de ocupação de leitos do trimestre tenha sido de 4,2%, há estados em que os sistemas de saúde ficaram bem mais comprometidos.
O Maranhão, por exemplo, se destaca negativamente, com uma ocupação de 17,6% dos leitos do SUS. Já São Paulo teve uma média de ocupação de 1,7% no período.
Como o novo marco pode mudar este cenário?
Segundo Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, o texto do marco que deve ser votado nesta quarta busca reparar várias lacunas da Lei do Saneamento Básico, de 2007, o que pode ajudar a melhorar os indicadores do setor nos próximos anos.
“O projeto de lei busca cobrir uma série de lacunas que a lei de 2007 tem. Regionalidades dos planos municipais de saneamento, para que pequenas cidades possam se juntar para fazer um plano. A questão da obrigatoriedade da conexão das casas nas redes, que até hoje era voluntário. E uma maior abertura para o setor privado entrar no saneamento”, diz.
Carlos explica que, atualmente, 94% dos municípios do país estão nas mãos de empresas públicas. Só 6% têm participação privada. “Só que, desde 2018, o governo federal vem dizendo que esse formato baseado em apenas investimento publico já esgotou suas possibilidade. Temos que encontrar uma nova forma”, diz.
“Hoje, nós temos empresas com contratos de 30 anos. Quando elas não conseguem executar o serviço, continuam com seus contratos do mesmo jeito, não há cobrança. E, na maioria das cidades, os serviços são ruins, não avançam. Aí o cidadão continua lá, sem água e sem esgoto, enquanto o contrato continua”, diz Édison Carlos.
Em entrevista ao programa GloboNews em Ponto nesta quarta, o relator da novo marco, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), também falou sobre a falta de recursos e a mudança nos contratos de exploração do setor proposta no projeto de lei.
“Os pequenos municípios, os pobres, e até mesmo nos grandes, as periferias não têm investimento em saneamento porque não houve recurso suficiente pra investir nas áreas que não tem retorno. Esse é o defeito do nosso marco regulatório de hoje. Existe um monopólio das empresas estatais que fazem com os municípios um tipo de contrato que chama contrato de programa, que não obriga licitação, atingimento de metas e só pode ser feito entre dois entes públicos”, afirmou o senador.
“O que o projeto propõe é que seja transformado em concessão, pra que aquele que vai fazer o serviço concorra com outras empresas e que atinjam metas em determinado tempo. Nestas concessões, licitações, existe uma fórmula inovadora dos blocos ou regionalização. (…) Isso não existe hoje nos contratos de programas. Esta é a maneira de tentarmos universalizar o serviço de saneamento básico para todas os cidadãos do Brasil.”
Édison Carlos também cita outro ponto da proposta que, segundo ele, vai ajudar a padronizar o setor e a melhorar o funcionamento das empresas reguladoras. “Hoje, nós temos 52 agências reguladores, pois a lei atual permitiu isso. Isso gera dificuldade das empresas conversarem sobre tarifas e regulamentos. Nessa redação que vai ser votada hoje, coloca-se a figura da Agência Nacional de Águas como formuladora das normas, para que todas as agências reguladores usem os mesmos critérios.”
Além das melhoras sanitárias, de saúde, e de funcionamento dos contratos, o senador Tasso Jereissati também diz que a lei pode “ajudar” a economia. “No saneamento básico, em nenhum país do mundo tem esse campo enorme pra se trabalhar. Por isso atrai investidores nacionais e internacionais com enorme apetite, onde existe no mundo um processo de liquidez. Pode ser uma alavanca de retomada da economia e do emprego no nosso país”, afirma.
Por Clara Velasco
Fonte G1