Médicos, designers e engenheiros de São Paulo desenvolveram um novo sistema de ventilação pulmonar, de baixo custo e adequado à produção em larga escala, para suprir a demanda por respiradores em hospitais durante a pandemia do novo coronavírus.
O objetivo dos pesquisadores é fabricar um equipamento similar aos que já existem no mercado para que ele possa permanecer nos hospitais após o fim do surto de Covid-19. Uma das principais características da doença é o alto índice de pacientes internados que precisam fazer uso de respiradores.
A meta é que o aparelho eletrônico, chamado de VentFlow, custe entre R$ 12 mil e R$ 15 mil e que as primeiras 200 a 400 unidades sejam entregues entre maio e junho. Segundo os pesquisadores, modelos comerciais similares custam até R$ 150 mil e estão em falta no mercado porque dependem de insumos importados.
Apesar de ser menos econômico do que outros modelos experimentais, como o protótipo feito pela USP com custo estimado de R$ 1 mil, o equipamento desenvolvido pelo grupo tem outras vantagens: ele é equivalente a aparelhos já usados comercialmente e pode ser produzido em larga escala por indústrias que já demonstraram interesse no produto.
Duas fabricantes já foram licenciadas para a produção dos respiradores no Brasil: uma indústria de equipamentos médico-hospitalares e outra de tecnologia em automação.
A iniciativa é coordenada pela consultoria de inovação Questtonó e inclui grupos de especialistas da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, da Associação Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), do Hospital São Paulo e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
“Nós partimos da necessidade que um médico tem pra tratar um paciente. Um grupo de médicos detalhou o que era preciso e, a partir daí, os engenheiros criaram uma solução, mas com a gente lado a lado, falando o que funciona. Não é uma solução técnica”, explica o médico Luiz Fernando Falcão, professor e vice-chefe de anestesiologia da Unifesp.
Segundo o médico, que também é diretor da Sociedade de Anestesiologia de São Paulo, testes feitos na Unifesp mostraram que “o equipamento teve sucesso completo, em análises de trocas gasosas e de mecânica respiratória.”
Legado para os hospitais
O aparelho já foi testado por pesquisadores da Unifesp, usando corpos doados para a ciência, e seu funcionamento mostrou-se eficaz na comparação com equipamentos tradicionais. Os médicos avaliam se ele ainda deve passar por testes em humanos ou em animais antes de ser certificado. A etapa não é obrigatória, já que a certificação deve ocorrer por semelhança, uma vez que ele funciona da mesma maneira que os modelos já existentes no mercado.
A documentação regulatória para liberar o produto está sendo coordenada pela empresa alemã de certificação TÜV Rheinland e será submetida à Anvisa nos próximos dias. A agência já acompanha o processo de desenvolvimento do respirador há 30 dias, segundo os responsáveis.
Levi Girardi, CEO da Questtonó, explica que a ideia é que os equipamentos sejam equivalentes aos comerciais e que fiquem como legado para os hospitais após a Covid-19.
“Ele não é um equipamento alternativo, que ainda está em estudo, ele é um ventilador convencional, como qualquer outro do mercado, porém feito com componentes que não estão em falta, o que permite que a indústria deixe de produzir centenas e vá pra casa dos milhares de ventiladores produzidos por mês”, explica.
“A gente entende que, quando essa pandemia passar, isso vai ser um legado que vai ficar. É importante que, quando a gente fale de um equipamento de suporte à vida, que a gente siga todas as regras que já existem porque, hoje, a gente precisa salvar vidas, mas amanhã a gente quer deixar isso pro Brasil”, afirma Girardi.
O equipamento foi concebido para que seja de uso acessível, tenha baixo custo, esteja disponível em grande escala e seja apropriado às necessidades médicas. Essas características são listadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um princípio para o desenvolvimento de novos equipamentos médicos no mundo.
Segundo a organização, cerca de 70% dos dispositivos mais complexos não funcionam quando chegam ao destino, nos países em desenvolvimento. Os principais motivos são problemas de energia elétrica, falta de insumos para operar o equipamento, manutenção inadequada e um design que não considera a cadeia de suprimentos do contexto local. A pesquisa foi feita em 33 hospitais de 10 países.
A escassez de equipamentos do tipo também é uma realidade no Brasil: aproximadamente 33% dos municípios brasileiros têm, no máximo, dez respiradores mecânicos nos hospitais públicos e privados. Segundo o Ministério da Saúde, há 65.411 ventiladores mecânicos no país, sendo que 46.663 estão no Sistema Único de Saúde (SUS). Do total, 3.639 encontram-se em manutenção ou ainda não foram instalados.
Busca por respiradores em SP
Diante da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), o Brasil enfrenta grande dificuldade para aumentar o número de ventiladores mecânicos, equipamentos essenciais para tratar os casos mais severos da doença Covid-19. Esse entrave tem três causas principais:
- a concorrência com países ricos, que aceitam pagar mais caro pelos equipamentos;
- a baixa capacidade de produção das empresas nacionais, frente à alta demanda;
- e a complexidade da fabricação dos aparelhos.
Indústrias nacionais e estrangeiras alegam que o número de encomendas de respiradores mecânicos disparou desde o início da pandemia. O mundo inteiro quer comprá-los porque o aparelho é decisivo para garantir a sobrevivência de pacientes com falta de ar intensa.
Na semana passada o governo de São Paulo anunciou que aguarda a encomenda de 3 mil respiradoras comprados da China por US$ 100 milhões, o equivalente a R$ 550 milhões. Mas o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou a investigação de irregularidades na compra sem licitação.
Antes disso, o Ministério Público de São Paulo já tinha aberto outro inquérito para investigar essa compra sem licitação. O promotor José Carlos Blat se baseou em uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo que aponta que os respiradores tiveram o preço médio de R$ 180 mil cada, quando modelos similares no mercado custariam R$ 60 mil, o que poderia caracterizar improbidade administrativa.
Em nota, o vice-governador paulista disse que o fornecedor chinês foi escolhido por causa do prazo de entrega dos aparelhos, já que o momento é de priorizar a rapidez para salvar vidas, conforme o decreto estadual de calamidade pública em São Paulo.
A Secretaria Estadual da Saúde também respondeu ao G1 e alegou que o Ministério da Saúde comprou toda a produção nacional dos aparelhos e não repassou ao estado de São Paulo. A pasta negou o sobrepreço dos equipamentos e disse que, inclusive, consultou outras sete companhias antes de escolher esta.