Não foi por acaso que Daniel Castanho e seu grupo deram à sua instituição o nome de Anima Educação. “Anima é ‘alma’ em latim”, lembra o professor. “Numa reunião com todos que trabalhavam lá se perguntou o que a empresa representava para eles. Uma empresa humana, um propósito, trabalhar com sonhos… E se chegou a essa solução.” A ideia de sonho, ou alma, cresceu, e o professor, que começou dando aulas de matemática e física, comanda hoje uma das principais instituições do setor no País, com quase 125 mil alunos e 7 mil profissionais.
Castanho acha essencial definir, na sua área, uma evolução e um sentido. E compara: nos anos 80 a palavra-chave era produtividade, nos 90 globalização, em 2000 já era a gestão de pessoas. O desafio de hoje “é o design organizacional”. A escola “tem de parar de ser um delivery de conteúdo” e ajudar o aluno a crescer numa direção escolhida por ele próprio. Exemplo prático: “A universidade tem de se reinventar através de nanocursos”. O resultado desta maneira de trabalhar é estar, hoje, na lista dos Great Places to Work e “entre as melhores empresas do País para mulheres trabalharem”. A seguir, os principais trechos da conversa.
Fala-se a toda hora que o Brasil precisa de educação. Como avalia hoje a situação dessa área?
Concordo, até porque educação é minha paixão. Não há na história da humanidade uma sociedade que tenha se desenvolvido sem ter por trás uma educação forte. Ela é a locomotiva da transformação, e o professor o artífice desse processo.
O Brasil evoluiu nisso?
Evoluiu na inclusão do cidadão mas não na qualidade. A inclusão foi grande, mas a melhora da qualidade não aconteceu. No ano 2000 a gente tinha 4% da população dos 18 aos 24 anos na universidade. No Chile, já eram, e ainda são, 80%. Nos EUA e outros países desenvolvidos, é de 60% a 80%. Hoje no Brasil são 18%.
Por que esse passo lento por aqui?
O foco inicialmente foi todo na inclusão. O processo começou com o FHC lá atrás, depois vieram o Prouni, o Fies e ampliou-se o número de vagas no ensino superior numa época em que o Brasil vivia o pleno emprego e pouquíssimas pessoas tinham diploma. O simples fato de ter diploma aumentava a empregabilidade de um cidadão em 2 ou 3 vezes. Aí todo mundo começou a procurar as universidades mais fáceis, rápidas e baratas e o grande a meta virou ter um certificado… Os alunos conseguiam o nível intermediário 4 em inglês e não falavam nada da língua. Não conseguiam emprego e sem emprego não conseguiam pagar a mensalidade do curso. Hoje vemos uma maturidade maior das pessoas, elas buscam instituições com marca reconhecida, aprendem alguma coisa.
Como está o grupo Anima nessa transformação?
Assim como nos anos 80 o grande desafio das empresas era a produtividade, nos 90 era a globalização, o marketing. No ano 2000, a gestão de pessoas. E acho que hoje o grande desafio é o design organizacional. As empresas têm de ser ágeis, ter uma visão exponencial. Hoje a Anima está dividida em squads, que são pequenos times que atuam de forma mais ágil para resolver os problemas. Dou um exemplo prático: não cabe mais um vice-presidente de RH, outros de marketing e financeiro. Quem sabe, o grande desafio é termos um “vice da experiência do aluno”, outro “da jornada docente”. Enfim, a gente está redesenhando o Anima. De um lado você tem de ter o desafio de gestão, do outro tem de ser uma empresa ambidestra. O que isso significa? Que você inova o que faz e também investe em projetos MVPs.
O que é MVP?
Produto mínimo viável. Um produto que você pode testar e, se deu certo, impacta o negócio inteiro. Como se fossem várias startups. Pois tem de ser mais ágil ante os desafios.
Como vai ser o emprego no futuro? Como educar um profissional para um emprego que você não sabe como vai ser?
A gente está entrando na era do pós-emprego.
Isso não é quando a gente se aposenta?
Não. O que quero dizer é que as pessoas não terão o vínculo que têm hoje com a empresa. A maioria vai ser free lancer, trabalhando por job, um trabalho mais curto. Então, de um lado você entra numa era pós-emprego, a sua carreira vai ser em espiral, sempre crescendo, nunca em linha reta. Você estará num projeto, depois noutro…
Mas esses projetos não exigirão habilidades diferentes?
Totalmente. E isso significa que a universidade vai ter que se reinventar através de nanocursos, cursos de curta duração. Ao invés de entrar numa faculdade e lá ficar 4, 5 anos, mais 2 de MBA, o seu estudo, sua capacitação, será algo simbiótico, indissociável. Você vai ter uma reunião das 9 às 10, depois uma turma pra estudar das 10 às 11, depois trabalha de novo. Sem aquele negócio de trabalhar das 9 às 6 e depois ir pro MBA. É totalmente integrado. E essa era do pós-emprego vai exigir o quê? Que você seja um empreendedor, o que é diferente do empresário. O empresário corre riscos, o empreendedor trabalha por um propósito. Você trabalha pelo que quer atingir, o seu “ikegai”. Essa é uma palavra japonesa que significa “razão de ser”.
Pode explicar melhor?
É a confluência entre o que você ama, e faz bem, e o que o mundo precisa e que paga para ter. Você não vai trabalhar “para o outro”. Hoje, na universidade, você faz a prova pra passar de ano. Estuda pra mostrar seu certificado pro seu pai, pro seu cônjuge. Mas você tem é que trabalhar pra você, não pro seu chefe.
Ao longo da história, uma grande dificuldade dos seres humanos foi decidir. Saber qual é o seu “ikegai”, seja o que for. Como isso vai acontecer?
O grande desafio é entender, ao longo da vida, quem você é. A estrutura da educação foi desenhada pra se fazer mestrado e doutorado até os 30 anos quando a expectativa de vida era 45. Hoje essa expectativa é de 100 anos. Não dá pra ter o mesmo desenho. Então, primeiro o “ikegai”, o seu propósito. Que você tenha discernimento ao fazer escolhas. Depois, que seja resiliente, não tenha medo de falhar. E que você goste. Ser resiliente, pra mim, não é ter capacidade de segurar pedras, é a de dissolver pedras.
Puxa, mas é difícil. Imagine uma história: “Morreu e vai ser enterrado hoje o fulano, que descobriu o seu “ikegai” aos 95 anos”. Difícil.
Mas sabe qual é o grande desafio? As universidades preparam todo mundo pra ser passivo, porque o professor fala e você fica lá escutando.
Mas uns 90% da humanidade não têm ideia de pra onde querem ir, o que querem ser. Como vão montar isso?
Veja, o sistema de educação foi montado na revolução industrial, quando a meta era tirar pessoas do campo e trazer para a indústria. E se você olha a escola, ela é disciplina, grade curricular. Toca a campainha e você vai tomar um solzinho no pátio, aí volta, todo mundo sentado em uma carteira. A escola vai formatando o aluno como uma peça de um equipamento. Mas hoje, com internet das coisas, a inteligência artificial, os equipamentos ganhando inteligência, o ser humano está perdendo o emprego…
Vamos voltar a ser nômades? Como acontecia antes fixação do homem na era agrícola?
Nômade, não. Ele precisa ser humano, ter empatia, criatividade, aumento de consciência. É trabalhar em equipe, cuidar do outro. Então, o que a escola tem que desenvolver? Ela precisa parar de formatar minions, todo mundo saindo um igualzinho ao outro. Essa é a grande reinvenção. A universidade precisa ser reinventada, aí cada um vai ter o seu propósito.
Sim, não vão ser seguidores.
O que eu quero dizer é o seguinte: o homem, desde os tempos das cavernas, saía de casa e enfrentava um monte de obstáculos para arrumar comida. Quanta gente hoje sai e enfrenta obstáculos só para arrumar comida? O sistema educacional do mundo está falhando. O que há a fazer é atuar para que as pessoas deixem de ser passivas. Hoje um professor diz o que você tem de aprender, você decora. É uma avaliação. Mas a avaliação não pode ser punitiva, tem de agregar valor, ser um feedback para que o aluno possa crescer.
A escola é que faz isso, ou é da natureza do ser humano? E como funciona o mundo sem essas estruturas todas e regras?
Você pode ter estruturas e regras. O que não pode é ter regras tolhendo o ser humano, inibindo o seu potencial. Hoje a universidade não é um lugar onde você aumenta esse potencial. A escola oferece a mesma coisa para todo mundo. Ela deveria ser personalizada. É preciso pensar no “life long learning”, nunca parar de aprender. Ela tem de ser estruturada em nanocursos que façam sentido para cada um.
Uma outra forma de aprender.
Outra coisa: por que aqueles 25 alunos na classe têm de estar na mesma sala? Hoje, com o Google Drive, você pode ter um aluno fazendo um trabalho na Amazônia, um no Recife, ou em Moçambique estudando juntos. E o professor? Qualquer um, de qualquer lugar do mundo. A educação será completamente transformada.
Como o Anima se prepara para esse futuro?
A gente tem uma área de data science. A Anima passou a ser uma empresa data driving: com decisões baseadas em dados. Tem uma área enorme de inovação. Um currículo modular: o aluno escolhe o que fazer. Assim a gente está desenhando o futuro da universidade.
Vão tirar o trabalho dos psiquiatras, dos psicólogos?
Ao contrário. Eles e outras pessoas da área de humanas podem e devem ser os mentores dos alunos. Podem dizer: “Aproveitem esses quatro anos” – e eles vã escolhendo o seu percurso formativo. Antes a escola era um delivery de conteúdo. Hoje o aluno vai construindo sua história.
Você vai oferecer conforme a análise de cada indivíduo?
Não, eu tenho um portfólio de competência aí, que é a curadoria. Do outro lado, a mentoria: conforme cada um eu vou ajudar a fazer as escolhas. Aí sim é a individualização. O sistema de avaliação não é punitivo, é um feedback contínuo.
Assim a gente passa a vida aprendendo.
Não é uma delícia? Eu realmente acredito que o trabalho é pra gente aprender. Sempre pergunto aos que trabalham comigo quando foi última vez em que fizeram algo pela primeira vez. Se faz muito tempo, tem algo errado na vida deles.
Como você faz disso um mundo produtivo, que possa gerar renda e onde as pessoas consigam sobreviver?
O maior problema do mundo é a produtividade, porque as pessoas estão usando seu potencial mínimo. Sabe que numa sala de aula, com uma turma normal, o grupo aprende só 37% do que se ensina? Porque tem gente que aprende menos e isso muda a média. Aliás, sabe um dos grandes desafios de hoje? Os algoritmos das redes sociais. Se a gente tem de trabalhar em squads, todos juntos, com equipes diferentes, a diversidade tem de ser cada vez mais forte. A pessoa não tem de ser bilingue, tem de ser multicultural. Os algoritmos das redes oferecem sempre as mesmas coisas, então você acha que todo mundo pensa igual. Isso está aumentando a xenofobia e diminuindo a empatia entre as pessoas.
Seus sócios pensam como você?
Claro. Sempre tem algum mais conservador, mas a beleza é isso, essa diversidade.
Como fazer na área pública?
É a mesma coisa, só que a universidade é pública. Alguns vão questionar: e o desenvolvimento intelectual? Também faz parte. A arte, a música, desenvolver a sensibilidade, a empatia. O que estou falando é que não é só estar vinculado às empresas, é estar vinculado ao desenvolvimento da sociedade como um todo.
O sistema de hoje é injusto?
Ele está injusto. Por exemplo, acho que nas escolas públicas a gente devia mudar a estabilidade do professor. Eles passam num concurso, ficam lá um tempão e se aposentam. Talvez devesse existir algo do tipo prova da OAB, que avaliasse o mérito e justificasse um aumento de salário…
Por Sonia Racy
Fonte O Estado de S.Paulo