O Instituto de Engenharia homenageia e premia anualmente, desde 1963, um Engenheiro cuja trajetória profissional o tenha destacado pelos relevantes serviços prestados ao País pela prática da Engenharia.
O homenageado de 2019 é o Eng.º Ney Zanella dos Santos
Vice Almirante da Marinha Brasileira, que em sua longa e profícua trajetória profissional, soube, desde o início, combinar a proficiência no domínio das questões afeitas à técnica e à tecnologia com as habilidades sócio comportamentais que atualmente caracterizam o perfil dos bons profissionais.
Paulistano, nascido em 1953, Zanella morou na cidade de São Paulo até seus 18 anos, sempre na região central – Paraíso, Bela Vista e Jardins.
Alfabetizou-se no Grupo Escolar Maria José, na Bela Vista, e sua primeira professora foi sua mãe Neide, que lecionava naquele colégio e também alfabetizou seu irmão mais velho, Nélson.
Como criança distinguia-se pelo foco, seriedade e empenho com que se dedicou aos estudos de música (já a partir dos 4 anos) e depois aos idiomas, mostrando precocemente saber o que queria e como alcançar seus propósitos.
Estudou, depois, no Colégio Pio XII, que ficava ao lado da Beneficência Portuguesa, e ingressou, mais tarde, no exigente Colégio Bandeirantes.
Desde pequeno, Zanella sempre foi muito curioso e interessado em desvendar o funcionamento das coisas. Desmontava tudo o que estivesse ao seu alcance, mesmo sem a permissão dos pais: relógios, torradeiras, rádios, vitrolas, chuveiros e dezenas de outros objetos. Certa vez, quis saber como os pêndulos de um relógio-cuco controlavam a cronometragem do tempo, os movimentos e o som. Desmontou o cuco todo, que nunca mais voltou a funcionar.
Outra característica marcante é seu gosto de se cercar e interagir com pessoas, criando e cultivando relações, tratando todos com simplicidade e igualdade e com o entusiasmo e atenção com que compartilha suas descobertas e experiências com colegas e amigos.
Seus presentes preferidos sempre foram as ferramentas. No sítio da família, onde se criava frangos, porcos e vacas, seu brinquedo predileto era um microtrator Iseki que, claro, ele desmontou até a última peça. Depois, foi a vez de desmantelar o velho jipe. Mas, ele teve mais sorte com os veículos do que com o cuco. Tanto o trator como o jipe funcionaram perfeitamente depois do desmonte.
Por essas e outras iniciativas, sua mãe o matriculou no Mackenzie para estudar eletrônica. Era o seu sonho ser engenheiro eletrônico, e lá aprendeu também com a teoria a montar e consertar coisas. Houve uma vez, num laboratório do Mackenzie, que surpreendeu colegas e o professor pela rapidez com que montou um rádio, que até mudava de estação. Era a conhecida amplitude modulada. E aí ganhou de presente um multímetro japonês que, segundo ele, usa até hoje.
A série Viagem ao Fundo do Mar que passou na TV aos domingos em meados da década de 60, relatando as aventuras do Almirante Nelson e do capitão Crane no submarino Seaview fascinou-o a ponto de eleger a Marinha como seu futuro profissional.
O exemplo do irmão Nelson, combinado ao desejo de aventura e a possibilidade de aprofundar-se nos estudos, levaram-no à Marinha, facilitado pela logística proporcionada pela parte da família que morava no Rio.
Grandes mudanças ocorreram em sua vida quando foi estudar na Escola Naval, no Rio de Janeiro, a primeira escola de nível superior do país, criada em 1782.
Logo na entrada, teve seu trote aliviado, porque os veteranos descobriram que ele montava rádios. O então aspirante Zanella passava horas e horas no Grêmio de Rádio montando amplificadores de som, fontes de alimentação, multivibradores etc. E assim passou a ser protegido pelos veteranos e se livrou de muitas troças e brincadeiras malandras que os mais velhos impunham aos novatos.
Anos depois, num período de férias o estudante aspirante da Marinha teve a oportunidade de vivenciar o submarinismo numa missão à África que o fascinou desde o cerimonial de batismo do mergulho, como pela intensa interação com as pessoas, pela proximidade do trabalho e pela integração para enfrentar os desafios de fazer tanta coisa num ambiente confinado, que o levaram a dedicar-se ao submarinismo.
Seu colega mais próximo na Escola Naval era o aspirante Posada, do qual é até hoje grande amigo. Também muito curioso, Posada uma vez desmontou o motor do seu velho DKW e espalhou no chão da garagem todas as peças. Teve que chamar o amigo Zanella para ajudar na montagem.
Com esse viés, a carreira de Zanella na Marinha sempre esteve ligada à Engenharia, embora ele fosse oficial do Corpo da Armada e não pertencesse ao quadro de engenheiros da Força. Suas atividades estiveram relacionadas ao Arsenal da Marinha, no Rio de Janeiro, estaleiro que repara e constrói navios e submarinos. A bordo dos submarinos, suas incumbências eram técnicas, e a sua formação ajudou muito na condução e solução das avarias que ocorriam durante as navegações.
Conhecedora do seu perfil técnico, a Marinha designou o já Almirante Zanella para ativar a Secretaria de Ciência, Tecnologia & Inovação e estruturar o setor de pesquisa sob sua administração. Faltava juntar o setor nuclear que, como ele já previa, se agregaria em curto prazo. Atualmente, todo o setor de Pesquisa e Desenvolvimento da Marinha está sob o mesmo guarda-chuva, o que, na avaliação de Zanella, aumenta a sinergia, agrega os pesquisadores e otimiza os recursos.
Ao sair do serviço ativo da Marinha, o Almirante foi chamado para ativar, na sua terra natal, a futura empresa Amazul – Amazônia Azul Tecnologias de Defesa SA. Zanella costuma rir ao se lembrar de que, no início, eram 7 pessoas, incluindo o motorista, para fazer erguer uma estatal. A empresa foi aberta em 2013, com um capital inicial de R$ 7.500,00. Se duvidarem, consultem a ata de ativação da Amazul. Portanto, o carro em que andava o seu presidente era bem condizente à realidade. Era com um Corsa 1.0 que Zanella rodava por São Paulo e começava a empreitada de levantar uma empresa singular e inovadora. Mas deu certo. Os esforços valeram a pena. Mesmo numa conjuntura difícil da economia brasileira, a Amazul cresceu, já está com mais de 1.700 funcionários, tem sede própria, no Butantã, está inserida nos grandes programas brasileiros ligados à energia nuclear e já pôde celebrar conquistas que outras estatais não conseguiram em décadas.
Com essa experiência acumulada à frente da Amazul, o nosso oficial da Marinha e engenheiro Zanella aplica agora seu aprendizado para ajudar o Ministério de Minas e Energia a consolidar no Brasil o setor nuclear como uma fonte de riquezas e de desenvolvimento e a superar desafios para integrar o programa nuclear à cultura nacional.
Por seu legado e especialmente pelo trabalho desenvolvido aqui em São Paulo, onde alavancou uma empresa de tecnologia, de projetos de engenharia e de gestão do conhecimento, o almirante Zanella recebe hoje o título de Eminente Engenheiro do Ano de 2019, prêmio que ele compartilha com todos que trabalharam ao seu lado e que ele dedica carinhosamente à sua família.
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Discurso proferido por Marcelo Rozemberg por ocasião da outorga do título de “Eminente Engenheiro do Ano de 2019” pelo Instituto de Engenharia.
São Paulo, 16 de outubro de 2019.