“Compliance” é um termo que vem do verbo em inglês “to comply”, cujo significado é obedecer, aquiescer, cumprir, e que, em tradução livre, na língua portuguesa, foi definido como “programa de conformidade”. É uma expressão que, nos últimos dez anos, foi incorporada ao linguajar empresarial e, em especial, às cláusulas dos contratos entre empresas da iniciativa privada e empresas do setor público.
Com a criação das agências reguladoras, no começo do século passado, e do Banco Central Americano (Federal Reserve System), nos idos de 1913, surgiu a necessidade de se estabelecer regras e práticas para disciplinar a forma como os executivos dos órgãos estatais e das instituições privadas deveriam se portar, em particular na discussão de assuntos reservados ou estratégicos. O “Compliance” foi sendo aprimorado ao longo dos anos e, no final da década de 70, também nos Estados Unidos, foi criada uma Lei Anticorrupção – Foreign Corrupt Praticies Act (FCPA) – com o objetivo de registrar transações, criar modelos de controles internos e tornar ainda mais rígidas as penas para organizações americanas que praticassem atos de corrupção no exterior.
No Brasil, somente na década de 90, o tema ganhou destaque e, a exemplo de outros países, passou a fazer parte das preocupações, principalmente, quando se tratava de negociações transnacionais. Mas, nessa época, poucas organizações praticavam regras próprias para as transações ou se submetiam a modelos de relacionamento, estabelecidos em cláusulas contratuais.
Por volta do ano 2000, com o início das operações de desmantelamento de esquemas de corrupção, principalmente nas empresas estatais, e da promulgação da Lei Federal Nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção), os programas de conformidade foram incluídos no dia-a-dia das empresas brasileiras. O Distrito Federal e alguns Estados da Federação, com base nessa Lei, criaram ou estão criando seus próprios “Programas de Conformidade”, para inclusão em todos os contratos que a iniciativa privada vier a firmar com o Poder Público.
É importante destacar que Programa de Conformidade não se aplica somente às relações empresariais bilaterais, envolvendo executivos e técnicos das empresas; mas, também, no âmbito interno das organizações, principalmente no cumprimento de toda a legislação aplicável às empresas, em especial, da legislação trabalhista e da legislação tributária e fiscal.
Na cidade de São Paulo, por ocasião da realização do processo licitatório que culminou com a contratação de empresas privadas para a delegação, por concessão, da prestação e exploração do serviço de transporte coletivo público de passageiros, o Poder Concedente exigiu que as futuras concessionárias, no prazo de um ano após a assinatura dos contratos, desenvolvessem seus respectivos Programas de Conformidade, “consistente em mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denuncia de irregularidades e na aplicação efetiva de código de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraude, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública, tudo em prestigio à Lei Federal Nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção)”.
Esse Programa deverá conter, no mínimo, um Código de Ética e de Conduta, representando o comportamento esperado de todos os empregados e dirigentes das concessionárias, incluindo princípios e valores da empresa, proibição de oferta de vantagem indevida a servidores públicos, proibição da prática de fraudes em licitações e contratos com a Administração Pública e garantia de atualização periódica do citado Programa.
Além disso, o Programa precisará abranger mecanismos para a detecção de irregularidades, criação de canais de denúncia, integração da área de conformidade com as demais áreas da empresa, estabelecimento da proibição de retaliação aos denunciantes de boa-fé, comprometimento da alta direção da empresa com os objetivos do Programa e criação de controles internos para garantir confiabilidade e responsabilidade nos relatórios e demonstrativos disponibilizados pela empresa.
Nos termos do Decreto Municipal Nº 56.633/15, para a execução do contrato de concessão, “nenhuma das partes poderá oferecer, dar ou se comprometer a dar, a quem quer que seja, ou aceitar ou se comprometer a aceitar, tanto por conta própria quanto por intermédio de outrem, qualquer pagamento, doação, compensação, vantagens financeiras ou não financeiras ou ainda benefícios de qualquer espécie, que constituam prática ilegal ou de corrupção, seja de forma direta ou indireta, quanto ao objeto do contrato, ou de outra forma a ele não relacionada, devendo garantir, ainda, que seus prepostos e colaboradores ajam da mesma forma”.
Das exigências estabelecidas pelo Poder Público, duas questões saltam aos olhos. A primeira, diz respeito à necessidade e obrigação do órgão contratante também desenvolver um Programa de Conformidade semelhante ou até mais detalhado do que aquele que será apresentado pelas futuras concessionárias. A segunda questão está relacionada à necessidade de certa padronização dos Programas a serem apresentados, para aprovação do Poder Concedente. Para tanto, seria muito mais lógico estabelecer as políticas gerais, as diretrizes específicas e os objetivos estratégicos de um Programa de Conformidade para o setor dos transportes e, na sequência e seguindo uma orientação geral, também aprovada pelo Poder Concedente, cada empresa detalharia as ações a serem empreendidas e a forma como deseja conduzir o seu próprio Programa.
No Congresso Brasileiro de Transportes e Trânsito – ARENA ANTP 2019, realizado nos dias 24, 25 e 26 de setembro, o tema foi pauta de debate, com vistas a uma avaliação das experiências já realizadas e do contexto em que tais medidas podem ser inseridas nas relações entre órgãos gestores e empresas operadoras, no setor dos transportes.
Das discussões havidas, foi possível concluir que a implantação de um Programa de Conformidade acaba provocando, na maioria das empresas, uma oportunidade para análises profundas sobre os modelos de governança e de gestão adotados, bem como sobre o nível de transparência que permeia suas negociações e sobre a melhoria da imagem da empresa, principalmente, no seu nicho de mercado.
Por outro lado, também ficou bastante claro que nenhum Programa de Conformidade, por mais bem elaborado que seja, consegue conferir atestado de idoneidade, de probidade ou de respeitabilidade para empresas, empresários, dirigentes e técnicos que atuam de forma antiética, imoral ou licenciosa e praticam princípios de moralidade e boa conduta apenas por uma questão de modismo ou oportunismo.
A adoção do conceito e da prática de “Compliance”, em empresas nacionais e estrangeiras, tem mostrado que não se trata apenas da elaboração de um rol de obrigações e nem da preparação de um manual de ética ou de conduta que mudam a forma como a organização se relaciona com o mercado e com outras instituições. Agir de maneira correta com as empresas do seu setor de atuação, respeitar as regras e procedimentos definidos e praticados pelo mercado e se relacionar com clientes, parceiros, fornecedores e autoridades, com respeito e correção, têm relação direta com as crenças e valores da própria organização, com o modelo de governança adotado e com o padrão de comportamento praticado pelos seus técnicos e executivos.
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Francisco Christovam*
É presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss. É, também, vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, membro do Conselho Diretor da Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos – NTU e da Confederação Nacional dos Transportes – CNT.
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo