Apresentação
A Prefeitura do Município de São Paulo, por intermédio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano – SMDU e da São Paulo Urbanismo–SP Urbanismo, em conformidade com a cronologia estabelecida pelo Plano Diretor Estratégico – PDE e ao disposto no Art. 2º do Decreto n° 56.901/2016, promove a presente Consulta Pública sobre os elementos prévios necessários à proposição de Projeto de Intervenção Urbana Parque Municipal do Minhocão – PIU PARQUE MINHOCÃO, a ser realizada entre os dias 17 de maio a 14 de junho, com vistas a colher contribuições da sociedade civil ao posterior desenvolvimento e consolidação deste projeto.
O conteúdo desta consulta pública tem por base os elementos definidos pelo art. 2º do referido decreto regulamentador dos projetos de intervenção urbana, correspondentes ao Diagnóstico Socioterritorial e ao Programa de Interesse Público, considerados como elementos específicos e indissociáveis do contexto do PIU do Setor Central da Macroárea de Estruturação Metropolitana – MEM, em desenvolvimento pela SP Urbanismo.
Objetivo
O Projeto de Intervenção Urbana Parque Municipal do Minhocão (PIU Parque Minhocão) tem como objetivo o levantamento de insumos para o desenvolvimento do projeto de arquitetura e urbanismo deste equipamento, integrando-se às estratégias do Projeto de Intervenção Urbana do Setor Central da Macroárea de Estruturação Metropolitana (PIU Setor Central), em desenvolvimento pela municipalidade desde 2017 e, proposto para os distritos centrais de Santa Cecília, República, Sé, Bom Retiro, Pari e Brás e que abarca o eixo viário formado pela Rua Amaral Gurgel, pela Av. São João e pela Av. General Olímpio da Silveira, onde se desenvolve o Elevado, de forma a assegurar a harmonia e a coerência entre as propostas e a propiciar que as estratégias de desenvolvimento se reforcem mutuamente, sem perder de vista a natural necessidade de que o elevado, por sua relevância no contexto do PIU Setor Central, encontre um espaço específico para a sua discussão.
Escopo e fases do PIU Parque Minhocão
O Escopo dos Projetos de Intervenção Urbana é definido conforme as diretrizes do Decreto nº 56.901/2016. O conteúdo técnico-jurídico básico do PIU Parque Minhocão se divide em três etapas:
- 1ª Etapa – Apresentação dos Elementos Prévios ao desenvolvimento do Projeto: Diagnóstico e Programa de Interesse Público;
- 2ª Etapa – Apresentação da proposta preliminar do PIU;
- 3ª Etapa – Apresentação da proposta consolidada do PIU e da minuta da peça jurídica de regulação de seus dispositivos.
Por se tratar de uma região intensamente urbanizada e verticalizada, o mercado imobiliário residencial se desenvolveu muito pouco nas décadas de 80 e 90. Nos últimos anos, a região central vem crescendo em atratividade, com aumento da população e retomada de lançamentos residenciais com unidades de menor área, com maior presença nas proximidades das estações de metrô da região.
Já os lançamentos não residenciais, cuja característica é de maior concentração e seletividade territorial, tiveram crescimento irrelevante de 1985 até meados de 2010, quando o mercado passou a lançar empreendimentos comerciais com unidades de menor área na região da Barra Funda e nas imediações da estação Mal. Deodoro.
A legislação de uso e ocupação do solo vigente é caracterizada pelo predomínio de zonas de transformação e alto potencial construtivo (ZEU, ZEM), definidas a partir das áreas de influência do Corredor de Ônibus Pirituba-Lapa-Centro, que atravessa as avenidas São João e General Olímpio da Silveira, e das estações da Linha 3 Vermelha do metrô – Santa Cecília e Marechal Deodoro e em conformidade com as diretrizes do PDE para adensamento em áreas centrais de perfil misto e infraestruturadas que compõem a MEM – Macroárea de Estruturação Metropolitana. Nas áreas mais consolidadas, o predomínio é de zonas de centralidade, que buscam qualificar a ocupação e garantir as transformações dos usos não residenciais de forma compatível com a ocupação residencial. O Elevado Presidente João Goulart está contido, em sua maior parte, na Zona Eixo de Estruturação da Transformação Metropolitana – ZEM. Há ainda uma concentração pontual de ZEIS-3 nas imediações do Terminal de Ônibus Amaral Gurgel.
As definições e os parâmetros urbanísticos definidos para essa ZEM são estabelecidos na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Sol, nos arts. 8º e 12 e nos quadros 2A Parâmetros de parcelamento do solo (dimensões de Lote) por zona, 3 – Parâmetros de ocupação, exceto de Quota Ambiental, 4 – Usos permitidos por Zona e 4B- Parâmetros de incomodidade por zona.
As habitações precárias na região são compostas pelos cortiços, com distribuição significativa e capilarizada em Santa Cecília, Barra Funda e Campos Elíseos, e pela Favela do Moinho, que ocupa área segregada do tecido urbano entre as duas linhas da CPTM que cortam a região.
Mobilidade urbana
O Elevado João Goulart conecta a Av. Radial Leste-Oeste (no centro da cidade) à Av. Francisco Matarazzo (na zona oeste), passando pelos distritos República, Consolação, Santa Cecília e Barra Funda.
No sentido Centro-Oeste, o primeiro acesso é pela Av. Radial Leste-Oeste (sob a Praça Roosevelt), por onde entra todo o fluxo vindo da zona leste, mais as contribuições da área central (Sé, Liberdade, República e Bela Vista). Nesse sentido, a primeira saída é a alça para a Rua Ana Cintra, que permite acessar o distrito Santa Cecília. Já quem vem do distrito Santa Cecília pode acessar a via elevada pela alça da Rua Helvetia. A saída de todo o fluxo remanescente da Via Elevada se dá pela rampa de acesso à Av. Francisco Matarazzo, em direção à zona oeste.
No sentido Oeste-Centro, o primeiro acesso é pela Av. Francisco Matarazzo, por onde entra todo o fluxo da Zona Oeste, incluindo os distritos Lapa, Perdizes e parte da Barra Funda. O segundo acesso é pela rampa da R. Dr. Albuquerque Lins, por onde entram os fluxos de Santa Cecília e parte da Barra Funda. Segue-se a saída para a R. Sebastião Pereira, que permite acessar Santa Cecília, Consolação e República. Logo após, vem a saída da R. da Consolação, que permite o acesso ao Distrito Consolação. O fluxo remanescente na Via Elevada segue pela última rampa em direção à Av. Radial Leste-Oeste (sob a Praça Roosevelt), objetivando acessar o Centro e a Zona Leste.
Os volumes de veículos no nível da rua estão representados no mapa a seguir (Figura 21). Na sequência, está representado o volume de veículos sobre o Elevado.
No nível do solo, como esperado, os principais fluxos veiculares concentram-se nas vias estruturais, tais como a Av. Francisco Matarazzo, Av. São João, Av. Angélica, R. Amaral Gurgel e R. da Consolação. Dentre as vias coletoras, as que apresentam maior fluxo veicular, estão a R. Conselheiro Brotero, o eixo da Al. Barros / R. Frederico Abranches e a R. Helvetia. Entretanto, observam-se várias vias coletoras com baixo fluxo veicular, notadamente ao norte da via elevada.
Já sobre o Elevado, no pico da manhã, o principal fluxo veicular se dá no sentido Oeste-Centro. Cerca de 60% do fluxo na Via Elevada é proveniente da Av. Francisco Matarazzo e 40% do fluxo é proveniente da rampa da R. Albuquerque Lins. O fluxo de saída pela rampa da R. Sebastião Pereira é bastante reduzido. Cerca de 25% do fluxo da Via Elevada sai pela rampa da R. da Consolação e 75% prossegue para a Av. Radial Leste-Oeste.
Ainda sobre o elevado, no sentido Centro-Oeste, o principal fluxo é proveniente da Av. Radial Leste-Oeste. Cerca de um terço desse fluxo sai pela rampa da R. Ana Cintra. A contribuição de entrada da rampa da R. Helvetia é bastante reduzida. Dois terços desse fluxo Centro-Oeste vão em direção à Av. Francisco Matarazzo.
Quanto ao fluxo de coletivos, os principais volumes são encontrados no Corredor da Av. São João e no corredor da R. da Consolação. Cada um concentra até 180 ônibus/hora/sentido nos trechos mais carregados. As demais vias que apresentam elevados volumes de coletivos são a Al. Nothmann (mais de 60 ônibus/hora), a R. das Palmeiras e a R. Sebastião Pereira (quase 60 ônibus/hora) e a Av. Angélica e a Av. Mario de Andrade (quase 40 ônibus/hora/sentido).
Em relação aos fluxos de pedestres verifica-se uma concentração nos arredores do Terminal Amaral Gurgel, das estações de metrô Santa Cecília e Marechal Deodoro, e nos acessos aos pontos de parada do corredor de ônibus no canteiro central da Av. São João. A figura a seguir indica os principais nós de concentração dos fluxos de pedestres nas vias ao longo do Elevado.
O fluxo de ciclistas concentra-se nas ciclovias existentes sob o elevado no trecho da R. Amaral Gurgel, entre a R. Major Sertório e o Largo do Arouche, e no trecho da Av. São João, entre a R. Ana Cintra e a Av. Pacaembu. Também existem várias ciclovias ou ciclofaixas em vias paralelas (R. Candido Espinheira, Al. Barros, R. Barra Funda, R. Frederico Abranches, R. Dr. Frederico Steidel) e transversais (R. Mario de Andrade, R. Dr. Albuquerque Lins, Al. Nothmann, R. Ana Cintra, R. da Consolação), formando uma rede cicloviária bastante densa em relação ao restante da cidade. Existem bicicletários municipais no Terminal Amaral Gurgel e na Praça Roosevelt, além de paraciclos em passeios e praças.
Incomodidade urbana
Parte fundamental das análises do impacto do tráfego de veículos sobre e sob o Elevado diz respeito aos elevados níveis de incomodidade urbana resultantes.
Conforme dados divulgados pelo Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP1, o entorno imediato afetado pelo Elevado Pres. João Goulart apresenta altos índices de poluição. Em levantamentos realizados ao longo de uma semana de medição ininterrupta da qualidade do ar, os números do estudo revelam que a média de Material Particulado equivalente a 2,5 – partículas finas menores ou iguais a 2,5 μm (micrômetros) – encontrada na região do Elevado chega a ser de 3 a 4 vezes superiores ao limite de 25 μg/m³ definido pela CETESB e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os dados ainda apontam que, mesmo quando o Elevado está fechado durante a semana para passagem de veículos aos sábados e domingos, os índices de poluição continuam altos e bem acima dos verificados no resto da capital paulista.
Ainda segundo os dados publicados, na altura do elevado, a média averiguada de material particulado por metro cúbico foi de 83,47 μg/m³, 79% maior que a média de 46,5 μg/m³ registrada em toda a metrópole pela CETESB em 2014, mesmo ano do levantamento da USP.
Em relação ao ruído, o estudo realizado também indica níveis de decibéis muito acima do limite estabelecido pela CETESB, com pico entre as 8 horas da manhã e 16 horas.
Ambos os casos indicam que a presença de automóveis individuais sobre o Elevado João Goulart é fonte significativa de incomodidade urbana em relação ao entorno imediato, fato decisivo para depreciação dos imóveis. Além disso, no térreo, a presença do corredor de ônibus no eixo da Av. São João é a principal causa do alto nível de material particulado, situação que se agrava nos trechos onde a estrutura se aproxima das fachadas, delimitando um ambiente quase completamente fechado.
Desta forma, as intervenções a serem propostas no Elevado devem levar em consideração a necessidade de construção de aberturas na tabuleiro (pista), além de demolições parciais que garantam maior ventilação nos níveis inferiores e a redução dos níveis de material particulado. Em relação ao ruído, é possível deduzir que a restrição do fluxo de automóveis sobre o Elevado resultará em redução significativa.
Análise estrutural do viaduto
Foi realizada por SPObras uma Inspeção inicial, com relatório fotográfico, do Elevado Presidente João Goulart, em 24 de fevereiro de 2019.
Esses resultados conduzem a duas conclusões/encaminhamentos:
- Não foi constatada a necessidade de contratação emergencial para análise detalhada da estrutura e/ou obras de emergência;
- No entanto, o projeto decorrente deste PIU pressuporá a contratação de análise detalhada para a solução dos problemas encontrados, já levando em consideração o uso do Elevado como parque, bem como eventuais alterações em sua estrutura.
Não há, portanto, nenhum impedimento estrutural para a realização das intervenções de segurança, acessibilidade e conforto e de eventuais implantações de trechos de parque.
Além disso, foi realizado um levantamento dos custos associados à alternativa de demolição total do Elevado.
O Elevado Presidente João Goulart conta com aproximadamente 2.700 metros de comprimento e 14 metros de largura em média. O elevado localiza-se em uma região adensada, desenvolvendo-se sobre vias locais, corredor de ônibus, terminais de ônibus e ciclo faixa, estando muito próximo de diversas edificações e comércios.
Portanto, o processo de demolição de um viaduto desta magnitude envolve uma grande complexidade quanto ao planejamento das intervenções e ao conjunto de técnicas de demolição controlada, incluindo processos manuais, mecanizados e através de explosivos.
Para início dos trabalhos é necessário um minucioso detalhamento dos desvios de tráfego e de linhas de ônibus, envolvendo adequação da sinalização viária e ampla divulgação das rotas alternativas e emprego de equipes de apoio ao trânsito. Após esta definição, será realizada a segmentação das intervenções de demolição, por trechos e com períodos de interdição.
A primeira intervenção consistiria na desmontagem manual de postes de iluminação, guarda-corpos, gradis, sistemas elétricos, sistemas de drenagem pluvial, sinalizações verticais e semafóricas, entre outras interferências existentes.
A intervenção seguinte seria a remoção da camada de pavimento existente. Em seguida, a demolição mecanizada envolveria algum tipo de equipamento ou ferramenta mecânica para a destruição de elementos rígidos. Geralmente são utilizados marteletes, carregadeiras, escavadeiras, pulverizadores, caminhões pipa e guindastes, além de máquinas de corte e fio diamantado, que são máquinas de médio e grande porte para permitir o fracionamento dos elementos rígidos e a retirada parcial ou total de new jersey (defensa de concreto), lajes de concreto, vigas de concreto, entre outros.
A demolição mecanizada seria intercalada com a demolição manual, em função da estrutura da laje ser protendida. Esse tipo de demolição é utilizada em trabalhos menores e que exigem cuidados mais detalhados.
Em função do risco de acidentes, seria necessária uma equipe especializada para monitoramento dos trabalhos, visando minimizar os riscos de acidentes.
Para algumas atividades de demolição, principalmente com explosivos, seria programada a evacuação das edificações e comércios, em um raio definido de segurança da população, envolvendo custos indiretos, tais como: aluguéis, indenizações ou outros associados à indisponibilidade de uso de espaços privados.
A demolição através de explosivos é utilizada para a demolição de grandes estruturas, contudo, é necessário um estudo detalhado e uma equipe especializada para evitar acidentes e os danos adicionais que os explosivos podem causar. Esse estudo também deve observar as estruturas para identificar o melhor tipo de explosivos e onde posiciona-los.
Faz-se necessário o atendimento ao regimento legal quanto à realização de demolição, envolvendo procedimentos específicos, obtenção de autorizações, alvarás, Termo de Permissão para Ocupação de Vias – TPOV, plano de gerenciamento de resíduos da construção, entre outros. De acordo com a Resolução n.º 307 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), os resíduos de demolição são considerados entulhos e, por isso, devem ser descartados de maneira correta.
O prazo estimado para a realização da demolição de todo o Elevado Presidente João Goulart seria de 24 meses e o orçamento estimado preliminarmente é de R$ 113.229.658,84.
Projetos de transformação e mudança de uso do “Minhocão”
Em 2006 a Secretaria Municipal de Planejamento (SEMPLA) iniciou, através do concurso Prestes Maia, a necessária discussão sobre a utilização do Elevado e seu impacto urbanístico, social e ambiental. Nesse âmbito, foi lançado um Concurso de Projetos que recebeu 46 propostas, sendo premiado em 1º lugar o Projeto de José Alves e Juliana Corradini, apresentado a seguir.
A proposta vencedora mantém a função de conexão viária Leste-Oeste do Minhocão, agregando novos usos e reformulando a sua estrutura com o objetivo de proteger as construções adjacentes da poluição ambiental.
O projeto transforma o Elevado num túnel através da incorporação de uma cobertura e da construção de galerias laterais de uso múltiplo. Reconhecendo a importância de um espaço de lazer nesse local da cidade e o atual uso da via elevada durante os finais de semana, o projeto propõe a implantação de um parque linear na cobertura do túnel. O acesso ao parque suspenso pode ser feito tanto pelas galerias quanto pelos edifícios de acesso. Essas galerias e os edifícios erguidos em terrenos adjacentes, abrigariam usos diversos tais como escolas, bibliotecas, cinemas, teatros, restaurantes, galerias de arte, centros de compras, livrarias e estacionamentos.
Para a viabilização do empreendimento os arquitetos propõem uma Operação Urbana Minhocão que contempla parcerias com a iniciativa privada para a construção dos edifícios de acesso. Além disso, há a previsão de receita permanente proveniente do aluguel das galerias e estacionamentos destes edifícios.
A nova estrutura metálica proposta é composta por três sistemas: o primário de treliças longitudinais apoiadas nas travessas principais do elevado; o secundário de vigas transversais a cada 10 m e altura de 1,20 m, e o terciário de vigas longitudinais a cada 2,17 m. No sistema proposto, os novos carregamentos são dirigidos diretamente para as linhas de apoio dos pilares do Elevado (a cada 40 m) sem solicitação do vigamento longitudinal existente.
A vedação é feita por painéis de concreto de 50 mm de espessura e por painéis de vidro duplo, espaçados um do outro por um colchão de ar de 80 mm. Esse fechamento é interrompido nas esquinas, garantindo a ventilação do túnel. Para atenuar os ruídos e garantir um bom desempenho térmico, o projeto prevê a utilização de lã mineral revestida de chapa metálica perfurada e um sistema de exaustão natural composto por saídas e entradas de ar na parte superior e inferior do túnel
Caminhos do Elevado – Memória e Projetos, Prefeitura da Cidade de São Paulo, Secretaria de Planejamento, Imprensa Oficial 2008; página 93/94
Em 2016, a partir da diretriz estabelecida pelo artigo 375 do Plano Diretor Estratégico de 2014, a Prefeitura de São Paulo recepcionou a doação de uma proposta de reconversão do elevado, elaborada pelo escritório Triptyque em parceria com o paisagista Guil Blanche. A descrição a seguir é de autoria dos autores do projeto.
O plano diretor estipula um prazo máximo de 4 anos para transformar o elevado de quase 3 km. Durante anos, a reflexão ficou focada no futuro que seria dado às suas pistas e nunca na sua parte inferior, completamente esquecida pelo debate, mesmo sendo aquela que suscita mais cuidados, que forma uma espécie de túnel urbano, uma fonte de sombra abandonada.
Triptyque em parceria com o paisagista Guil Blanche, mudaram o ponto de vista com relação a essa infra-estrutura, passando do elevado à Marquise. Eles convidam a cidade e seus habitantes a olharem para a marquise como um ambiente produtivo e não apenas como um espaço passagem. Esse conceito foi então doado à Prefeitura de São Paulo.
Desde o início, o projeto é participativo. A primeira fase deste estudo foi convidar a comunidade local para desenvolver e compartilhar seus desejos com relação ao futuro da Marquise do Minhocão. A estrutura se transformará respeitando a identidade do bairro e da comunidade local.
Em seguida, a proposta da Triptyque é dar vida ao espaço, iluminando-o graças a uma operação simples de abertura entre suas pistas para criar feixes de luz natural. A luz ativa o lugar e permite que a vida se instale, sendo que, no início, esse processo se dará sob a forma de vegetação. A Marquise do Minhocão é um dos lugares mais poluídos de São Paulo. Segundo pesquisas, plantas suspensas no teto ao longo de todo o comprimento do Minhocão poderão filtrar 20% da emissão de CO2 produzida pelos carros. A irrigação das plantas será feita por um sistema de coleta de água e a vaporização terá um papel de limpar o ar e as superfícies da marquise.
Por fim, a Marquise poderá receber programas diversos. O seu comprimento será dividido em trechos determinados pelo espaço entre cada pilar (33m), estes blocos serão numerados como os “postos” nas praias do Rio de Janeiro. Cada bloco receberá 4 módulos de programa: cultura, alimentação, serviços e comércio.
A marquise do Minhocão – Triptyque e Movimento 90° [Gregory Bousquet, Carolina Bueno, Guillaume Sibaud, Olivier Raffaelli e Guil Blanche. Vitruviu. Março 2016. Acesso em 13 de Fevereiro de 2019. (http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/16.183/5971)
Em Maio de 2017 a Secretaria Urbanismo e Licenciamento recepcionou a doação de Proposta do Escritório Jayme Lerner, que, adicionalmente à transformação do Elevado em parque, vislumbra a possibilidade de transformação do entorno imediato pelo incentivo de ocupação dos edifícios lindeiros e conexões de seus pavimentos intermediários ao Minhocão. Intitulado como Parque do Minhocão – de passagem a permanência, o projeto estrutura-se em acupunturas urbanas e ideias de utilização tanto da parte superior do elevado – áreas de estar, paisagismo, iluminação; da parte inferior – usos culturais; além de usos acoplados ao Minhocão através da utilização dos edifícios lindeiros. Sobre este uso acessório o projeto traz a seguinte proposta:
Coberturas ou andares intermediários em hotéis, restaurantes, cafés, edifícios residenciais e corporativos podem, a partir de passarelas leves utilizando as mesmas peças de aço galvanizado, se comunicar diretamente com o parque, gerando novos negócios e oportunidades.
Parque do Minhocão: de passagem a permanência. Ideias e acupunturas. Jaime Lerner Arquitetos Associados. Maio de 2017.
É importante frisar que as propostas citadas neste item são exercícios conceituais que podem ser levados em consideração na elaboração dos projetos de transformação do Parque Municipal do Minhocão. No entanto, alguns elementos importantes devem ser levados em conta nessa análise:
- Compatibilidade com as formas de uso já consolidadas no Parque;
- Viabilidade técnica das soluções propostas;
- Viabilidade financeira das soluções propostas.
Projetos urbanísticos para o perímetro imediato e área de influência
No entorno do Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, e no âmbito do PIU Setor Central, há uma série de projetos públicos em diversas fases de desenvolvimento. De início, podemos citar as diversas fases da PPP Casa Paulista, intervenção que marca um importante momento de transformação integrada do Centro, no qual estão articulados a qualificação do espaço público e a provisão de equipamentos e de moradia. Ainda no âmbito da provisão habitacional de interesse social, podemos citar os edifícios que abrigavam o antigo cinema Art Palácio e o Cine Marrocos, ambos desapropriados pela Prefeitura e com possibilidade de reconversão para moradia.
No âmbito da provisão de equipamentos públicos, o Parque do Minhocão pode ser incluído na rede de equipamentos de lazer da cidade, da qual também fazem parte o Vale do Anhangabaú (com obra de requalificação já contratada), a Praça das Artes, o Observatório Martinelli e o Teatro Municipal, estruturas com potencial para atrair moradores de diversas regiões da metrópole. Somam-se a estes o novo Hospital Pérola Byington, proposto para a região dos Campos Elíseos, junto à Praça Júlio Prestes, e o Mercado Municipal Cantareira, importante polo de abastecimento, de turismo e gastronomia, cujo entorno também deve ser requalificado tendo em vista sua integração ao sistema de espaços públicos livres da cidade. Dos espaços e edifícios públicos da cidade, alguns projetos têm uma relação singular de proximidade com o Elevado João Goulart.
O terreno de propriedade do Metrô junto à estação Marechal Deodoro tem sido objeto de estudos para concessão, e poderá incorporar como diretrizes advindas dos estudos para o Parque do Minhocão, em seu embasamento, a integração livre e franca entre o nível do térreo e o nível do Minhocão, propiciando um acesso ao parque associado a uma série de equipamentos, comércio e serviços, como lojas, restaurantes, banheiros públicos e postos de atendimento e informação ao publico de moradores e turistas que virão de diversas partes da cidade, do país e do mundo.
O projeto do Largo do Arouche, doado à Prefeitura pela comunidade francesa no Brasil e desenvolvido pelo escritório de arquitetura Triptyque, estabelece ações voltadas à reabilitação paisagística, reforma e ampliação dos passeios, implantação de mobiliário e equipamentos em área de 17 mil m², potencializará atividades de lazer, entretenimento, comércio e serviços.
A requalificação do Largo do Arouche a ser implantada por meio de Termo de Cooperação (01/SMSO/2018) entre a PMSP (SIURB+SUB-SÉ) e a Associação Viva o Centro, encontra-se em análise junto à Comissão Permanente de Acessibilidade (SEI 6022.2018/0005038-7). Em tempo, o projeto poderá incorporar como diretriz advinda dos estudos para o Parque do Minhocão a integração via construção de novos acessos ou requalificação dos acessos já existentes no encontro entre os dois projetos, tendo em vista a mobilidade pedonal e de veículos não motorizados, garantindo a integração entre os dois espaços.
Diversas porções dos espaços públicos livres do Centro de São Paulo são objetos de estudos e projetos de requalificação, a fim de qualificar essa rede para que, além do já importante papel no âmbito da mobilidade, tais locais também possam ser encarados como espaços de passeio e permanência, articulando e qualificando os diversos usos que são dados às ruas, às calçadas e aos calçadões da cidade, pela população de toda a região metropolitana.
O PIU Terminal Princesa Isabel, projeto desenvolvido pela SP Urbanismo em 2017, é outro projeto com potencial sinergia com com o Parque Minhocão, possibilitando, entre outros aspectos, o acesso facilitado a um parque público de porte aos passageiros que desembarcam no Terminal Princesa Isabel da SPTrans.
Outra proposta trazida pelo Escritório Jaime Lerner foi a criação de uma linha Circular Centro, atualmente sob análise de sua viabilidade na SMT. O projeto propõe uma solução de mobilidade urbana com adoção de um veículo inovador e amigável ao pedestre, associada à qualificação de espaços públicos, conectando diversos pontos de interesse na região central, como grandes equipamentos culturais e monumentos históricos, estações, terminais e linhas de transporte público existentes, polos de comércio especializado e popular, centros de ensino e pesquisa e outros equipamentos de lazer, entretenimento e gastronomia.
Nos dois pontos em o traçado referencial cruza o Parque Minhocão, poderão ser previstas paradas integradas aos acessos ao parque.
Associada a este projeto, foi protocolada pela Alstom Brasil Energia e Transporte Ltda. e Telar Engenharia e Comércio S/A junto a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte a Manifestação de Interesse Privado (MIP) que tem como objetivo a implantação, operação e manutenção de Veículo Leve sobre Trilhos (“VLT”), visando à revitalização da área central do Município de São Paulo no formato Concessão Patrocinada (Pagamento de tarifas pelos usuários + contraprestação do Poder Concedente). O traçado encontra-se em fase de projeto e não há sugestão de prazo para o contrato. Todavia, as principais características são: 26 km de via (ida e volta) com traçado circular, definido no Projeto de Engenharia; paradas a cada 700 metros; criação de bulevares na Rua José Paulino, Rua Mauá e Rua da Cantareira; demanda esperada de 80 mil passageiros por dia útil; intervalo de 4,5 minutos entre veículos no horário de pico; velocidade média esperada de 12 km/h; prazo de 3 anos para início da operação do circuito completo.
Em suma, podemos dizer que o Parque do Minhocão, sobretudo se implantado sobre a via elevada, terá papel integrador de diversos projetos e demandará ações pontuais no sentido de compatibilizá-lo com outros projetos do Setor Central, que se mostram oportunidades estratégicas no sentido da implementação de serviços e equipamentos.
Anexo A – Panorama histórico de ocupação do território integrado ao Elevado
Superado o período colonial, podemos situar a consolidação do Centro Novo (e do entorno do futuro Elevado Presidente Costa e Silva, depois Elevado Presidente João Goulart), durante o ciclo do café, que impunha novas dinâmicas na estruturação urbana e social paulistana. Sobre o histórico de ocupação da região, no contexto do ciclo do café, o professor Candido Malta Campos descreve em seu texto para a obra Caminhos do Elevado – Memória e Projetos:
Com o sucesso da política de valorização do café, acordada no Convênio de Taubaté em 1906, abriu-se caminho para intervenções mais ambiciosas. Para facilitar o acesso às estações encomendou-se o Viaduto Santa Ifigênia. Discussões em torno dos demais melhoramentos a serem priorizados envolviam, entre outras propostas, o alargamento da Líbero Badaró, da própria São João e o aproveitamento do Vale do Anhangabaú, assim como a localização daquela que deveria ser a “avenida central” paulistana. Porém, um bulevar que se prezasse − a exemplo daqueles abertos por Haussmann em Paris e admirados pelas elites afrancesadas da época − deveria ser largo, retilíneo e plano, e era difícil criá-lo na topografia acidentada da cidade. São Paulo parecia exigir soluções em desnível: viadutos, túneis, vias elevadas.
Neste contexto a Av São João passa a assumir um caráter de marco urbanístico e consolida novos padrões arquitetônicos:
A visão haussmaniana prevalecia novamente, e para figurar como “avenida central” paulistana, jogaram-se as fichas no alargamento da Rua de São João para trinta metros, aprovado em 1912 e iniciado em seguida. Um aterro permitiu aplainar melhor a travessia do Anhangabaú. Para garantir o caráter parisiense do bulevar, construções na nova avenida (assim como na Líbero e na Sé) passaram a seguir normas edilícias especiais que, embora não estabelecessem gabarito fixo, asseguravam certa homogeneidade volumétrica. Em 1915, a avenida já chegava ao Paissandu; em 1921, à Rua Vitória; em 1923, era a vez do trecho inicial junto à Praça Antonio Prado, abrindo caminho à construção do Martinelli nos anos seguintes; enquanto esse ganhava altura, culminando nos 23 andares inaugurados em 1930 (após embargo da Prefeitura, pois ultrapassava os parâmetros volumétricos legais), o prolongamento da via atingia a Avenida Angélica.
A ocupação do entorno da Avenida São João ganha novos contornos com a remodelação da avenida:
Era o ideal da capital agroexportadora, com bairros residenciais aprazíveis rodeando um núcleo terciário central marcado por espaços diferenciados de aparência européia e estruturada por linhas radioconcêntricas de bonde, e acessada pela ferrovia. Pela São João, Paissandu e Rua Conceição (atual Cásper Líbero) chegava-se agora às estações, e esse era um trajeto que urgia enobrecer. Todavia, a mesma proximidade atraía usos de valor mais ambíguo, entre eles a prostituição, que, expulsa do centro velho, ressurgia junto à São João, incluindo estabelecimentos de luxo como o descrito no romance Madame Pommery (1920), cujo personagem-título, imigrante polonesa tornada cafetina, satiriza os hábitos ocultos da elite cafeeira. Prédios afrancesados incluíam moradias para solteiros (garçonnières), novidade escandalosa que abria caminho para inúmeras transgressões, inclusive a dos modernistas que se reuniam no apartamento de Oswald de Andrade.
Da mesma forma
A partir de 1924, como lembra Sarah Feldman, a intervenção policial sobre a localização das chamadas casas de tolerância foi institucionalizada, instrumento logo aplicado na tentativa de sanear moralmente o entorno da São João − cujo alargamento, pontuado por belas praças como a do Correio, o Largo do Paissandu, a da Vitória (atual Júlio Mesquita) e a Marechal Deodoro, continuava a ser, ao longo dos anos 1920, 1930 e 1940, um dos maiores investimentos da Prefeitura. O Perímetro de Irradiação, anel viário proposto por Ulhôa Cintra desde 1921 como meio de desafogar o centro, contribuiria para colocar a região no foco das intenções transformadoras, pois seu traçado, cruzando a São João, envolveria a abertura de novas avenidas, que abririam todo o trecho a Noroeste, Oeste e Sudoeste do centro histórico à expansão das funções centrais. Estruturaria ambicioso esquema radial-perimetral de circulação de automóvel, incentivando o crescimento horizontal e vertical, e abrindo novas frentes de ocupação terciária.
Contudo, a década de 1930 marca uma mudança do planejamento urbano paulistano. O Plano de Avenidas passa a impor uma nova estruturação territorial. Prestes Maia
deu continuidade ao prolongamento da São João até o largo das Perdizes, com viaduto sobre a Avenida Pacaembu ligou-a ao Arouche pela Avenida Vieira de Carvalho, alargou a Rio Branco, a Barão de Limeira e a Conceição (atual Cásper Líbero), e, quando saiu da Prefeitura em 1945, além de deixar quase pronta a rótula central, na qual o maior destaque foi dado à Avenida Ipiranga, já havia iniciado a abertura do segundo circuito perimetral de seu esquema viário − passando agora pelo alargamento das ruas Mauá, Duque de Caxias e Amaral Gurgel e pela abertura da Praça Roosevelt.
A mesma altura mínima obrigatória de 39 metros no alinhamento imposta na Ipiranga, São Luís, Arouche, Vieira de Carvalho e República foi aplicada à São João, do Largo do Paissandu à Praça Júlio Mesquita − enquanto nos demais trechos do Perímetro de Irradiação, assim como na Praça da Sé, a altura mínima era de 22 metros.
Assim
A região entre Paissandu, São João e Ipiranga ganhava cinemas luxuosos e passava a concentrar a vida noturna de bares e restaurantes de melhor padrão, logo ganhando o apelido de Cinelândia paulistana. E a zona de tolerância da prostituição, o chamado baixo meretrício, foi transferida para o Bom Retiro.