É inegável afirmar que, no período chuvoso, as cidades brasileiras viram uma verdadeira confusão. Alagamentos, desabamentos, ruas e canais transbordando, pessoas desabrigadas… Tudo parece sair do lugar por causa de uma chuva. Porém, não é só no período chuvoso que a cidade parece desordenada. Quem enfrenta o trânsito diário, quem quer mais áreas de lazer, quem usa o transporte público e quem, de modo geral, vive nas cidades, também têm muito a reclamar. Em meio a tudo isso, será que é possível projetar a cidade ideal?
+ PLANEJAMENTO DAS CIDADES BRASILEIRAS
No Brasil, poucos municípios foram planejados. A cidade de Salvador, fundada em 1549, foi a primeira e foi projetada pelos portugueses. No século XIX, Teresina e Sergipe foram erguidas. Já no Brasil moderno, Belo Horizonte foi a primeira cidade a ser planejada. Goiânia, Maringá, Brasília e Palmas foram inauguradas no século seguinte.
Porém, o fato de ser planejada não significa que a cidade funciona de modo perfeito atualmente. Belo Horizonte, por exemplo, foi planejada dentro de uma das principais avenidas, a Contorno. A malha perpendicular, com ruas cortadas por avenidas (algo que pode deixar qualquer desorientado perdido), parecia ideal. Para finalizar, a avenida do Contorno cercaria a cidade. Ali dentro, haveria transporte, saneamento, assistência médica, educação e outros. O crescimento deveria ocorrer na região suburbana (fora da avenida) e não houve preocupação imediata, já que se imaginava que a cidade não cresceria tanto. É aí que foi o grande erro. A cidade cresceu rápido demais e, mesmo os vários planos de tentativa de reestabelecimento da ordenação da área urbana não foram suficientes. Isso mostra que, obviamente, para planejar uma cidade é preciso pensar a longo prazo e fazer isso de maneira correta.
+ EM BUSCA DA CIDADE IDEAL
Na hora de planejar, dentre os principais fatores levados em consideração estão: educação, mobilidade urbana, saúde, emprego, infraestrutura, moradia e segurança. Também é preciso considerar que cada um imagina sua própria cidade ideal. Então, é necessário que o planejador pense no coletivo e concilie todas essas idealizações em uma única cidade que deixe a maior parte dos habitantes satisfeitos e em harmonia. Vale lembrar que a boa qualidade de vida deve ser promovida para todos.
No mundo, o grande crescimento da população urbana ocorreu a partir da década de 50. Desde então, cabe ao planejamento urbano atuar para aprimorar políticas, planos e projetos e processos que levem a cidades mais inclusivas, conectadas, integradas, sustentáveis e resilientes. Ele precisa estar ligado aos três pilares do desenvolvimento sustentável: ecológico, social e econômico.
Assim, várias cidades ao redor do mundo tentam ser ideais. Algumas já baniram os carros de algumas regiões, adotaram sistemas de transporte coletivo eficientes, incorporaram áreas verdes e de lazer, reduziram as taxas de violência, implantaram sistemas de saneamento e etc. No Brasil, Curitiba é um dos poucos exemplos de cidades que fazem melhorias efetivas no planejamento urbano, infelizmente. Algumas até tentam, mas estão bem longe da cidade ideal que todos sonham.
+ OS CRITÉRIOS DE GEHL E A BUSCA PELA CIDADE IDEAL
Jan Gehl, um arquiteto dinamarquês, estabeleceu 12 critérios para determinar a qualidade de vida urbana que estão relacionados à cidade ideal. Para desenvolvê-los, ele precisou colocar os cidadãos como foco da cidade. Gehl começou a criar sua concepção sobre como pensar na qualidade dos espaços da cidade quando o planejamento urbano passou a ser feito considerando-se o carro como elemento principal.
Os critérios são divididos em três categorias:
PROTEÇÃO:
– Prevenção de acidentes;
– Combate ao crime e violência;
– Abrigo contra experiências desagradáveis (chuva, frio, poluição, etc.);
CONFORTO:
– Caminhadas: acessibilidade, bons locais para caminhar;
– Locais atrativos para parar;
– Locais de descanso;
– Locais para contemplação;
– Locais para interação;
– Locais para a prática de atividades físicas e de lazer;
DESFRUTE:
– Planejamento para a escala humana;
– Locais que forneçam um clima adequado;
– Experiências sensoriais
A lógica de Gehl considera a escala humana. Nela, presta-se mais atenção nas pessoas e menos nos prédios, praças e ruas. Assim, é preciso planejar a cidade a partir de uma visão que parte do cidadão. É preciso pensar em calçadas, em ciclovias e em distâncias que possam ser percorridas sem a necessidade de um carro (o que não acontece muito em Brasília, por exemplo). A rua não é mais importante que a calçada. Também é preciso planejar locais em que as pessoas possam parar e sentar, desfrutar do ambiente que as cerca. Caso contrário, ele vira apenas um local de passagem.
Quando não é devidamente planejada, uma cidade precisa de vários planos de correção. É preciso planejar pensando em prevenção e manutenção, não em correção. Não é adequado deixar acontecer uma tragédia ou um problema diário (como os engarrafamentos) para depois agir. Os critérios estabelecidos por Gehl não são, em si, a solução para se ter uma cidade ideal. Porém, eles representam o ponto inicial e que podem fornecer suporte para o planejador.
Referências: ONU-Habitat; Treez; Vida Simples; Comurb.
Fonte Blog da Arquitetura