Saturno tem uma lua conhecida por um curioso fenômeno. Encélado, com cerca de 500 km de diâmetro e uma crosta de gelo na superfície, possui um oceano de água líquida sob a superfície gelada – e gêiseres próximos ao seu Polo Sul. Um grupo de astrônomos do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP propõe utilizar uma teoria das marés, que trata os corpos celestes como fluidos, para explicar como um satélite recoberto de gelo apresenta uma região de vulcanismo de água.
O trabalho dos pesquisadores do IAG é um esforço para aproximar modelo teórico e dados empíricos. As medições da sonda Cassini, da Nasa, indicavam um fluxo de calor vindo de Encélado da ordem de 10 gigawatts de potência. No entanto, até 2017, todos os cálculos feitos a partir de modelos teóricos resultaram em números muito inferiores, apontando para 1 gigawatt. O primeiro trabalho que calculou um fluxo de 10 GW foi publicado em um artigo na revista Nature Astronomy em novembro de 2017, por um grupo de pesquisadores da França e da República Checa.
Agora, os cientistas do IAG utilizaram um modelo teórico completamente diferente para chegar ao mesmo resultado. Segundo Sylvio Ferraz Mello, docente do Departamento de Astronomia do IAG e um dos autores de um artigo publicado recentemente na revista especializada Celestial Mechanics and Dynamical Astronomy, satélites como Encélado, Io e Europa (os dois últimos orbitam Júpiter) têm nas marés a única fonte de calor. Por serem relativamente pequenos, esses satélites não contam com o calor dos minerais radioativos presentes nas rochas, como ocorre no planeta Terra, por exemplo.
Analisar os satélites como fluidos, e não sólidos, permite estimar como a atração gravitacional de um planeta causa deformações na forma dos satélites. Isso equivale a dizer que os corpos celestes escoam como um líquido – mas, no caso deles, trata-se de um líquido muito viscoso. Assim, quando Saturno atrai Encélado, a forma do satélite muda por causa das marés. “Nós calculamos qual é a quantidade de calor que a maré em Encélado gera no interior do satélite”, diz Ferraz Mello.
Além dos gêiseres, a energia das marés acabou por criar uma espécie de oceano sob a crosta de gelo de Encélado, com grande quantidade de água em estado líquido. “A temperatura externa chega talvez a uma centena de graus abaixo de zero. Mas nessa região derretida embaixo, ela é próxima de 0°C”, afirma o docente do IAG. “Esse oceano tem água, tem boa temperatura, tem todas as condições para o aparecimento de vida”, completa.
Para validar o modelo, Ferraz Mello e seus colegas aplicaram a teoria elaborada no IAG em cálculos sobre outra lua de Saturno, chamada Mimas. Este satélite está próximo de Encélado, mas tem características opostas. A ideia é que, para que a teoria seja considerada válida, ela deve explicar tanto o calor e as deformações na superfície de Encélado quanto a ausência destes elementos no outro satélite.
“Mimas é uma pedra morta. Não tem tectonismo nenhum. Isso nós explicamos tecnicamente em termos de viscosidade. Por ter derretido uma parte do gelo, a viscosidade de Encélado é muito menor do que a viscosidade de Mimas. É um detalhe técnico, mas que explica porque os dois são tão diferentes”, diz o professor do IAG.
Fonte Jornal da USP