O Sistema Cantareira é o maior produtor de água da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) que sozinho produz 33 m3/s de um total de 71,4 m3/s devido a outros sistemas produtores. Exclui-se deste total o Sistema São Lourenço, ainda em operação assistida, que inexistia à época da crise hídrica.
No período compreendido entre de 2014 e 2015 em que ocorreu a crise hídrica o sistema Cantareira com 1269,5 milhões de m3 literalmente quase que “secou” só não ocorrendo graças a existência do “volume morto” rebatizado, durante a crise, de “reserva técnica” em razão dos temores da população com relação àquela denominação macabra.
A chamada “reserva técnica”, termo muito mais apropriado que “volume morto” nada mais é do que o volume de água contido nos reservatórios que não pode ser escoado por gravidade por estar abaixo da soleira das tomadas d’água, necessitando portanto de bombeamento.
O fato é que a existência da “reserva técnica” do Sistema Cantareira permitiu à Sabesp contornar, embora no limite, o racionamento de água que fatalmente ocorreria em toda a sua extensão, não fosse a existência do “volume morto” previsto na concepção inicial do Sistema por eminentes sanitaristas dotados de larga visão estratégica.
A Sabesp mantém atualizado em seu Portal dados coletados diariamente dos mananciais de seus sistemas produtores, tais como volumes armazenados, variações das precipitações, água tratada produzida etc.
Desta forma, através de consulta a este Portal podemos extrair alguns dados interessantes que permitem retratar com números o nível de “stress” hídrico por que passou aqueles mananciais ao longo da crise.
Com relação aos dados de volumes armazenados a Sabesp dispõe do denominado índice armazenado(I1), definido como a relação entre o volume útil armazenado (o que de fato se encontra estocado no reservatório) e o volume útil total (VU) (volume estocado no reservatório que pode ser utilizado sem bombeamento) estimado em 982 milhões de m3. Outro índice disponível, (I2) relaciona o volume útil armazenado e o volume total (VT) (1269,5 milhões de m3) o qual leva em conta, além do volume útil, também o volume da “reserva técnica”(RT) (287,5 milhões de m3).,
Durante a crise hídrica, a Sabesp disponibilizou a partir de 16 de abril de 2015, por exigência de uma liminar, um terceiro índice, (I3), que relacionava a diferença entre o {volume armazenado – volume da reserva técnica (RT)} dividido pelo volume útil (Vu).
Esta exigência decorreu da necessidade de se ter transparência da real utilização pela Sabesp do “volume morto” do manancial. Em maio de 2017, a Sabesp optou por não mais utilizar este índice pois desde janeiro de 2016, não se extraia mais volumes de água por bombeamento dos reservatórios.
Analisando-se os dados do monitoramento da Sabesp desde 2013, nota-se que desde junho daquele ano o índice armazenado (volume útil armazenado) vinha decaindo sistematicamente.
Quando o índice (I1) estava em 8.2% em 16 de maio de 2014 a primeira reserva técnica entrou em operação e acrescentou mais 182,5 milhões de m3 ao sistema (18,5% de acréscimo). Em decorrência o (I1) subiu para 26,7%.
Posteriormente, em 24 de outubro de 2014, quando o índice (I1) já tinha caído a 3% uma segunda reserva técnica entrou em operação acrescentando mais 105 milhões de m3 ao sistema (10.7% de acréscimo). Em decorrência o (I1) subiu para 13,6%.
Analisando-se o Índice (I3), disponível desde 16 de abril de 2015 no monitoramento da Sabesp com (-10%), revelou-se oficialmente que o Cantareira operava pelo menos no período entre abril até 30 de dezembro de 2015 com o índice armazenado (I3) negativo significando efetivamente que restava apenas o volume morto no reservatório e ele estava sendo paulatinamente consumido.
Somente em janeiro de 2016 o índice (I3) se positivou com 0,7%. Oficialmente, a divulgação do (I3) prosseguiu até maio de 2017 com 65%.
Na realidade, o índice (I3), embora não existisse formalmente, já estava negativado desde agosto de 2014com (-3,2%) (1 de agosto de 2014). O período em que ficou negativado abrangeu efetivamente 20 meses e não somente 9 meses como divulgado oficialmente. (Trecho em marrom no gráfico)
Disso se depreende que a Sabesp operou a reserva técnica durante 20 meses entre os anos de 2014 e 2015. Em 2015, a retirada total de água do Cantareira foi em média de 15,6 m3/s sendo o menor valor registrado como 13,21 m3/s em junho de 2015 (A Sabesp somente disponibilizou estes dados a partir de 15 de janeiro de 2015, indicando a retirada de uma vazão de19,41 m3/s).
Em julho de 2018, a retirada de água do Cantareira voltou ao patamar anterior: (31,64 m3/s em 1 de julho de 2018). Nesta data, o índice armazenado(I1) estava em 43,7 %, valor inferior a julho de 2013 (56,5%), que marcou o início da crise. (na realidade a queda do volume do Cantareira na crise iniciou-se dois meses antes com 62,8% (maio de 2013). prosseguindo até agosto de 2014 onde praticamente “zerou”).
Entretanto, este fato não indica necessariamente que estejamos no limiar de uma outra crise hídrica até porque estamos mais preparados, uma vez que estão sendo concluídas obras de reforço do sistema de abastecimento de água da RMSP além de mudanças de hábito da população que resultou em uma redução de consumo de 10,5 m3/s ou 15% menor do que antes da crise.
As principais obras da Sabesp de reforço são: (i) o Sistema Produtor São Lourenço que aduzirá água proveniente da Bacia do Ribeira); (ii) transposição de água da represa Jaguari que integra a Bacia do rio Paraíba do Sul para a represa Atibainha do Sistema Cantareira, (o que permitirá a redução do risco de o Cantareira não conseguir atender a demanda e (iii) a transposição de água da represa do rio Grande para o Sistema Produtor Alto Tietê, (iv) a transposição de água da barragem do rio Pequeno além de outras intervenções.
*JOSÉ EDUARDO W. DE A. CAVALCANTI
É engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia
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