Embora, para os brasileiros, a realidade muitas vezes trágica dos grandes terremotos esteja literalmente a milhares de quilômetros de distância, não é incomum que tremores sejam sentidos ocasionalmente, como aconteceu na segunda-feira, 2 de abril, nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste do País.
Ocorrido na Bolívia, a uma profundidade de 557 km e grau de magnitude 6.8 na escala Richter, o terremoto fez trabalhadores da Avenida Paulista, na capital de São Paulo, evacuarem prédios. O susto, que não causou maiores problemas, é mais um indicativo de que todos, independentemente das fronteiras geográficas, estamos conectados pela terra que habitamos.
Disponibilizado no final do mês de março, no portal do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), o Sistema de Informação Geográfica (SIG) do Mapa Tectônico da América do Sul e o mapa georreferenciado é o primeiro de seu gênero a ser lançado neste formato. A inovação veio dar acesso a um banco de dados em formato digital que conta com atributos de cerca de 8 mil polígonos individuais, cada um deles caracterizado pela sua idade e pelo seu ambiente tectônico.
Desenvolvido em cooperação técnica internacional com a coordenação da Comissão do Mapa Geológico do Mundo (Commission of the Geological Map of the World – CGMW), o projeto é a digitalização da versão impressa do mapa, que foi lançada em 2016, no Congresso Internacional de Geologia em Cape Town, África do Sul.
“Uma vida científica”
Elaborado em escala 1:5.000.000, o SIG é produto da parceria entre CPRM e Serviço Geológico e Mineiro da Argentina (Segemar), com a colaboração de cientistas de todos os países da América do Sul e sob a coordenação continental dos pesquisadores Umberto Cordani, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, e Victor Ramos, da Universidade de Buenos Aires (UBA).
O mapa tectônico da América do Sul impresso, que hoje é amplamente distribuído para uso em várias instituições, empresas, universidades, serviços geológicos e demais organizações, não é o primeiro a ser comissionado. A sua primeira edição foi realizada sob a coordenação do professor Fernando de Almeida, da USP, em 1971, e a versão que foi lançada na África do Sul, 45 anos mais tarde, é apenas a segunda.
Os dois coordenadores repartiram os trabalhos. “Ao Victor couberam os Andes, e a mim coube a assim denominada Plataforma Sul-Americana”, conta Cordani que, diante do mapa impresso, aponta cada uma das diversas feições que compõem o detalhado projeto.
“Fomos indicados para fazer isso em 2002 e a primeira vez que conversamos foi em Buenos Aires, em março de 2003” relembra ele, ao destacar que o trabalho levou 13 anos para ser finalizado. “É uma vida científica, um mapa temático de uma região enorme”, explana o professor.
Por meio de diversos encontros com instituições locais que trabalham com mapas geológicos, os dois cientistas coordenaram uma tarefa hercúlea que envolveu estudar e interpretar muitas estruturas geológicas, bem como datar um grande número de rochas, em toda a América do Sul. Foram incluídos no mapa componentes visíveis de conhecimento geral da população, tais como a presença de vulcões ativos e também marcações mais complexas que representam feições da chamada tectônica de placas, ou seja, o campo que explica “como são placas que se mexem, se afastam, se juntam e caracterizam regiões diferenciadas denominadas províncias tectônicas”, detalha o cientista, ao reforçar que, durante a confecção do primeiro mapa, a tectônica de placas ainda não era um campo plenamente consolidado.
Por meio de uma série de workshops, Cordani convocou geólogos do País inteiro e também dos países vizinhos que compõem a Plataforma Sul-Americana, como Venezuela, Colômbia, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, para auxiliar no trabalho. “No total, centenas de geocientistas nos ajudaram de uma maneira significativa e cerca de 50 estão nomeadas no mapa”, revela o professor.
De acordo com Cordani, “cada símbolo gráfico, incluído num dos polígonos do mapa, indica o ambiente tectônico que o formou, durante um dos episódios da tectônica de placas. E um dado conjunto de polígonos, com seus símbolos, forma uma unidade tectônica”.
O SIG é uma versão digital que conta com informações geológicas, geocronológicas e geofísicas, além de outros temas relevantes, que permitem a apresentação, na forma de cores e tramas, das idades e do ambiente original de formação das rochas do continente sul-americano e das áreas oceânicas adjacentes. “Na área ocupada pela cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, o SIG nos permite observar que as rochas foram formadas entre 700 e 540 milhões de anos atrás e que a atual ‘calmaria’ geológica esconde um passado de turbulências com prováveis terremotos, altas cadeias de montanhas e oceanos que foram totalmente fechados e extintos”, explica a pesquisadora Lêda Maria Fraga, que foi a responsável técnica pela elaboração final do mapa, por parte da CPRM.
Mapa é uma conquista da sociedade
Ao utilizar a nova tecnologia, o mapa eletrônico integra dados provenientes de diversas fontes e permite consultar e analisar informações espacialmente referenciadas, que podem ser combinadas e dar origem a novos mapas.
Inicialmente, para a realização do mapa, foi elaborada uma nova base geográfica georreferenciada da América do Sul. Em seguida, foi criada uma base geológica a partir da harmonização e atualização dos dados disponíveis para todos os países do continente, bem como para as regiões oceânicas adjacentes, e foram então compiladas as informações mais relevantes. Essa base de dados de abrangência continental permitiu a elaboração do Mapa Tectônico apresentado em SIG, que sintetiza o estado da arte sobre o conhecimento da evolução tectônica do continente sul-americano.
Para Cordani, o mapa e seu lançamento digital são uma conquista muito relevante das Geociências e um retorno à sociedade, que pode aplicar o conhecimento ali reunido. “A geologia tem como função produzir esse conhecimento do território de um país. O mapa oferecido para a comunidade pode servir para pessoas ou empresas fazerem exploração mineral, por exemplo, ou para ensino de geologia nas universidades, ou mesmo planejamento para organização de espaço”, enumera.
O SIG permite atualização contínua, à medida que novos conhecimentos são obtidos, e a versão eletrônica atual foi disponibilizada para download no site da CPRM e na plataforma internacional One Geology, que permite acesso via web a mapas geológicos e outros dados geocientíficos de diferentes naturezas no contexto global.
Clique aqui para acessar o SIG do Mapa Tectônico da América do Sul.
Fonte Jornal da USP