*Tito Lívio Ferreira Gomide
Em 1999 apresentamos trabalho em congresso de perícias de engenharia como título: “A Inspeção Predial deve ser obrigatória e periódica?”, e obtivemos prêmio de menção honrosa, além de plena aceitação pela comunidade técnica da necessidade de se criar procedimentos para esse tipo de inspeção. Passados quase vinte anos dessa iniciativa, houve expressiva evolução dos estudos e aplicação da inspeção predial no país, podendo-se destacar as leis federais que tornaram obrigatória a inspeção de sistemas de ar condicionado em edifícios, a inspeção predial em estádios de futebol e ainda a lei estadual carioca de auto-vistoria nos edifícios do estado do Rio de Janeiro.
Porém, tais leis somente foram aprovadas após a ocorrência de sinistros com mortes: falecimento do ministro Sérgio Mota por contaminação do sistema de ar condicionado em seu gabinete de prédio público em Brasília, mortes de torcedores no desabamento de parte da arquibancada do estádio da Fonte Nova em Salvador, e mortes de cidadãos no desabamento do Edifício Liberdade no Rio de Janeiro.
Comprovadamente, essas mortes poderiam ter sido evitadas, pois ocorreram por falta de manutenção nessas edificações e estádio.
A falta de cultura técnica e reduzida implantação da manutenção nas edificações e obras de construção civil no Brasil ainda é uma realidade que mata pessoas e degrada nosso patrimônio construtivo privado e público, com prejuízos pessoais e materiais significativos.
A comunidade técnica não possui poder político para clamar por legislações que protejam nossas construções e edificações dos danos pessoais e materiais causados pela falta de manutenção.Portanto, as leis de proteção ao cidadão, nesse sentido, somente surgem quando ocorrem mortes, muitas mortes, mesmo assim por interesse político, devido à presença da mídia, que poderá trazer votos a alguns políticos oportunistas. Triste e sórdida realidade.
Toda e qualquer construção, seja um edifício ou obra pública, sofre degradação ao longo do tempo, precisando de cuidados técnicos para preservar seu bom desempenho, e isso se chama manutenção. A boa manutenção preserva o desempenho e consequentemente as boas condições técnicas e de segurança das construções. Sem isso, a degradação precoce é inevitável e os sinistros idem, podendo-se comprovar essa afirmativa com os constantes acidentes envolvendo as construções. No Brasil o caso mais recente foi o desabamento de viaduto em Brasília, no mundo, o mais recente, foi o incêndio com mortes de dezenas de crianças em shopping center, na Rússia. Basta consultar a internet e muitos outros acidentes similares estarão se apresentando, a maioria por falta de manutenção.
A solução? Simples, fazer boa manutenção nas obras de construção civil ao longo de sua vida útil. Como? Tornando obrigatória e penalizando quem não faz a manutenção.
No Brasil, há quem lute pela manutenção, quase sem êxito, mas sem desistir. No foro técnico da ABNT há um projeto de norma de Inspeção Predial tramitando por lá faz uns cinco anos. Projeto finalizado, esperando ir à votação nacional faz uns dois anos, esperando o quê?, outro grande sinistro com mortes? No Senado idem, legislações em estudo, mas não evoluem, esperando o quê? Muitas mortes e a imprensa? Talvez.
Bastaria uma lei federal, com apenas dois artigos, tornando obrigatória e periódica a manutenção das obras de construção civil, para se iniciar a solução do problema. Seriam os seguintes:“Art
1º) Toda edificação ou construção de uso públicodeve receber manutenção que preserve suas boas condições técnicas e de segurança, devendo ter um engenheiro responsável que ateste essas condições, periodicamente, através do competente laudo técnico com ART.Art 2º)O descumprimento do artigo anterior poderá determinar a interdição da edificação ou obra pública, bem como deverá o proprietário ou responsável serpenalizado com multa, além de responder civil e criminalmente por essa omissão e eventuais danos pessoais e patrimoniais decorrentes da mesma.
Dessa forma, talvez, a manutenção seja lembrada e devidamente implantada no país. Caso contrário, s.m.j., aguardemos a próxima tragédia.
*Tito Lívio Ferreira Gomide
Eng.Civil, FAAP, Bacharel em Direito pela USP, perito criminal pela Academia de Polícia SP, e atua como perito de engenharia e criminalística desde 1979, além de professor, conferencista e autor de inúmeros artigos e livros. Foi o precursor da Inspeção Predial e Engenharia Diagnóstica no Brasil, desenvolvendo intensa atuação institucional, como ex-presidente do IBAPE-SP e atual coordenador da Divisão Técnica de Patologias das Construções do Instituto de Engenharia
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo