Decorrido neste mês de março um ano da inauguração do trecho Leste do projeto de transposição do São Francisco é de interesse tomar conhecimento dos impactos sócio-econômicos mais significativos no sertão pernambucano abrangendo mais de cem municípios e no Cariri paraibano.
As águas do trecho Leste da transposição são captadas na represa de Itaparica formada pelo rio São Francisco seguindo ao longo de 117 Km através de canais, aquedutos, seis elevatórias canyons escavados na rocha, um túnel e dose reservatórios reguladores de vazão.
Pelas regras da transposição previamente estabelecidas na pré-operação as águas do canal seguem diretamente para o estado da Paraíba até a cidade de Monteiro embora banhem várias cidades de Pernambuco que no entanto não podem utilizá-las.
Em Monteiro as águas do São Francisco reforçam o combalido rio Paraíba seguindo por seu leito por cerca de 118 km até o açude Epitácio Pessoa (Boqueirão) que abastece Campina Grande. Entre Monteiro e Campina Grande este açude supre também outros31 municípios do Cariri.
Com a chegada do São Francisco, este manancial que na época acumulava apenas 2.9% de sua capacidade recebeu uma recarga de 6.6 % em seu volume de água suficiente para evitar o colapso no abastecimento de água de Campina Grande, cidade com mais de 400 mil habitantes, e colocando fim após quatro meses do início da transposição ao racionamento de água que já durava cerca de dois anos. Entretanto, não se sabe quando o açude de 412 milhões de m3 de capacidade poderá liberar água rio abaixo.
A pressa em fazer chegar a água à Campina Grande provocou uma obra emergencial provisória não prevista no açude de Camalaú uma vez que era preciso aumentar a velocidade de passagem da água. Para tanto, foi escavado um canal na rocha por onde a água foi desviada porém condenando-se o reservatório a acumular apenas 15% de sua capacidade, independentemente da quantidade de água que receba visto que esta obra provocou o rebaixamento do ponto de saída da água para a barragem. Em consequência, a pesca foi prejudicada com o sumiço de peixes e com a proibição da criação de tilápias, obrigando os ribeirinhos a se deslocarem 271 km em direção à serra Talhada até Serrinha.
O Departamento Nacional de Obras contra Seca prometeu fechar o canal até março deste ano. A conferir!
Muitas das obras complementares previstas não estão sendo cumpridas no prazo fato que tem prejudicado o abastecimento de água de muitas cidades. O ramal do Agreste que sairia do reservatório Barro Branco em Sertânia projetada para atender 68 municípios, orçada em R$ 1.2 bilhão de reais não sairá somente por volta de 2020, embora a tubulação esteja já assentada. Como medida emergencial, o Governo de Pernambuco iniciou uma obra de emergência para levar a água do reservatório de Moxotó até 2018. (a conferir)
Por outro lado, com relação aos agricultores ribeirinhos o aproveitamento das águas do São Francisco é limitado, uma vez que que só podem utilizar para beber, para dessedentação de animais e para uso em irrigação, porém, o mais grave, limitado a no máximo 0.5 ha sob pena de multa.
Diversas culturas são comumente plantadas nas zonas ribeirinhas desde plantações de curto prazo como milho, feijão e batata doce até pimentão, sorgo, tomate e outras porém a restrição legal a 0.5 há por agricultor na extensão de terra irrigada esteja inviabilizando muitas destas culturas obrigando os sitiantes a burlar a legislação para crescer. Uma alternativa tem sido dividir a terra entre membros da própria família mudando a titulação no imposto sobre a propriedade territorial rural e no cadastro ambiental. Desta forma, com mais “proprietários” esta família poderia conseguir água para uma maior área irrigada. Esta tática poderá estimular o aumento da taxa de natalidade no sertão do Cariri? (A conferir).
As obras da transposição acarretaram muitas desapropriações de terras de sitiantes por onde passa o canal. Embora muitos deles tenham recebido indenização sob a forma de um terreno de 5 ha e de uma casa muitos destes ribeirinhos tiveram se deslocar perdendo o acesso à água sendo obrigados a se utilizar de água salobra das cacimbas.
Este é um retrato de alguns dos impactos ambientais causados pela transposição do trecho Leste decorridos um ano de sua implantação. Algumas medidas mitigadoras foram implantadas, muitas com atraso, mas o acesso à água por parte da população ribeirinha, justamente àquela a ser primariamente beneficiada, ainda é deficiente sendo que o aproveitamento de água salobra ainda é uma triste realidade.
José Eduardo Cavalcanti -Engenheiro Químico e Conselheiro do Instituto de Engenharia
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