Tecnologias digitais vão transformar o agronegócio

Fábrica da Promip, no interior de São Paulo: a startup utiliza tecnologia de ponta para fazer controle biológico (Revista EXAME)

A adesão às inovações tecnológicas costuma ocorrer em etapas. Primeiro, vêm os entusiastas dispostos a assumir mais riscos para ter acesso à novidade — e, se tiverem sorte, colher os frutos de forma pioneira. Somente à medida que a tecnologia amadurece e se mostra eficiente é que uma massa de pessoas começa a adotar a inovação. No campo brasileiro, parece que entramos de vez na segunda etapa. Cada vez mais fazendeiros estão optando pelo uso de novas tecnologias digitais para o agronegócio, produzidas muitas vezes por startups que surgiram país afora nos últimos anos.

Avanços como softwares de inteligência artificial e drones para mapear a eficiência da lavoura e do pasto deixaram de ser estratégias de alguns visionários. “Produtores de menor porte superaram o estágio do desconhecimento e do ceticismo e estão adotando soluções criadas por startups”, diz Raffael Piedade, sócio-fundador do fundo SP Ventures, principal investidor brasileiro em novas empresas de tecnologia para a agropecuária e participante do EXAME Fórum Agronegócio, evento que reuniu empresários, executivos e especialistas do setor em São Paulo no dia 28 de setembro.

As novas tecnologias digitais no campo vão ser determinantes para o aumento da produtividade em pastos e lavouras em todo o mundo. Sem isso, será difícil alimentar um planeta com uma população estimada em 10 bilhões de pessoas em 2050. A questão é chegar lá sem exaurir os recursos naturais. “O Brasil tem a oportunidade de se posicionar como o celeiro do mundo, com uma agricultura tecnificada e sustentável”, diz Rodrigo Santos, presidente na América do Sul da multinacional Monsanto.

Para isso, a procura por inovações disruptivas é intensa. No final de setembro, a Monsanto anunciou o investimento de 1 milhão de reais na startup mineira Tbit, que desenvolveu um soft-ware para automação da análise de qualidade de grãos, sementes e folhas, função desempenhada até aqui exclusivamente por seres humanos. Empresas de tecnologia da informação, como Microsoft e Intel, também começaram a investir em serviços para o agronegócio no Brasil.

Herrisson, do Walmart; Queiroz, do Minerva; e Picchi, da Safe Trace: a demanda por transparência é crescente | Germano Lüders

O ecossistema de startups voltadas para o campo dá sinais de aquecimento. O caso do fundo SP Ventures, que tem mais de 70 milhões de reais investidos em 12 empresas do segmento, é ilustrativo. De 2007 a 2013, o fundo conseguiu identificar 49 startups de inovação rural. Desde 2015, o número saltou para 322. A Associação Brasileira de Prestadores de Serviços em Agricultura de Precisão estima que a área de terras em que suas 100 empresas associadas atuam cresceu 70% no último ano.

Uma pesquisa da Strider, empresa mineira de tecnologia voltada para o campo, com 600 grandes produtores de todo o país, mostra que 33% já utilizam softwares para gestão e monitoramento da produção e gerenciamento de frotas nas fazendas. Em propriedades do Sudeste, a adoção beira os 70%. “O mercado já entende a importância dessas tecnologias”, diz Luiz Tângari, presidente da Strider.

Uma das pioneiras do setor de tecnologia rural é a Promip, fundada em 2006 no campus de Piracicaba da Universidade de São Paulo. A Promip, que desenvolve inovações para o controle biológico e o manejo integrado de pragas, foi a primeira a receber investimento em 2014 do Fundo de Inovação Paulista, mantido pelo governo estadual. Hoje, atende grandes produtores e tem uma fábrica no interior de São Paulo com mais de 80 funcionários. “O controle biológico está só começando no Brasil”, diz Marcelo Poletti, sócio-fundador da Promip.

Algumas startups, como a Horus Aeronaves, que utiliza drones para mapear- fazendas e inteligência computacional para diagnosticar as imagens, crescem até no exterior. “Temos agora clientes no Paraguai, na Bolívia, no Peru e no Chile”, diz Fabrício Hertz, presidente da Horus.

Uma das forças que estão impelindo a digitalização do campo brasileiro é a pressão dos consumidores. Como nunca, eles exigem transparência no processo de produção para entender o que chega à sua mesa. No Brasil, a tendência ganhou ainda mais impulso após a Operação Carne Fraca, que revelou fraudes no processo sanitário de vários frigoríficos. Essa demanda chegou aos grandes varejistas, que se viram obrigados a fornecer aos clientes informações detalhadas sobre a comida vendida. “Hoje, estamos monitorando mais de 70.000 fazendas fornecedoras. Por dentro do assunto: A urgência da cultura digital para o varejo. Saiba mais sobre o tema com a TOTVS Patrocinado

O próximo passo é cobrir toda a cadeia produtiva”, diz Luiz Herrisson, diretor de sustentabilidade do varejista Walmart. Em 2015, a companhia americana estava à procura de quem pudesse rastrear com precisão a trajetória da carne que vendia nas gôndolas. Encontrou na startup paulista Safe Trace a tecnologia de que precisava. Hoje, cerca de 150 produtores rurais, varejistas e frigoríficos usam a plataforma no país. “O maior desafio é rastrear os fornecedores indiretos”, diz Vasco Picchi, fundador da Safe Trace.

Como a produção de alimentos brasileira tende a ser consumida em escala cada vez mais global, a cobrança se intensificará. “Isso exige transparência do setor, mas temos bases sólidas para responder ao desafio”, diz Fernando de Queiroz, presidente do Minerva, frigorífico que abate 26.000 cabeças de bovinos por dia.

Piedade, da SP Ventures: há oportunidades de investimento em startups do agronegócio | Germano Lüders
O maior desafio é levar a digitalização para as fazendas menores, as que têm mais restrições em financiar investimentos. “A maioria dos produtores agrícolas é de pequeno porte. Eles ainda são o gargalo do ponto de vista de adoção de tecnologia e avanço da produção”, afirma Lúcio de Castro Jorge, pesquisador da estatal Embrapa Instrumentação.

Uma parceria da Embrapa com a fabricante americana de equipamentos Qualcomm desenvolveu drones de baixo custo para captação de dados de pequenas propriedades. O projeto, em fase de testes no Paraná, no Maranhão e em Mato Grosso, já registrou ganhos de produtividade de 30% em fazendas de até 200 hectares.

Os desafios do agronegócio continuam sendo muitos, mas as últimas décadas mostraram que o agricultor brasileiro abraça as inovações que se apresentam a seu alcance. Para um setor que vem amparando sua forte expansão nos ganhos de produtividade, a adesão de mais produtores às tecnologias digitais parece ser apenas mais um capítulo nessa história de sucesso.

A FALTA QUE FAZ TER AMBIÇÃO

Para o publicitário Nizan Guanaes, o agronegócio brasileiro pensa pequeno, e tem de comunicar melhor seus feitos.


Nizan Guanaes: “O agronegócio brasileiro é bom em fazer, mas péssimo em se vender” | Germano Lüders

“No Brasil, o agronegócio é muito bom em fazer, mas é péssimo em se vender.” Foi com provocações como essa que o publicitário Nizan Guanaes iniciou a palestra no EXAME Fórum Agronegócio. Para o fundador do Grupo ABC, de propaganda, o agronegócio é o setor mais dinâmico da economia nacional e sofre de uma incapacidade crônica de posicionar sua marca no exterior — e, por consequência, de promover o Brasil. “O setor precisa se organizar. Não é um problema de verba, mas de comportamento”, afirma Guanaes.

A oportunidade apontada pelo publicitário vem a calhar para os produtores nacionais. Há décadas o setor é um dos poucos que crescem com elevação da produtividade e com uma das produções mais sustentáveis do mundo. Apesar disso, a imagem do campo está arranhada. Escândalos recentes, como as revelações de corrupção dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do frigorífico JBS, os esquemas de propina na fiscalização de frigoríficos — expostos pela Operação Carne Fraca —, e o novo avanço do desmatamento na Amazônia acabam por misturar num mesmo balaio produtores honestos com aqueles que ferem as leis.

“Hoje, construir uma marca é barato. O setor precisa ter uma visão ambiciosa”, diz Guanaes. Para o agronegócio, o momento de inflexão com episódios negativos pode servir para uma mudança na forma de se comunicar com o mundo. A tarefa começa bem: há muitas histórias de sucesso para ser contadas.

É HORA DE PACIFICAR O DEBATE

As discussões entre ambientalistas e produtores rurais são das mais acirradas. Sem equilíbrio, os dois lados perdem


Santos, da Monsanto; Diniz, da Toca; e Mendonça de Barros, da MB Associados: é possível conciliar produção e conservação | Germano Lüders

Não é apenas na política que a polarização traz prejuízos ao Brasil. Entre produtores rurais e ativistas ambientais, o debate parece uma missão impossível. Mas, para que o país amplie a produção agrícola com o mínimo impacto no ambiente, ambos os lados terão de discutir em novas bases. “Os movimentos ambientalistas são muito agressivos ao dizer que a agricultura é predadora. Mas não olham para toda inteligência, desenvolvimento e importância social e estratégica do agronegócio. Temos de pacificar esse embate e achar pontos convergentes”, diz Alexandre Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Agro.

Por vezes, no calor do embate, esquece-se de que o Código Florestal brasileiro é referência mundial na preservação ambiental. Por aqui, 64% das terras são compostas de florestas ou reservas; 9%, de agricultura. Na Europa, somente 0,3% do território tem florestas e reservas. Ou seja, os produtores brasileiros podem se destacar na sustentabilidade. “É uma oportunidade de mostrar que é possível produzir alimento sem destruir a natureza”, diz Pedro Paulo Diniz, presidente da Fazenda da Toca, especializada em produtos orgânicos.

O apaziguamento da polarização pode trazer benefícios duradouros ao agronegócio, uma cadeia que gera 23% do produto interno bruto. O papel de mocinhos e bandidos, que cada lado atribui a si e ao outro, pode fazer sucesso nas redes sociais. Mas é um atraso para o Brasil.

Autor: Exame