Essa data foi instituída em 1993 pelas Nações Unidas para conscientizar sobre o recurso natural e promover ações para tornar seu uso mais eficiente.
Uma iniciativa neste sentido está em curso há mais de cinco décadas em Hong Kong, onde um sistema é usado para captar água do mar e usá-la nas descargas dos banheiros.
Uma enorme quantidade de água doce é usada para este fim. Os modelos de descarga mais recentes – e eficientes – empregam sete litros cada vez que são acionados, mas esse volume pode triplicar com versões mais antigas.
Esse uso representa cerca de 30% do consumo hídrico doméstico, segundo a ONG britânica Waterwise, e até 70% do uso em edifícios comerciais.
Hong Kong ameniza isso ao fazer com que 80% dos seus 7,2 milhões de habitantes tenham suas descargas abastecidas com água salgada, uma prática que começou justamente por causa da falta crônica do recurso ali.
Uma média de 762,5 mil metros cúbicos por dia são usados em média com esse propósito, segundo os dados mais recentes. É o suficiente para encher 305 piscinas olímpicas.
“É uma solução que preserva a água tratada para uso mais nobres e ajuda a garantir a oferta para o consumo humano”, avalia Pedro Luiz Côrtes, especialista em gestão ambiental da USP (Universidade de São Paulo).
Glauco Kimura, coordenador do Programa Água para a Vida da ONG WWF-Brasil, acha que é “um absurdo ainda usarmos água limpa em descargas”.
“Isso provavelmente ainda não mudou porque não tínhamos enfrentado uma crise, mas deveríamos importar esta tecnologia de Hong Kong.”
Solução premiada
A água do mar começou a ser usada em descargas de Hong Kong em 1958, quando a ilha já se deparava com a perspectiva de falta d'água.
Não existem reservas hídricas subterrâneas expressivas em seu solo rochoso, e as chuvas atendem a apenas um quarto da demanda. O restante é importado da China por meio de dutos submarinos ou trazido do mar.
Segundo o órgão responsável pelo abastecimento da ilha, o “uso extensivo de água do mar tem ajudado a reduzir a demanda por água potável em descargas”.
Cerca de 5,75 milhões de pessoas usam água do mar na descarga, com a ajuda de uma infraestrutura composta por 35 estações de transmissão e 1,5 mil km de tubulações.
A água potável é subsidiada pelo governo de Hong Kong, e seus preços estão congelados desde 1995. Já a água do mar é fornecida gratuitamente.
O Departamento de Fornecimento de Água de Hong Kong esclarece que a água do mar não recebe o mesmo padrão de tratamento da água doce. Mas a empresa diz que ainda assim “cumpre diretrizes” para evitar eventos adversos.
Primeiro, a água é filtrada para retirar grandes partículas de impurezas. Depois, é desinfetada com cloro ou hipoclorito de sódio antes de ser levada a reservatórios, de onde é distribuída à população.
A ilha tem dois sistemas de encanamento, um para água doce e outro para a salgada.
Depois de usada, a água salgada é descartada na rede de esgoto usada para a água doce e recebe o mesmo tratamento.
Cerca de 25% do esgoto em Hong Kong é composto por água do mar.
O programa da ilha foi premiado em 2001 pelo Chartered Institution of Water and Environmental Management, entidade britânica que reúne profissionais, cientistas e empresários dedicados a questões ambientais.
“Usar água do mar em descargas economiza não só água, mas também energia. Requer a metade da energia usada na produção de água potável, dez vezes menos do que no tratamento de água de esgoto e cem vezes menos do que o processo de dessalinização”, disse Chen Guanghao, professor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, em um artigo para o The Standard, diário em inglês local.
“Além disso, a água salgada requer de 35% a 50% menos energia para ser resfriada, o que permite ainda mais economia se a usarmos em sistemas de ar condicionado.”
Expansão
Hong Kong é até hoje a única cidade do mundo a usar água do mar nessa escala. Há outros exemplos menores, como o de Avalon, cidade na ilha de Catalina, na Califórnia (EUA), com 3,5 mil habitantes, e as ilhas Marshall, também no oceano Pacífico.
Côrtes, da USP, acredita que essa alternativa poderia ser aplicada em cidades na costa brasileira.
“Poderia começar em áreas urbanas que estão se expandindo, com a criação de novos bairros já com esta infraestrutura”, afirma Côrtes.
“Seria necessário que os novos edifícios tivessem duas linhas de transmissão de água. No entanto,
se isso já estiver previsto no projeto, não gera quase nenhum custo a mais para a construtora.”
Mas, para abastecer esses edifícios, primeiro seria preciso criar uma nova infraestrutura de tubulação, como a de Hong Kong.
E o custo de construção e manutenção de uma segunda tubulação é um dos desafios desse tipo de abastecimento, de acordo com Daniel Cheng, vice-presidente de conselho da Federação de Indústrias de Hong Kong.
Isso inclui usar dutos mais resistentes à corrosão provocada pelo sal presente na água.
“O custo não é tão alto. Bastaria haver um incentivo governamental, por meio de incentivos fiscais à infraestrutura necessária”, afirma Kimura, da WWF.
Outra forma de viabilizar a nova infraestrutura seria por meio de parcerias, defende Côrtes: “Grandes consumidores, como shoppings e universidades, poderiam compartilhar o custo da construção dessas novas linhas de distribuição”.
Autor: BBC