Interior do Ceará terá minicidade inteligente construída do zero

Radares de segurança, bicicletas compartilhadas, lixeiras com sensores, irrigadores que fazem o download de informações meteorológicas da internet para determinar o volume de água necessário para as plantas – tudo isso em 3,3 milhões de metros quadrados de área. A área fica no distrito de Croatá, em São Gonçalo do Amarante, Ceará, a 16 quilômetros do complexo portuário do Pecém, e pretende se tornar um modelo de cidade inteligente no nordeste brasileiro.

O projeto prevê uma área residencial de 23 hectares para abrigar entre 20 mil e 25 mil pessoas. Além desse espaço, há a previsão de 30 hectares para atividades industriais e 12 para uso comercial. A primeira indústria já está instalada em um dos lotes previstos para fábricas. Do total, 46% do território do empreendimento será loteado e 54% será dividido entre vias e áreas verdes.

“Para desenvolver o projeto de smart city social precisávamos de alguns elementos: uma área com grande desenvolvimento, carência habitacional, fibra ótica e uma grande rodovia ligando”, conta Susanna Marchionni, administradora da empresa italiana SG, responsável pelo empreendimento, dividido em área industrial (batizada de Ecopark) e residencial (Laguna). A procura pelo terreno começou há quatro anos e sua implantação teve início em 2014.

Segundo dados do IBGE de 2010, São Gonçalo do Amarante tem uma população de 46 mil pessoas, cerca de 5,8 mil delas em Croatá. Em 2013, o plano diretor municipal foi atualizado com base na previsão de que a cidade terá o dobro de habitantes em cinco anos. Segundo o secretário de desenvolvimento econômico Victor Samuel da Ponte (veja entrevista ao final desta reportagem) o plano foi modificado para aumentar a área urbana na zona onde está sendo implantado o projeto.

Minha casa, minha vida, minha cidade inteligente

A ideia da área residencial é que não seja preciso muito dinheiro para atravessar o portal (já construído, mas que hoje é a entrada para um enorme descampado) e se sentir em casa em um ambiente 100% planejado pela empresa italiana. As moradias possuem preços que correspondem a faixa dois do programa Minha Casa, Minha Vida, entre R$ 99 mil e 145 mil com área entre 45 e 65 m². Por R$ 23,4 mil, é possível adquirir um dos 1.468 lotes da primeira fase do projeto, que pode ser pago em 120 meses. Ou quase isso: a liberação para construir um dos cinco modelos de casas já desenhadas pela Planet Idea, empresa responsável pelo projeto urbanístico, é dada depois que 40% do valor do terreno é quitado.

O território onde está se instalando o empreendimento possui uma lagoa artificial implantada antes da compra pela SG e 75% da obra para integrar a área à rede de esgoto já foi concluída pela administração pública, sendo que o restante do sistema de saneamento deve ficar pronto ainda esse ano. Os sensores que avisam quando a lixeira está cheia e os radares de segurança serão integrados ao serviço de coleta de resíduos municipal e à polícia local, respectivamente.

Ainda que a fornecedora de energia seja a mesma de toda a São Gonçalo do Amarante, a Coelce, a fiação elétrica do empreendimento será subterrânea, assim como o cabeamento da internet, fornecida sem cobrança, seguindo um acordo que inclui a instalação peças de publicidade pelo empreendimento. Outras fontes de eletricidade – entre elas um playground e barreiras redutoras de velocidade que produzem energia cinética – fazem parte do projeto, mas sem previsão de implantação.

Os demais serviços dependem da chegada de um número significativo de moradores. Para que o local tenha bike sharing, 500 moradias precisam ser instaladas. Para que a região seja integrada ao sistema de transporte público, é necessário que no mínimo 50 casas estejam ocupadas. No momento, há 12 imóveis em construção, que serão decorados para receber visitantes interessados no empreendimento.

De Israel para o Ceará

O compartilhamento de comida, carros e a visualização de dados sobre a cidade serão serviços disponibilizados em uma plataforma exclusiva para moradores desenvolvido pela Planet Idea. Além disso, a empresa promoveu um Desafio Smart City em Israel, na qual dez startups finalistas apresentaram suas ideias de tecnologias que poderiam ser implantadas em Croatá.

Uma das vencedoras foi a GreenIQ, uma empresa que produz sistemas de irrigação. O produto apresentado na ocasião foi uma espécie de sprinkler que se conecta à internet para fazer o download de informações sobre o a previsão do tempo da estação meteorológica mais próxima usar como base para regular o volume liberado de água de acordo com a sua agenda programada. Cada Smart Garden Hub, que é a tecnologia que planejada para ser instalada em Croatá, custa € 249 se comprada individualmente.

A cidade também contará com o mapeamento 3D feito pela Pixtier com base em imagens aéreas tiradas por drones (atualmente a empresa está em busca de um parceiro que possa fazer as fotos). A mesma equipe que tem experiência em trabalhar com o Ministério da Defesa de Israel fará mapas atualizados de Laguna e do Ecopark a cada três ou seis meses, dependendo do andamento do empreendimento, durante dois anos. Os mapas podem incluir projetos de construções que ainda não saíram do papel. Pedi ao co-fundador e chairman, Shai Onn, que me enviasse algum mapa já concluído pela Pixtier, que disse que precisava consultar o cliente. Não obtive resposta até o fechamento dessa matéria.

Outra empresa que terá seu produto instalado na área é a Magos Systems, produtora de radares de segurança. Segundo o seu CEO, Gadi Bar-Ner o que eles fazem é desenvolver radares com eficiência militar e custos civis. A tecnologia que a sua equipe produz pretende substituir os sistemas de detecção de movimento em vídeo – a função é a mesma, mas 20 câmeras cobrem a mesma área de um radar, que também permite localizar o alvo, seguir, iluminar e falar com “ele”. Esse equipamento já está presente em um porto na Argentina.

Representantes das três vencedoras do desafio virão ao Brasil em agosto, alguns pela primeira vez, para conhecer a área do empreendimento. Nenhum deles trabalhou em um projeto que seria construído do zero, como é o caso do Laguna-Ecopark. 

ENTREVISTA

“Eles dizem que irão vender a preço popular, tomara que consigam”

Vitor Samuel da Ponte é secretário de desenvolvimento econômico de São Gonçalo do Amarante. Em entrevista por telefone, Ponte falou sobre o provimento de serviços pela administração municipal na área do empreendimento, a acomodação do projeto da Planet Idea no planejamento urbano e as expectativas em relação à área.

Victor Samuel da Ponte, secretário de São Gonçalo do Amarante (Divulgação) 

Foi preciso alterar o Plano Diretor para acomodar o projeto da Planet Idea?

Não precisou porque o Plano Diretor de Croatá já estava previsto um projeto de expansão urbana, de residencial, industrial e de serviço. Eles só aproveitaram essa questão do Plano Diretor. Na previsão de tornar área rural em urbana nós tivemos que aumentar um pouco, transformar áreas de Croatá complementarmente de rural para urbana. O que já estava na previsão do Plano Diretor também. A modificação foi mínima, a adaptação foi mínima o plano diretor foi feito tendo em vista os próximos 20 a 30 anos e já previa essa expansão daquela localidade.

Quantos metros quadrados aumentou?

De cabeça eu não sei, esse negócio de número eu não gravo.

Quais indústrias poderão se instalar no local?

Só indústrias não poluentes em todo o território de São Gonçalo. O único lugar onde está prevista a instalação de indústrias poluentes dentro do controle é somente no complexo industrial e portuário do Pecém, que fica no leste do município. Em todas as outras três áreas destinadas para a indústria nós não aceitamos a instalação de indústria que polua ou tenha um consumo de água fora do normal. Outro fator limitante nosso é água. Nós temos que ter muito cuidado porque não tem água o suficiente a água é escassa na região e no Ceará como um todo. Esses dois fatores são limitantes. A prioridade é para o consumo humano. Por exemplo nós damos preferência a uma indústria de calçados que quase não consume água ou eletrônicos a uma indústria de detergente. Não nos interessa esse tipo de indústria que consome muita água, mesmo havendo a obrigatoriedade do reúso, se perde muita água, não é conveniente para nossa região.

Alguma outra parte da cidade há fiação subterrânea, bicicletas compartilhadas, radares de segurança?

Não existe, infelizmente não. Nós ainda estamos na fase de levar energia elétrica para lugares que não tem, não chegamos nessa fase. Será uma fase posterior, se Deus quiser chegaremos, mas não é agora. Nós ainda estamos atendendo o básico – as populações carentes nas áreas mais afastadas nem sequer energia elétrica têm, não têm uma estrada, o acesso é difícil, tudo isso. O prefeito se preocupa muito em atender à população desse nível até chegar em toda a cidade ser uma smart city… Vamos chegar lá, mas ainda vai demorar um pouquinho.

Levando em conta que vai ser uma área tão diferente do resto da cidade, que benefícios ela pode trazer para o município como um todo?

Traz um exemplo, um modelo diferenciado de qualidade de vida para inspirar outros projetos iguais. Já tem gente, outros projetos imobiliários no município e fora dele se inspirando e copiando pelo menos em parte a ideia da smart city. Se eles observam, concluem que não sai tão mais caro você oferecer esse tipo de serviço. Tanto não sai que o desafio desse pessoal desse grupo italiano é fazer o bom, moderno e barato. No final das contas não pode ser muito caro, senão inviabiliza. É interessante essa ideia, mais gente vai querer morar em Croatá, morar numa cidade diferente e por aí vai. Quando você faz uma coisa bonita, diferente o povo gosta e quer tem até uma lógica de querer um produto interessante e barato, todo mundo quer comprar.

Além coleta de lixo e também haverá sistemas de radares integrados com a segurança local pública?

Lembre-se, devem ter dito a você que a smart city é aberta não é um condomínio fechado, haveria um problema de compatibilidade se fosse um condomínio fechado com segurança pública. Ele é totalmente aberto. Tem um portal lá, que é tipo uma entrada, mas é só visual, todo mundo tem trânsito dentro da smart city. É totalmente aberto, entra e sai quem quiser, não tem barreira ninguém vai ser constrangido. A polícia pode entrar na smart city porque está dentro da cidade. É uma continuação de Croatá, que já existe e é um distrito pequeno. É mais ou menos isso.

Há algum sistema de controle para evitar que haja sobrevalorização e o local deixe de oferecer habitação popular?

Esse é um negócio como outro qualquer. Todo mundo é livre para comprar e vender. Faz sentido o que você está perguntando, mas eles garantem que não. E agora?

Não tem nenhuma regulação municipal nesse sentido?

Não tem, o programa é tipo Minha Casa, Minha Vida, mas não quer dizer que seja Minha Casa, Minha vida. Não é um programa oficial, é um projeto privado. É livre iniciativa de quem faz. Claro, poder público regula tudo o que a lei manda regular, mas essa questão de preço que eles dizem que irão vender a preço popular, tomara que dê, tomara que eles consigam. E eles estão dizendo que vão fazer isso oferecendo um serviço melhor, então é um desafio. Afinal, tecnologia está tão avançada né.

Croatá precisa de habitação popular ou qualquer tipo de habitação?

Não. Veja bem, esta demanda eles estão criando não existe – essa necessidade muitas casas lá, como eles querem fazer, uma cidade de 25 mil a 30 mil habitantes só na smart city. Não existe essa demanda hoje. O distrito hoje tem 10, 11 mil habitantes. Está crescendo, mas está crescendo em uma taxa média de 20 a 25% ao ano, ou 10%, não sei. Não tem essa demanda para aumentar de repente para 30 mil. Entende? Eles estão criando essa demanda na hora que eles estão mostrando ao público “olha, venha morar em Croatá. Você vai morar em uma cidade inteligente a custo baixo”. Muita gente que ia morar em outro lugar vai pensar se não seria melhor morar em Croatá, em uma cidade inteligente. É isso, atrair um público novo, um público que não existe hoje. O local que mais cresce em São Gonçalo do Amarante não é Croatá, é Pecém – por causa do parque industrial, do porto. Pecém, sim, está crescendo mesmo, as pessoas vão lá trabalhar, tem emprego. O crescimento é menor na sede do município, onde a população é mais adensada, e menos em Croatá. Quem está criando essa demanda não é a indústria, não é nada, é o simples atrativo da cidade inteligente.

Tem um plano para integrar isso ao resto da cidade – redes de coleta de lixo, segurança, transporte público – caso eles consigam atingir a meta deles de 30 mil pessoas?

A prefeitura está se preparando para um aumento da população de uma maneira geral, não é só lá. São Gonçalo está aumentando acima da média de crescimento de uma cidade normal por causa do parque industrial portuário do Pecém, indutor de desenvolvimento. A prefeitura já está se preparando hoje, pois a cidade tem 45 mil habitantes e vai chegar a 100 mil rapidamente. Claro que é um desafio, mas a arrecadação também está crescendo com os impostos e acho que vamos conseguir chegar lá. Se fizermos a coisa com planejamento, com bastante critério e muito rigor, com uma boa administração nós conseguiremos entregar os serviços em tempo. É um desafio.

Autor: outracidade