Em 1971, um professor de engenharia elétrica e ciências da computação da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA) publicou um trabalho em que propunha a existência de um novo componente básico da eletrônica.
Leon Chua defendeu a ideia de que poderia haver um resistor com memória, o memoristor, com propriedades únicas desde que fosse confeccionado na escala nanométrica.
Então um conceito teórico e matemático, esse elemento seria capaz de oscilar, quase instantaneamente, entre o comportamento de um isolante e o de um semicondutor e de “lembrar” seu último nível de resistência elétrica quando deixasse de receber uma corrente.
Apenas em 2008, 37 anos mais tarde, uma equipe dos HP Labs, dos Estados Unidos, produziu o primeiro circuito baseado no componente elusivo. Os pesquisadores fizeram um nanofilme de óxido de titânio com memoristores de 15 nanômetros.
A partir desse trabalho, o memoristor passou a ser divulgado como um curinga em potencial da nascente nanoeletrônica.
Ele seria capaz de desempenhar, mais rapidamente, com menor consumo de energia e de espaço físico, as duas tarefas mais básicas de um computador: processar (como um chip com transistores de silício) e armazenar (como os discos rígidos de PCs e a memória flash de pen drives) informação.
Até hoje, não se sabe ao certo por que os memoristores funcionam de maneira singular, embora algumas empresas, como a gigante Panasonic e a pequena Knowm, do Novo México (EUA), já estejam comercializando timidamente versões modestas de chips baseados nesse componente.
A movimentação de alguns átomos de oxigênio no interior de nanofilmes feitos de óxidos metálicos, quando submetidos a distintas correntes elétricas, é a tese mais aceita para justificar as propriedades singulares dos memoristores.
Uma equipe de físicos teóricos das universidades Federal do ABC (UFABC), Estadual Paulista (Unesp) e Nacional de Yokohama (Japão) propôs no início de julho, em um artigo no periódico Scientific Reports, uma explicação alternativa para o fenômeno: a circulação de elétrons seria a principal responsável pelas características desse componente, visto que o “andar” de átomos não seria rápido o bastante para produzir os efeitos atribuídos aos memoristores.
Esses componentes podem mudar sua resistência em razão da passagem de uma corrente elétrica em poucos picossegundos (a trilionésima parte de um segundo equivale a um picossegundo).
“Não estamos afirmando que esse efeito se deva apenas a um fenômeno eletrônico”, explica Gustavo Dalpian, físico da UFABC, coordenador da equipe que produziu o estudo teórico, feito no âmbito de um projeto temático da FAPESP. “Mas acreditamos que só a oscilação dos átomos no interior do material não seria suficiente para explicar as características dos memoristores.”
Segundo o artigo, em determinadas configurações internas de seus átomos, como nas chamadas fases deficientes em oxigênio do óxido de titânio, os memoristores conseguem armazenar carga.
“Isso altera suas propriedades eletrônicas e, consequentemente, sua capacidade de conduzir ou não a eletricidade”, afirma o físico Antonio Claudio Padilha, outro coautor do estudo, que fez doutorado sobre o tema na UFABC e hoje realiza um pós-doutorado na Universidade de York, na Inglaterra.
A nova proposta de teoria para esclarecer a natureza do funcionamento do memoristor ainda precisa ser amparada por dados provenientes de experimentos. Alguns pesquisadores que trabalham há mais tempo na área se mostram céticos em relação a mudar o foco explicativo do fenômeno dos átomos para os elétrons.
Esse é o caso do físico Gilberto Medeiros-Ribeiro, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em abril deste ano, três meses antes do artigo de Dalpian e seus colaboradores, Ribeiro e uma equipe de pesquisadores da HP reforçaram a hipótese tradicional sobre o mecanismo de funcionamento desse tipo de componente com novas evidências.
Em artigo publicado na Nature Communications, os cientistas relataram a medição de um ruído interno originado pela movimentação de íons (átomos que perderam ou ganharam elétrons) em um sistema com memoristores feitos de óxido de tântalo.
“O ruído era 10 mil vezes maior nos pontos de contato entre os átomos e os eletrodos do circuito”, informa Ribeiro, que trabalhou por quatro anos e meio nos HP Labs como gerente de pesquisa com memoristores antes de ser contratado pela universidade mineira.
“Nas dimensões de nossos dispositivos, basta um átomo de oxigênio ‘andar’ uma posição atômica dentro do memoristor para que sua resistência diminua 10 vezes.”
No estudo, Ribeiro e os colegas da empresa norte-americana criaram memoristores em que o canal interno, o espaço em que os íons poderiam se mover, equivalia à espessura de um átomo.
Como a radiação cósmica de fundo é um dos indícios da existência do Big Bang, esse ruído interno excessivo dos memoristores, que ocorre apenas em condições de contato atômico, seria uma evidência do movimento dos íons dentro do material.
Autor: Exame.com