Privatização: Externalidades a se Considerar

Por João Ernesto Figueiredo*

Estamos vivendo um novo momento de nossa economia, onde os processos de concessão estão sendo levados à prova.

Os jornais noticiam que o Governo Temer está oferecendo concessões com pagamento à vista de 20% e financiamento pelo BNDES, a juros subsidiados, dos 80% restantes.
Vozes se levantam e bradam: “Assim até eu quero”.

A coisa não é, porém, assim tão simples. É como comparar duas ofertas de um prato de camarão, por dois restaurantes, um a R$ 40,00 e outro a R$ 100,00.

Há que se considerar o tamanho do camarão, a qualidade (inclusive origem) dos ingredientes utilizados, a competência dos cozinheiros, o serviço de atendimento, a qualidade e localização dos restaurantes, as condições de pagamento, até o prestígio (ou des) eventualmente auferido por ser visto em cada um dos locais e assim por diante.

Se olharmos o passado vemos concessões como a da telefonia, onde só a receita de impostos sobre as tarifas centuplicadas já demonstram seu sucesso.

As concessões das rodovias paulistas, com pedágio alto, mas impecáveis, comparadas com a concessão da BR 116, barata e problemática desde sempre, também demonstram as diferenças das operações bem sucedidas das demagógicas (ou propositadamente, por ideologia, mal concebidas).
Isto sem falar nas concessões tão imprudentes que resultaram em devolução do negócio.

O Governo ao ofertar uma concessão pode simplesmente estar oferecendo um bem tangível, como o uso de um avião, como, no caso de um Aeroporto ou uma Linha de Transmissão, estar transferindo um complexo de bens, serviços decorrentes, responsabilidades futuras, potencialidade negocial e assim por diante.

No caso que se apresenta há que se considerar, pelo menos o seguinte:

1) O preço é justo?
2) O fato de financiar 80% por terceiros (não confundir BNDES com Governo), não significa receber apenas 20%. Significa receber 100% à vista, pois os 80% do empréstimo entram no caixa do Governo. Os concessionários ficam com a responsabilidade de pagamento do valor emprestado.
3) No fato do BNDES financiar com juros subsidiados há que se conferir a veracidade disso: a fonte do BNDES pode ser casada e mais barata, como, por exemplo, recursos do FGTS, ou da poupança, que custam menos para o Governo.
4) O Governo ao transferir para terceiros um determinado bem, pode estar se livrando de um passivo trabalhista potencial.
5) Idem de passivo ambiental potencial.
6) Idem de passivo jurídico potencial.
7) Pode estar se livrando de um bem que lhe proporcione prejuízos constantes.
8) Pode estar se livrando da necessidade de um investimento adicional relevante, não só para corrigir os efeitos do item anterior, como para bem atender um mercado demandante, o que aconteceu com grande clareza na privatização da telefonia.
9) Pode estar criando um potencial de incremento de arrecadação, levando em conta o item anterior.
10) Pode estar projetando a substituição de uma operação obsoleta por algo mais condizente com a tecnologia e desejos contemporâneos.
11) Pode estar se livrando de contratos internos mal elaborados e ainda com prazo de vigência longos.
12) Pode estar se livrando de um custo financeiro operacional incondizente com as boas praticas operacionais.
13) Pode estar transferindo para os investidores um pessoal insatisfeito, improdutivo e até, no limite, sabotador.
14) Está, ao fazer caixa, se livrando de uma dívida correspondente girada a um custo atual de 14,25% a.a..

Ou seja: é imprudente, sem ter todas essas informações, criticar ou também aclamar (podem também estar escondidas informações estratégicas ou joias da coroa muito bem embutidas em caixas pretas) a atitude do Governo.

Uma discussão sadia, aberta, despreconceituosa é o que se propõe. Espera-se do Congresso, que, feliz ou infelizmente representa a população, e das Comissões proponentes das futuras licitações, a consideração dos fatores acima elencados, para se chegar a um arbitramento justo e realista.

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* Engenheiro civil POLI/1965; pós-graduação (área de produção) na POLI/1970; ex-assessor do Presidente Ruy Leme no Banco Central/1968; na engenharia atuou na área de planejamento até 1971; dirigiu instituições financeiras até 1989; foi professor de Mercado de Capitais em cursos de especialização do Instituto Mauá de Tecnologia/80; escreveu livros; desde 1990 atua na área de consultoria financeira de empresas de Engenharia. Foi presidente do Conselho Consultivo do Instituto de Engenharia.

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo