“Silêncio, é madrugada; no morro da Casa Verde a raça dorme em paz. Moro em Jaçanã. Vila Esperança! Foi lá que eu conheci Maria Rosa, meu primeiro amor. O Arnesto nos convidou, prum samba ele mora no Brás. Numa cerâmica, fabricando potes e lá no alto da Mooca. Se eu perder esse trem, só amanhã de manhã. Domingo nóis fumo, num samba no Bexiga, na rua Major. Belém, Vila Maria e Mooca e São Paulo extensão Mogi, Guarulhos, Itaquera Tudo vibra coringão”
(Colagem de trechos de músicas de Adoniram Barbosa com referências a locais e bairros de São Paulo. E que ingratidão da cidade: o sambista que emplacou com Trem das Onze a musica do 4º Centenário do Rio de Janeiro e que homenageou, em seus sambas, quase todos os bairros, mereceu, em homenagem, apenas o nome de uma ruela, um beco, uma pequena rua estreita, com parcos 150 metros de extensão, “onde não passa ninguém”.)
O prefeito de São Paulo encaminhou, no início de janeiro, à Câmara Municipal projeto de lei que altera o texto da lei 13.399, de 2002, estabelecendo eleições diretas para os cargos das 32 subprefeituras do Município de São Paulo. O PL retoma o texto da lei Orgânica do Município, de 1990, que instituiu as subprefeituras sem, entretanto, definir em eleições diretas a forma de preenchimento dos cargos.
A proposta do Prefeito tem gerado grandes controvérsias, não raro contaminadas pelo clima de “ideologização” das discussões geradas pelos atuais planos de governo e pela forma de execução das políticas públicas. Votação sobre a proposta, aberta no site do Estadão (jornal O Estado de São Paulo), registrava, no dia 10 de fevereiro, 52% de SIM, 41,1% de NÂO e 6,6% de INDIFERENTES.
A arquiteta Maria Lucia Refinette Martins, professora da FAU, publicou, na coluna Tendências/Debates, do jornal Folha de São Paulo, um cronograma das sucessivas mudanças administrativas na gestão municipal, desde a década de 1940 até os dias atuais.
De sua análise, destaco as etapas por ela assinaladas, reordenadas segundo a cronologia de datas de suas ocorrências:
1940: “Essas subdivisões do município se originaram remotamente nos distritos de obras da década de 1940”.
1965: “Em 1965, o prefeito Faria Lima instituiu as administrações regionais. Eram sete unidades ligadas à Secretaria de Obras”.
1984: “Em 1984, na gestão do prefeito Mario Covas, foram instituídas 19 unidades, que tiveram pela primeira vez uma estrutura mais sólida, base de dados e planos locais”.
1990: “A criação das subprefeituras, assim como a dos respectivos Conselhos de Representantes, foi determinada pela lei orgânica do Município, elaborada e aprovada pela Assembléia Constituinte Municipal em 1990”.
2002: “A implantação (das subprefeituras) decorreu da lei nº 13.399, de 2002”.
2016: Na data final desta cronologia, 2016, encontra-se o PL que propõe eleições diretas para o cargo de Subprefeito.
Tabela 1 – Cronologia das etapas de mudanças na estrutura administrativa de São Paulo
A tabela 1 alinha as datas das intervenções na infraestrutura administrativa da cidade, a população nestas oportunidades e o período de tempo decorrido entre as sucessivas etapas. Percebe-se a lentidão do processo de implementação das medidas propostas. Assim, se na época da elaboração do Código de Obras, a necessidade de criação de subprefeituras já se fazia sentir, é constrangedor perceber-se que 12 anos separaram a proposta do Código e a aprovação da lei criando as Subprefeituras. Neste período a população da cidade cresceu 788.077 habitantes (dir-se-ia que cresceu, em 12 anos, uma Maceió – que, em 2000, registrava 796.842 habitantes).
Uma Maceió a separar o Código de Obras e a criação das Subprefeituras!
Qualquer vestibulando diria que a proposta do Código de Obras de 1990, em 2002 já estaria “velha”, merecedora de uma revisão.
Ocorre-me declaração do mestre Milton Santos, em janeiro de 2001: “nos dias de hoje, a cidade não tem nada a ver com a cidade de 30 anos atrás” e também “”o fenômeno urbano não pode ser estudado fora do território. Esse é o problema que eu estou detectando na maioria das propostas” e ainda “ninguém sabe o que é (planejamento estratégico de cidades). Ele não pode ser estratégico se não corresponde à verdadeira dinâmica, que é a do território nacional”.
(Le Monde Diplomatique, Caderno Especial nº 2, janeiro de 2001)
O gráfico apresentado a seguir mostra o crescimento da população de São Paulo entre 1940 e 2015, evidenciando que as sucessivas mudanças na estrutura administrativa da cidade, implantadas, em média, a cada 15 ou 20 anos, não acompanham o violento crescimento da cidade.
Gráfico 1 – Crescimento da população da cidade de São Paulo entre 1940 e 2015
(População em hab * mil)
De todas estas considerações, ocorreu-me frase que ouvi do professor Adriano Branco que, como registrada em meus neurônios, condena “qualquer projeto de transporte em São Paulo há ficar 30 anos nas gavetas”. Se esta frase nos autoriza diferentes leituras, apenas ilustra a lentidão que é o padrão de nossa secular incompetência.
A LEI 13.399 DAS SUBPREFEITURAS
“Mas um dia, nós nem pode se alembrá, veio os homis c'as ferramentas, o dono mandô derrubá”.
(Saudosa Maloca, de Adoniran, nos anos 50, antecipando o galopante processo de gentrificação da cidade neste início de século).
A lei 13.399, promulgada na gestão Marta, criou as subprefeituras e nelas sete coordenadorias. A estrutura criada pela lei para as Subprefeituras pode ser melhor compreendida pela leitura do artigo 12 da lei 13.399.
Art. 12 – Fica criada, compondo e diretamente subordinada ao Gabinete do Subprefeito, a seguinte estrutura com respectiva competência:
• I – Chefia de Gabinete, à qual competirá o apoio necessário às funções do Subprefeito, além de ação integrada aos assuntos jurídicos, administrativo, técnico, de comunicação e de tecnologia de informação, bem como substituir o Subprefeito em seus eventuais impedimentos;
• II – Coordenadoria de Ação Social e Desenvolvimento, responsável pelas ações nas áreas de trabalho, assistência social, abastecimento, esporte, lazer e cultura e atividades afins;
• III – Coordenadoria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano, à qual competirá o planejamento urbano, habitacional e dos transportes, controle e fiscalização do uso do solo, conservação e preservação do meio ambiente e atividades afins;
• IV – Coordenadoria de Manutenção da Infraestrutura Urbana, à qual caberá a manutenção das vias públicas, da rede de drenagem, da limpeza urbana, a conservação de áreas verdes e de próprios municipais e atividades afins;
• V – Coordenadoria de Projetos e Obras Novas, responsável pela elaboração, execução e gerenciamento de projetos e obras novas, inclusive próprios municipais e atividades afins;
• VI – Coordenadoria de Educação, à qual caberá execução e gerenciamento dos serviços da área, além dos recursos humanos e financeiros da Educação e atividades afins;
• VII – Coordenadoria de Saúde, responsável pelas ações de assistência à saúde, vigilância sanitária e epidemiológica, recursos humanos e financeiros da Saúde e atividades afins;
• VIII – Coordenadoria de Administração e Finanças, à qual caberá a administração geral, orçamentária e financeira e de recursos humanos no âmbito das Subprefeituras, além de atividades afins.
Parágrafo único – Aos Coordenadores responsáveis pelas áreas mencionadas neste artigo compete executar, no âmbito da Subprefeitura, a política de Governo, de acordo com as especificidades locais, coordenar e controlar as atividades a eles subordinadas, propor prioridades e orientar o desenvolvimento de programas e projetos relativos à realização dos objetivos e metas, indicando processos e tecnologias adequados, prever e controlar, no âmbito de sua área administrativa, os recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis e decidir os assuntos de sua competência, na instância que lhes couber, podendo delegar responsabilidades de acordo com o disposto em decreto.
Triste é constatar que, atualmente, na maioria das Subprefeituras perduram apenas as Coordenadorias de Projetos e Obras Novas e a de Planejamento e Desenvolvimento Urbano. Ou, como na análise da professora Maria Lucia, “apesar de representarem as unidades do governo municipal mais próximas da população, as subprefeituras, com poucas e honrosas exceções, têm atuado mais como zeladorias, responsáveis por serviços de manutenção cotidianos (limpeza de vias e bueiros, buracos de rua), do que como alternativas para a execução de políticas públicas mais eficazes”.
UM EXERCÍCIO LEGISLADOR DO ESCRIBA
Não resistindo ao fascínio dos números que fui digitando nas tabelas do Excell, fingi ser um diligente edil paulistano e promovi, em um exercício “intelectual”, uma pessoal subdivisão territorial de São Paulo segundo as suas diferentes ligações geográficas com o restante da Região Metropolitana. Cheguei a apenas sete (7) Subprefeituras, atento às recomendações de professores que recomendam aos gerentes administrar apenas um pequeno número de assessores. Sendo sete (7), nas crendices, um número mágico, eu o adotei para a divisão de São Paulo.
Para cada uma destas novas sete “Subprefeituras”, somei a população de todos os distritos que as compõem e comparei o resultado com as populações das capitais brasileiras. O resultado, se não me foi de muita surpresa, por outro lado me permitiu com uma amarga reflexão do tipo “com a sua atual estrutura administrativa, São Paulo é uma cidade ingovernável”.
Mapa 1 – Zoneamento Metropolitano da Capital
Como pode ser visto no mapa desta minha cidade de Sete Subprefeituras, a Zona Norte teria a mesma população de Belo Horizonte; a Zona Leste, por algum fenômeno que os exotéricos melhor explicariam, teria a mesma população de Salvador; a Zona Sudeste, que contorna a região do Grande ABC, teria a mesma população de Manaus (de novo, os exotéricos me haverão de explicar porque Manaus, que muito contribuiu para esvaziar o setor industrial do ABC surge nesta localização); a Zona Sul teria a mesma população de Aracajú – e de novo, uma região com forte presença nordestina abriga população similar a uma das capitais do Agreste; a Zona Sudoeste teria a mesma população de Goiânia; a Zona Oeste teria a mesma população de Florianópolis e, finalmente, a região do Centro Expandido, a mesma população de Curitiba.
A tabela 2 mostra uma curiosa convergência entre estas “Subprefeituras” as populações e as áreas urbanas das sete capitais brasileiras relacionadas.
Tabela 2 – Comparação entre as Sete Capitais e suas irmãs Subprefeituras
Resgatando a linguagem de meus professores politécnicos, pode-se dizer que “tudo se passa como se” o prefeito de São Paulo fosse, não o prefeito de uma cidade, mas o governador de sete grandes capitais brasileiras.
MALAGUETA, PERUS E BACANAÇO
“Malagueta, Perus e Bacanaço é o primeiro e mais estudado livro do escritor paulistano João Antonio. Foi publicado em 1963 atingindo imediatamente sucesso de público e crítica. Recebeu inúmeros prêmios, entre eles o Premio Jabuti, nas categorias “Revelação” e “Melhor livro de contos” e o Prêmio Fabio Prado. É o primeiro livro do autor. Trata-se de um conto longo, dividido em seis partes que recebem os nomes dos locais por onde passam os personagens: Lapa, Água Branca, Barra Funda, Cidade, Pinheiros e, por último, e de novo, Lapa. A narrativa transcorre em uma única noite, num bar, no velho salão de sinuca onde se encontram os três parceiros.”
(Wikipédia)
Terminei o desenho, abri uma garrafa de Malbec, liberei a voz de Dalva de Oliveira no profético samba de Noel, em que o autor informa “joguei meu cigarro no chão e pisei. Sem ter mais nenhum, aquele mesmo apanhei e fumei” e, em conversa privada com os botões de minha camisa, confidenciei-lhes minha opinião de que “somos em São Paulo como o personagem do samba; estamos sempre a jogar fora e a pisar no que consideramos bom para a cidade. Passados 15 ou 20 anos, sem ter mais nenhuma idéia nova, aquelas mesmas idéias que foram jogadas fora, são recolhidas, remendadas com esparadrapos urbanísticos e usadas como se fossem idéias novas”.
Reabri o site do Estadão, votei SIM na pesquisa de proposta de eleição dos Subs, enchi a taça, senti os aromas da cidade de Mendonza e muito pensei: “se a eleição dos Subs não der certo, a culpa – claro – será dos argentinos e da embriaguez de seus irresistíveis Malbecs”.
Reginaldo Assis de Paiva
Fevereiro de 2016
ANEXO
PL DE ELEIÇÃO DIRETA DOS SUBPREFEITOS
PROJETO DE LEI Nº …
Altera a Lei nº 13.399, de 1º de agosto de 2002, que dispõe sobre a criação de Subprefeituras no Município de São Paulo, para determinar a eleição direta para Subprefeito.
A Câmara Municipal de São Paulo
DECRETA:
Art. 1º O artigo 8º da Lei nº 13.399, de 1º de agosto de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 8º Os subprefeitos serão nomeados pelo Prefeito, após eleição direta, com voto facultativo, em cada Subprefeitura.” (NR)
Art 2º A lei nº 13.399, de 2002, passa a vigorar acrescida dos artigos 8º-A, 8º-B, 8º-C, 8º-D, 8ºE e 8º-F, com a seguinte redação:
“Art. 8º-A. São condições para concorrer à eleição de Subprefeito:
I – idade mínima de 18 (dezoito) anos, aferida na data da posse;
II – pleno exercício dos direitos políticos;
III – alistamento eleitoral;
IV – filiação partidária;
V – residência nos limites territoriais da Subprefeitura;
VI – não incorrer nas hipóteses de inelegibilidade previstas na Lei Complementar Federal nº 64, de 18 de maio de 1990.
VII – não ocupar cargo em comissão no Poder Público Municipal, na data de apresentação da candidatura.
§ 1º O candidato a Subprefeito não poderá ter candidatura registrada perante a Justiça Eleitoral para concorrer, no mesmo pleito, aos cargos de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador.
§2º Cada partido político poderá escolher 1 (um) candidato a Subprefeito para cada Subprefeitura” (NR)
“Art. 8º-B Será considerado eleito o candidato a Subprefeito que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os votos em branco e os nulos.
Parágrafo único. Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição, concorrendo os dois candidatos mais votados, e considerando-se eleito o que obtiver a maioria dos votos válidos” (NR)
“Art. 8º-C O mandato do Subprefeito será de 4 (quatro) anos, permitida a reeleição para um único período consecutivo.
Parágrafo único. A posse do Subprefeito eleito ocorrerá em até 90 (noventa) dias a contar da eleição.” (NR)
“Art. 8º-D O Subprefeito somente perderá o mandato em caso de:
I – renúncia;
II – infringir qualquer das vedações previstas no artigo 59 da Lei Orgânica do Município de São Paulo;
III – condenação judicial transitada em julgado;
IV – processo administrativo disciplinar.
§1º A perda de mandato será declarada após a observância de procedimento em que seja garantido o direito à ampla defesa.
§2º Havendo vacância, o cargo será provido por livre nomeação do Prefeito para completar o período do mandato do antecessor.” (NR)
“Art. 8º-E O Poder Executivo regulamentará o processo eleitoral de escolha dos Subprefeitos.” (NR)
Art. 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Nota: para ver o texto da lei 13.399, de 2002 baixe o arquivo anexo.
Autor: Reginaldo Assis Paiva